Dia dos Povos Indígenas: Depoimentos para refletir hoje e o ano inteiro

Dia dos Povos Indígenas: Depoimentos para refletir hoje e o ano inteiro

Selecionamos falas de 8 pessoas indígenas de aldeias e periferias de São Paulo que aprofundam o debate sobre a luta dos povos originários

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Tempo de leitura: 8 minutos

Organização por Thiago Borges, com fotos de Pedro Salvador e divulgação

Nesta quarta-feira (19/4), celebra-se o Dia dos Povos Indígenas. A data foi instituída em julho do ano passado, em substituição ao Dia do Índio, que reforça estereótipos e preconceitos contra os povos originários.

Estima-se que, quando as caravelas portuguesas aportaram no litoral brasileiro em 1500, existiam mais de 5 milhões de indígenas no que é hoje o território do Brasil. Atualmente, essa população não chega a 1 milhão de pessoas de mais de 300 etnias diferentes.

Muitas dessas pessoas estão hoje fora de suas terras de origem. A cidade de São Paulo, por exemplo, tem a quarta maior população indígena do Brasil: 13 mil vivem no município. A maioria está em contexto urbano e áreas periféricas – eram 11,9 mil em 2010, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

“Há muita brutalidade sendo dirigida às florestas, para tirar esse povo e colocá-los nesses espaços de controle e domínios em áreas urbanas”, nos apontou em 2020 o líder indígena Ailton Krenak, ativista, pesquisador e pensador do povo Krenak, em Minas Gerais. “É mais fácil imaginar o fim do mundo, do que o fim do capitalismo, que tem uma capacidade de convencer e subornar ”.

Em toda a região metropolitana, segundo a organização Opção Brasil, há representantes de 53 etnias diferentes, com destaque para: guarani mbya (presentes em toda a América do Sul), pankararu, fulni-ô e atikum (Pernambuco), kariri-xocó (Alagoas),  pankararé (Bahia) e potiguara (Paraíba), entre outras.

Por isso, a luta pela terra é demanda histórica dos povos indígenas, que agora estão no centro do governo federal com um Ministério próprio. E entre 24 e 28 de abril, a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília vai defender a volta da demarcação inclusive para assegurar a democracia e o próprio futuro da humanidade.

Nas bordas urbanas

Essa luta acontece inclusive na maior cidade do País.

No Extremo Sul de São Paulo, a 45 quilômetros do centro da capital, até 2016 mais de 2 mil pessoas viviam apinhadas em 26 hectares que comportavam apenas 2 aldeias – a Tenondé Porã, que dá nome à terra indígena, e a Krukutu.

O tamanho do território não permitia o cultivo de alimentos tradicionais e, ao mesmo tempo, impulsionava a urgente demarcação desde o reconhecimento dos territórios originários pela Constituição Federal de 1988. Após décadas de pressão junto, em 2016 o governo de Dilma Rousseff publicou uma portaria declaratória ampliando a TI para 16 mil hectares. Com um território maior, o número de aldeias aumentou até chegar às 14 atuais.

Antes disso, em 2013, lideranças já se dispersaram pela região em um processo de retomada e fundaram a Tekoa Kalipety, que virou referência no plantio de alimentos tradicionais. Dezenas de espécies de batata doce, diferentes tipos de milho, plantações de inhame, abóbora e mandioca. Entre as frutas, banana, jabuticaba, ingá, goiaba e todos os cítricos. E não pode faltar a erva-mate, que é sagrada na cultura guarani mbya.

“O nosso alimento traz consigo todo um significado, né? O pão de verdade é o que vai alimentar seu corpo e fortalecer seu espírito”, explicou Jerá Guarani (foto acima), de 40 anos, uma das lideranças da aldeia, em uma entrevista que fizemos em novembro do ano passado e publicanos em março de 2023.

Garantir o território é garantir alimentação, segurança e a continuidade de práticas culturais. Em 2018, entrevistamos o escritor e filósofo guarani mbya Olivio Jekupe sobre a relação com a natureza. “Sem fazer nada, o índio faz mais do que o branco – que só destrói a natureza”, disse ele, que vive na aldeia Krukutu e publica livros em sua língua.

Do outro lado da cidade, na zona Noroeste, a menor terra indígena do País tenta resistir ao avanço da mancha urbana. Na TI Jaraguá, vivem centenas de pessoas em um espaço de poucos hectares demarcados e que enfrentam ameaças de empresas e da grilagem de uma terra ancestral.

“A invasão sempre vai haver, porque sempre tem alguém achando que essa terra é dele, mas na verdade essa terra é território indigena”, nos trouxe Rafaela Martins, jovem guarani mbya, em abril de 2022.

Depois da invasão do território pela construtora Tenda em 2020, foi preciso se articular ainda mais.

A juventude da TI Jaraguá se apropriou de técnicas aprendidas com juruá (não-indígenas), como uso das ferramentas de comunicação para propagar suas ideias. É o caso de Richard Wera Mirim, que mora na Tekoa Pyau e criou a Mídia Guarani Mbya, que conecta mais de 44 mil pessoas pelo instagram.

“Em muitos lugares que eu chego, as pessoas perguntam: ‘vocês usam celular, televisão, internet?’. E ficam impressionados quando veem celular na nossa mão, porque acham que indígena não pode ter isso. Mas com essa comunicação que nós fazemos, elas vão vendo a realidade”, disse Richard (foto abaixo), em setembro de 2022.

As manifestações artísticas também são meios para sensibilizar e trazer mais pessoas aliadas aos direitos dos povos originários. Em fevereiro deste ano, falamos do festival Yvy Porã, realizado na aldeia de mesmo nome.

“A arte e a criatividade são os novos arcos e flechas que vão lançar o sonho na humanidade, no futuro”, trouxe Tamikua Txihi, 39, liderança indígena  pataxó que vive com o povo guarani mbya na Tekoa Itakupe. Para ela, que é artista plástica, ceramista, poeta e bacharel em Serviço Social, é pela arte que povos indígenas colocam seus sentimentos, memórias e realizam suas denúncias.

E indígenas em retomada também utilizam a arte e a educação para abordar e denunciar as tentativas de apagamento dessas histórias.

“A língua portuguesa invadiu nosso corpo território, invadiu nosso espaço, a nossa mente”, reforçou Lyrica Cunha, multiartivista, psicóloga e idealizadora do projeto O Não Lugar, em uma transmissão que fizemos em julho de 2021.

Lá em 2015, contamos a história da professora de educação infantil Cristiane Jaxuka, natural de Castanhal (PA) mas que se descobriu indígena apenas em São Paulo, já adulta. Ela começou a confeccionar bonecas com aspectos negros e indígenas para gerar identificação com crianças na creche.

“Minha maior conquista é trazer uma outra referência para as crianças, que podem escolher uma boneca parecida com elas”, disse.

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