O caminhar nos sonhos guarani: Festival reúne indígenas e “juruás” em luta por território no Jaraguá

O caminhar nos sonhos guarani: Festival reúne indígenas e “juruás” em luta por território no Jaraguá

A população de 6 tekoas pressiona para ampliar o tamanho da menor terra indígena do Brasil enquanto resiste ao avanço da cidade de São Paulo - e a arte é vista como novos "arcos e flechas" para atingir objetivos

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Fotos e reportagem por Paulo Cruz. Edição de texto: Thiago Borges

Dezenas de pessoas se reúnem na opy’i, a casa sagrada da cultura guarani, para iniciar os trabalhos do dia. Em seguida, saem em caminhada pela trilha Tape Porã (que significa “bom caminho”) em que ouvem as histórias do povo guarani mbya, a presença de animais nativos no território e a retomada de criação de abelhas. Coral, rodas de conversa sobre direitos indígenas, um ensaio fotográfico, almoço, exposição e venda de produtos típicos completam a programação desse encontro.

As cenas compõem o festival Jaraguá é Guarani, que aconteceu no final de janeiro na Tekoa Yvy Porã, aldeia na zona Noroeste de São Paulo, unindo cultura, empreendedorismo, música, artesanato, moda, artes plásticas e resistência dos povos originários. O objetivo era integrar público indígena e não-indígena à cultura guarani.

Mais do que isso, é a concretização de um sonho.

Mensagem que vem no sono

Quando essa aldeia ainda nem tinha esse nome, o líder indígena Thiago Karai Djekupé, de 28 anos, sonhou que esteve na tekoa com seu petyngua e a caá (cachimbo e erva mate). Os sonhos  são muito importantes na cultura guarani, que por meio deles tomam decisões sobre o caminho a seguir. Acordado, Thiago buscou orientações sobre o sonho com os xamoin, os mais velhos que são líderes espirituais e orientam sobre as escolhas.

“Nós decidimos que aqui haveria 12 famílias nesse espaço, e que esse espaço seria usado para o chamado turismo de base comunitária”, conta Thiago. Essa foi uma das estratégias para preservar o território, pois a Tekoa Yvy Porã (que significa “terra sagrada”) está localizada em uma área de sobreposição ao Parque Jaraguá.

A região é reivindicada como território ancestral do povo guarani mbya, que hoje tem demarcada a Terra Indígena (TI) do Jaraguá, com apenas 1,7 hectare (a menor do Brasil) onde vivem mais de 700 pessoas. Com a ampliação almejada, a área chegaria a 532 hectares. A Yvy Porã é uma das 6 aldeias atuais, algumas delas fora do perímetro legalmente assegurado à população. Desde 2017, essa TI vem sofrendo com o avanço da especulação imobiliária, além do histórico descaso do Estado.

Reforçar o turismo comunitário seria uma forma de dar mais visibilidade para o território, mas isso também gerou conflitos com a Funai e outras instituições, que idealizavam outras formas de organização turística. “E aí eu reparei, sentei e rezei muito né? E aí foi onde eu tive mais um sonho, onde a gente conquistava uma universidade indígena aqui no Jaraguá e que dialogava sobre o turismo comunitário guarani, nossa própria forma de enxergar um turismo”, continua Thiago.

Assim, universidades e escolas públicas e privadas foram se aproximando da Yvy Porã, construindo um diálogo livre e constante com a sociedade não-indigena (ou “Juruá”, como dizem), num processo de conscientização da causa ambiental e da demarcação da terra indígena do Jaraguá e no restante do país.

Para Thiago a demarcação da TI é extremamente necessária para que se preserve o restante de Mata Atlântica ainda existente. O jovem líder aponta que o povo guarani segue apresentando uma proposta de mundo baseado no bem viver e cabe à juventude periférica e sociedade não-indígena se aliar a essa luta para garantir o futuro.

Território ancestral

Conhecida por sua atuação política e presença em eventos nacionais internacionais, Txai Suruí lembra que foi São Paulo quem invadiu a terra guarani.

“O povo guarani tá no território dele, um território ancestral, um território sagrado, e continua lutando por isso”, diz ela, que tem 26 anos e é pertencente à etnia suruí paiter, coordenadora do Movimento da Juventude Indígena e da Kanindé, organização que trabalha com povos indígenas em Rondônia.

Txai observa que, apesar das aldeias do Jaraguá não sofrerem com assassinatos e ameaças de morte que seu povo vivencia em Rondônia, por aqui existe uma pressão muito forte da cidade sobre a comunidade guarani. Além disso, o racismo ambiental impede inclusive de viver nossas culturas e nossos costumes alimentares “Eu fiquei pensando que, se isso fosse no meu território, o que o meu povo ia comer? A gente come muito peixe, muita carne de caça, né”.

Por ser um território pequeno, a cidade tenta invisibilizar indígenas que estão nela, mas mesmo assim a cultura guarani resiste a mais de 523 anos com sua força cultural e espiritual, abrindo brechas.

Essa também é a mensagem deixada por Sol Terena, 39,  indígena terena da aldeia Tereré, no Mato Grosso do Sul. “É de suma importância esse  movimento para unir forças com outros parentes de outros povos”,  diz.

Para Sol, estar junto renova as forças para seguir na caminhada. É justamente dessa força que ela traz em seus trabalhos. Além de ser co-fundadora da página “acessibilidade indigena” (@acessibilindigena), ela também é criadora e administradora da “Grafismo Indigena” (@grafismoindigena), uma marca de moda produzida em sua aldeia que gera renda para mais de 10 pessoas. Sol destaca que artistas indígenas precisam ocupar os mesmos espaços que não-indígenas.

Esse sentimento se refletiu durante a discussão sobre a valorização da arte indígena que aconteceu no festival. “A arte e a criatividade são os novos arcos e flechas que vão lançar o sonho na humanidade, no futuro”, aponta Tamikua Txihi, 39, liderança indígena  pataxó que vive com o povo guarani mbya na Tekoa Itakupe. Para ela, que é artista plástica, ceramista, poeta e bacharel em Serviço Social, é pela arte que povos indígenas colocam seus sentimentos, memórias e realizam suas denúncias.

O festival Jaraguá é Guarani deixou uma nova perspectiva de futuro, baseado em sonhos, e que não parou comigo, mas que movimentou a todes que puderam estar presentes e acompanhar a arte indígena em movimento.“Acho que o futuro vai ser mais limpo, talvez por toda essa luta que a gente tá tendo aqui, vai dar frutos. E cabe às gerações futuras pegar esses frutos escolher e plantar eles de novo”, completa Samara Paramirim, 16, moradora da Tekoa Ytu e estudante de Ensino Médio.

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