Território seguro garante alimento para indígenas nas bordas de São Paulo

Território seguro garante alimento para indígenas nas bordas de São Paulo

Demarcação de terra e segurança permitem surgimento de aldeias e retomada de cultivo de alimentos tradicionais da cultura guarani mbya

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Por Thiago Borges. Fotos por Pedro Salvador e Vitori Jumapili

Dezenas de espécies de batata doce, diferentes tipos de milho, plantações de inhame, abóbora e mandioca. Entre as frutas, banana, jabuticaba, ingá, goiaba e todos os cítricos. E não pode faltar a erva-mate, que é sagrada na cultura guarani mbya. O que é cultivado nas roças da aldeia Tekoa Kalipety garantem não só a segurança alimentar como também a retomada de práticas ancestrais na terra indígena Tenondé Porã, em Parelheiros (Extremo Sul de São Paulo).

“O nosso alimento traz consigo todo um significado, né? O pão de verdade é o que vai alimentar seu corpo e fortalecer seu espírito”, aponta Jerá Guarani (foto abaixo), de 40 anos, uma das lideranças da aldeia.

A descrição contrasta com o que o Brasil visualizou nas últimas semanas, quando vieram a publico imagens de crianças e pessoas idosas do povo ianomâmi com aparência desnutrida e precisando de socorro médico. Esse povo indígena vive em um território de 9 milhões de hectares demarcados entre os estados de Roraima e Amazônia, no Norte do País, e que apesar do tamanho e difícil acesso foi invadido nos últimos anos pelo garimpo ilegal promovido pelo antigo governo de Jair Bolsonaro (PL).

Por trás da fome e da morte de mais de 500 crianças desde 2019, estão a poluição dos rios por mercúrio, a derrubada da floresta e consequente fuga de animais de caça e a crise social resultante da devastação. Agora, enquanto o governo federal liderado pelo presidente Lula (PT) toma ações para remover invasores da terra indígena ianomâmi, há a preocupação de que essas pessoas não migrem para explorar outros territórios dos povos originários.

Soberania alimentar

Já no Extremo Sul da cidade de São Paulo, a cerca de 45 quilômetros do centro da capital, a luta pela ocupação dos territórios é sempre presente. Até 2015 (ou 2016), mais de 2 mil pessoas viviam apinhadas em 26 hectares que comportavam apenas 2 aldeias – a Tenondé Porã, que dá nome à terra indígena, e a Krukutu.

“As pessoas de 60, 70 anos relatavam o que comiam quando criança, quando adolescente, e que fazia muito tempo que não comiam mais (…) eu fiquei meio depressiva: ‘como vai ser? Como eu vou ver isso? Como a gente podia de alguma forma se conectar com esses alimentos? ”, recorda-se Jerá.

O tamanho do território da área não permitia o cultivo de alimentos tradicionais e, ao mesmo tempo, impulsionava a luta urgente pela demarcação desde o reconhecimento dos territórios originários pela Constituição Federal de 1988. Após décadas de pressão junto, em 2016 o governo de Dilma Rousseff publicou uma portaria declaratória ampliando a TI para 16 mil hectares. Com um território maior, o número de aldeias aumentou até chegar às 14 atuais.

Antes disso, em 2013, Jerá e outras lideranças já se dispersavam pelo Extremo Sul em um processo de retomada e fundaram a Tekoa Kalipety, que leva esse nome devido à grande plantação de eucaliptos que havia na área. O processo incluiu a derrubada das árvores, recuperação do solo com mescla de saberes ancestrais e técnicas de permacultura, intercâmbios com outras aldeias guarani e de outros povos indígenas para criar um banco de sementes.

“A gente tomou essa aldeia para concretizar muitas coisas que já estava muito ansioso, como o simples direito de plantar e ter o que comer das nossas próprias mãos”

Menos de uma década depois, o resultado é nítido e a Tekoa Kalipety é referência em alimentação na terra indígena, atraindo estudantes e turistas de base comunitária.

A vivência na região não é livre de conflitos – aldeias já sofreram com invasões e ameaças às comunidades indígenas. Mas a articulação com periferias próximos é importante para garantir a permanência segura da população guarani mbya no local. Muitos desses bairros e propriedades rurais, aliás, ficam sobrepostos à TI e, futuramente, deve haver um processo de desocupação do território com indenização para essas pessoas.

Para Jerá, que deseja trazer juruás (como são chamadas as pessoas não-indígenas) para plantar, colher e comer na aldeia, é importante que não-indígenas entendam o valor de manter o território assegurado.

“A gente vai continuar sendo protetor da natureza. E o juruá precisa entender e ficar preparado para isso também, porque ainda que more na cidade, tudo que se tem na cidade, tudo que se come vem da natureza. Então, é necessário a gente proteger junto, né?”, completa.

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