Por Thiago Borges
Fotos: Pedro Bieva (em destaque e no final da matéria) e Mirrah da Silva
Richard Wera Mirim mora em uma comunidade com algumas centenas de habitantes, mas dali se conecta com mais de 44 mil pessoas pelo instagram. A aldeia Tekoa Pyau fica na Terra Indígena (TI) do Jaraguá, aos pés do pico mais alto da cidade de São Paulo. Nascido e criado no local, é de lá que o jovem de 19 anos administra a página Mídia Guarani Mbya, com posts sobre o dia a dia de sua aldeia, de outras comunidades no País e de reivindicações políticas de povos indígenas em todo Brasil.
“Se acontece alguma coisa [na aldeia], você pode denunciar o mais rápido possível. Nem sempre a imprensa chega se a informação não der dinheiro pra eles. Nós falamos por nós mesmos, não precisa a imprensa vir falar por nós”, diz.
Desde a adolescência, Richard já demonstrava interesse pelo audiovisual. Aos 13 anos, participava de projetos do Programa Aldeias da Prefeitura paulistana e do Centro de Trabalho Indigenista (CTI), que deixava equipamentos com jovens da aldeia. Mas o que era feito por hobby logo ganhou uma importância maior com a urgência das lutas.
Em janeiro de 2020, a construtora Tenda avançou sobre a mata vizinha à terra indígena para construir prédios residenciais. A comunidade denunciou a obra, que prejudicaria seu modo de vida tradicional, e ocupou o terreno. Na época, o caso ganhou ampla repercussão na imprensa mas perdeu espaço com o passar do tempo.
Para não ficar dependente da mídia do centro, Richard e outras pessoas da cidade criaram a Mídia Guarani Mbya, que ganhou repercussão e hoje recebe contribuições de várias partes do País. Além de Richard, outras 2 pessoas guarani trabalham continuamente e de forma voluntária na página (1 no Vale do Ribeira e outra no Rio Grande do Sul) e mais 2 pessoas juruá (não-indígenas) auxiliam com o design.
Disputa de narrativas
A demarcação de terras é uma luta histórica de indígenas no Brasil.
E com o governo de Jair Bolsonaro, que desde 2019 não delimitou territórios para os povos originários e tem estimulado a invasão dessas áreas, denunciar a situação se tornou mais urgente. Temas como o garimpo ilegal têm demando muita atenção na atual gestão, que apoia projetos de lei como 191 de 2020, que pretende liberar a mineração em terras indígenas, aumentando ainda mais os conflitos que já existem.
Outra frente de luta é contra o PL 490 de 2007, que altera a legislação reconhecendo apenas as terras indígenas que estavam ocupadas pelos povos indígenas até a Constituição de 1988. É o chamado Marco Temporal, que exigiria a comprovação de ocupação da terra e negando o direito originário aos povos que estão retomando seus territórios que foram invadidos. Entenda mais aqui. O assunto também está travado no Supremo Tribunal Federal (STF), que deve votar sobre a constitucionalidade do tema. Entenda aqui.
Para ampliar as vozes inclusive nos centros de poder institucional e tentar barrar iniciativas como essas, os povos indígenas também lançaram uma estratégia para as eleições deste ano com objetivo de formar uma “Bancada do Cocar” e “aldear a política”. São 182 candidaturas ao Poder Legislativo neste ano. Guaranis do Estado de São Paulo escolheram apoiar as Sonia Guajajara para deputada federal e Chirley Pankará para deputada estadual.
Na maior cidade do País, a TI Jaraguá resiste à especulação imobiliária e ao avanço da mancha urbana. Único comunicador de sua comunidade, Richard lamenta não dar conta de tudo. Por outro lado, entende que seu trabalho e de uma legião de digital influencers indígenas é importante para desmistificar as vivências de mais de 300 etnias com o uso das redes sociais e pautar a política institucional.
“Em muitos lugares que eu chego, as pessoas perguntam: ‘vocês usam celular, televisão, internet?’. E ficam impressionados quando veem celular na nossa mão, porque acham que indígena não pode ter isso. Mas com essa comunicação que nós fazemos, elas vão vendo a realidade”.
Este conteúdo foi produzido no âmbito do projeto Planeta Território, uma iniciativa da Território da Notícia com apoio do Instituto Clima e Sociedade para fomentar e distribuir informação de qualidade sobre a emergência climática, o contexto eleitoral e o impacto na população periférica por meio de totens digitais em estabelecimentos comerciais das periferias de São Paulo
Thiago Borges