Por Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador
De um lado, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) recebe o apoio a sua reeleição da GR6, uma das principais produtoras de funk de São Paulo, enquanto se apresenta como “cria da periferia”. Do outro, o influenciador Pablo Marçal (PRTB) tenta angariar votos utilizando elementos de músicas periféricas: de um jingle com batida de funk até músicas de Dexter ou Racionais MCs, que rechaçam apoio ao candidato ultradireitista à Prefeitura paulistana.
Ambos integrantes do campo bolsonarista, Nunes e Marçal não são os únicos que acenam às periferias nas eleições municipais de 2024. Guilherme Boulos (PSOL) e Tabata Amaral (PSB), por exemplo, reforçam ligação com os bairros onde moram ou de origem, como Campo Limpo e Vila Missionária (na zona Sul) para se apresentarem como “candidaturas legítimas” da maioria da população.
Até aí, sem novidade: a cada eleição, há tentativas de se aproximar da parcela mais pobre da sociedade em busca de votos. O que é novo é a tentativa de se apropriar de uma cultura muitas vezes marginalizada e criminalizada.
“O funk é um grupo social muito grande, que às vezes não tem um posicionamento claro e fica um espaço para partidos se aproximarem com alguma medida barata. Agora, a velha política tenta se renovar se aproximando do funk”, observa Renata Prado, pedagoga e pesquisadora da cultura funk.
Idealizadora da Frente Nacional de Mulheres no Funk e ativista na Coalizão Negra Por Direitos, Renata foi uma das participantes da roda de saberes sobre “Política, comunicação e desinformação”. O encontro aconteceu no último sábado (28/9) pela Periferia em Movimento, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo).
Para Renata, as candidaturas de extrema-direita se aproveitam da falta de perspectivas da juventude das periferias, que convivem com um sistema educacional desatualizado e mercado de trabalho precarizado por um lado e as promessas de prosperidade repentina alimentadas nas redes sociais por influencers, sites de aposta ou jogo do tigrinho.
“A juventude está desacreditada, então a extrema-direita se aproxima e ocupa um espaço [mesmo sem propostas]”, completa Renata.
Por outro lado, a ativista nota que faltam propostas para garantir a ocupação do espaço público por essa mesma juventude. Ela cita que apenas Guilherme Boulos (PSOL) estaria disposto a dialogar com o movimento.
Rearticular
Se o funk é a trilha sonora, a repressão policial dá o tom da campanha. Os bailes continuam sofrendo com a violência do Estado.
Renata lembra o caso do Baile da DZ7, em Paraisópolis (zona Sul), em que a repressão levou à morte de 9 jovens por policiais militares em um pancadão em dezembro de 2019. Ainda hoje, familiares das vítimas lutam pela condenação dos agentes envolvidos.
A segurança pública é outra pauta utilizada por candidaturas mais à direita.
Tanto Nunes quanto Marçal apresentam policiais na composição de suas chapas. Vice de Ricardo Nunes, o coronel Mello Araújo (PL) aliás defendeu tratamento diferenciado em abordagens policiais nas periferias e nos Jardins quando comandava a ROTA.
Para o ativista, escritor e educador Denilson Ramos, mais conhecido como Mano Lyee, há uma desconstrução da realidade. “Essa apropriação da nossa cultura e nossa história também vêm de uma desinformação”, diz ele, que faz parte do movimento hip hop e é articulador da Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio na zona Oeste de São Paulo.
Mano Lyee lembra que sempre foi um papel assumido pelos movimentos sociais e coletivos periféricos de buscar e narrar a realidade dos fatos.
Mas, depois da pandemia e do governo federal de Bolsonaro, Renata nota que há uma “ressaca política”. Isso amplia o desafio de reorganizar uma articulação que ainda está pulverizada – e que se reflete na formação política da juventude.
Nesse sentido, a Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio atua diretamente na denúncia de casos de violência policial e contra prisões arbitrárias.
“Lutar por justiça social é difícil, mas nós somos uma potência (…) Podemos estar cada vez mais unificados, apesar de muita dificuldade”, completa Mano Lyee.
Papo de gerações
Essa foi a terceira de cinco rodas de saberes relacionando a comunicação com outras questões que atravessam o dia a dia das periferias. O evento faz parte do projeto Repórter da Quebrada – Gerações Periféricas Conectadas, que conta com apoio da 8ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo.
Thiago Borges, Pedro Salvador