Opinião: O papel da mídia na criação de estereótipos relacionados à cultura funk

Opinião: O papel da mídia na criação de estereótipos relacionados à cultura funk

Em artigo de opinião, a agente cultural, articuladora e pesquisadora do funk Renata Prado aponta como veículos de comunicação contribuem com a marginalização das adolescentes do funk como reflexo da violência de gênero

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Tempo de leitura: 6 minutos

Por Renata Prado*

A mídia brasileira se esforça cotidianamente para construir uma narrativa negativa relacionada à cultura funk a partir da imagem rebelde que se cria sobre a juventude funkeira, sobretudo as mulheres.

Matérias tendenciosas que retratam a prática sexual das jovens de forma marginalizada em bailes funk é algo que o jornalismo faz desde os anos 1990, tratando a gravidez precoce com um tom punitivista, criminalizando e culpabilizando as garotas que engravidam na adolescência sem citar a ausência de política de saúde pública direcionada à juventude periférica.

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Existe um histórico de perseguição da mídia com o comportamento social das mulheres do funk carregado de moralismo, excluindo totalmente a prática sexual como algo legítimo, considerando que o sexo também faz parte do comportamento humano.

Realizando uma breve pesquisa sobre jovens funkeiras e gravidez na adolescência, encontrei 3 matérias publicadas entre os anos de 2001 e 2024 que falam sobre maternidade a partir de um viés de promiscuidade, atrelando a gravidez precoce ao movimento funk, induzindo aos leitores enxergarem o baile funk como um lugar indecente, perverso e imoral, utilizando a instituição de política pública de saúde como validação para legitimar um discurso que reforça o preconceito com a juventude do funk e a violência de gênero.

Renata Prado (foto arquivo pessoal)

Há anos, a secretaria da saúde de diversos estados vem apontando a questão da gravidez precoce das jovens do funk em um tom de moralidade, descartando todas as possibilidades de se criar um programa de saúde pública e educação sexual voltado para a juventude do funk.

Apesar da maternidade indesejada ser uma questão delicada para qualquer pessoa que engravida de forma repentina e sem planejamento, as adolescentes pertencentes à cultura funk que engravidam são historicamente retratadas na mídia como obscenas, depravadas e irresponsáveis.

Embora o comportamento da juventude do funk em relação a prática sexual é algo que precisa ser questionado e repensado a partir de um projeto de educação sexual em parceria com os órgãos de saúde pública, a mídia faz um desserviço gigante ao publicar matérias tendenciosas que retrata a gravidez das jovens do funk como algo libidinoso e perverso.

Pensando no poder que a mídia exerce na construção do imaginário da população, precisamos questionar qual é o objetivo central dessas matérias que relatam a gravidez das jovens do funk, pois essas mesmas jovens funkeiras também são dignas de serem vistas como parte da sociedade civil que desfrutam de seus direitos assim como qualquer outra pessoa.

Para além desse questionamento, precisamos repensar o papel da mídia quando o assunto é mulheres funkeiras, pois atualmente o movimento funk vem potencializando cada vez mais a sua cultura, criando espaço para as funkeiras serem vistas a partir de suas trajetórias profissionais dentro do movimento funk.

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Nos últimos anos, a cultura funk vem crescendo e ocupando cada vez mais espaços no mundo da arte e muitos desses feitos são construídos pelas mãos de mulheres funkeiras que dedicam as suas respectivas vidas para a cultura do funk.

Atualmente encontramos mulheres MCs, dançarinas, fotógrafas, diretoras criativas, pesquisadoras acadêmicas, jornalistas, entre outras profissões, construindo uma linda trajetória no mundo do funk mas que não têm visibilidade nos noticiários de TV comparado as perseguições policiais que acontecem nos bailes funk e são televisionadas como um espetáculo de horror.

Arrisco dizer que todo esse sensacionalismo criado pela TV é proposital e serve para garantir uma boa audiência de público em horário nobre, baseado na violência policial realizada nos bailes funk cotidianamente, colocando em risco a vida de inúmeros jovens.

Para romper com a construção desse imaginário marginalizado, é preciso que os veículos de mídia façam um trabalho baseado na ética, mostrando também o lado positivo da cultura funk, principalmente o trabalho das mulheres que são massacradas pela mídia conservadora, pois assim iremos construir uma imagem positiva do protagonismo das mulheres do funk para além dos problemas sociais que essas jovens encaram com dignidade, mostrando que nós funkeiras somos muito maior que qualquer estereótipo negativo.

*Renata Prado é pedagoga e pesquisadora da cultura funk e relações étnico raciais formada pela Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade Federal de São Paulo (EFLCH – UNIFESP), dançarina, coreógrafa e professora de funk, idealizadora e articuladora nacional da Frente Nacional de Mulheres no Funk e do projeto Academia do Funk, e ativista da organização política Coalizão Negra Por Direitos.

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