Vandalismo no protesto pelo passe livre? Eu vi e fui vítima!

Vandalismo no protesto pelo passe livre? Eu vi e fui vítima!

Um relato sobre o histórico 13 de junho de 2013. "Três coisas ficaram claras para mim nesse protesto: a falência do Estado; a falência da grande mídia; e o poder popular"

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Só no quarto ato organizado pelo Movimento Passe Livre eu decidi ir para as ruas protestar também pela liberação das catracas no transporte público. Cheguei antes das 17hs, quando começaria a manifestação. Na lan house onde estava, funcionários discutiam se baixavam as portas para se proteger da violência dos “vândalos”. Tentei argumentar que o ato era pacífico, mas não quiseram desdenharam da minha opinião. Horas depois, acho que ficou claro para boa parte da população paulistana quem são os vândalos de verdade.

Em frente ao Theatro Municipal, onde encontrei meu primo e uma amiga (de quem me perdi depois), havia crianças, idosos e jovens, muitos jovens, sacudindo bandeiras, faixas e flores. Muitos estudantes, sim, mas muitos trabalhadores que saíam do serviço se uniam à multidão também. Saímos pela Barão de Itapetininga e pela Praça da República, onde policiais e guardas municipais acompanhavam a multidão entoar coros, como “Vem pra rua, vem” e “Sem violência”.

Encontrei conhecidos do Grajaú e de outras correrias nas quebradas. Moradores saiam nas sacadas de seus apartamentos, funcionários se debruçavam nas janelas de edifícios comerciais, motoristas de ônibus e até pessoas dentro de seus carros parados no congestionamento demonstravam apoio à manifestação. Fiquei emocionado. De onde eu estava, não conseguia ver onde começava nem onde terminava o mar de gente. Parece que, finalmente, estamos acordando. Diferente do que a grande mídia mostrou nos últimos atos, não havia qualquer sinal de vandalismo.

Observados por cima por Datenas, Marcelos Rezendes e pela própria polícia, que sobrevoava a multidão lançando feixes de luz de seu helicóptero, seguimos pela Ipiranga até a rua da Consolação. Quando chegamos ao cruzamento com a rua Maria Antonia, começou a correria. Olhei pra trás e vi alguns policiais da Tropa de Choque se posicionando no outro lado da via. Apesar da multidão cantar “Sem violência” e alguns manifestantes se ajoelharem em frente aos militares com flores nas mãos, demonstrando que ninguém estava ali pra vandalizar, os policiais dispararam granadas e bombas de gás lacrimogêneo. Com o rosto ardendo, fomos socorridos por outras pessoas que carregavam vinagre.

Manifestantes corriam enquanto outros pediam para todos permanecerem juntos e evitar a dispersão. A massa se fragmentou. Uma parcela subiu a Consolação (entre eles, minha amiga) e nós seguimos em meio aos carros pela Caio Prado, até chegar à Augusta. Subindo em direção à Paulista, a tropa de choque vinha de encontro a nós. Entramos na rua Dona Antonia de Queiros e subimos a Bela Cintra. Mas não havia saída. A Consolação e a Paulista estavam bloqueadas e eles já estavam na Augusta. A multidão estava cada vez mais dispersa. Entramos na rua Antonio Carlos. A essa altura, nosso grupo devia ter umas 200 pessoas. E enquanto fugíamos dos policiais vindos de trás, fomos surpreendidos por outros que estavam à frente.


Encurralados entre as ruas Haddock Lobo e a Augusta, não tínhamos para onde correr. As pessoas se espremiam nas grades e muros para tentar se proteger e, na confusão, pessoas caítam no chão e meu primo quase foi pisoteado. O pânico estava instaurado. Os policiais continuavam lançando bombas de efeito moral (?). Não dava pra respirar e a vontade era de vomitar. Corremos pra Augusta e aí sim vi os primeiros manifestantes jogarem sacos de lixo na rua, mas para “conter os vândalos” da polícia, que aceleravam com suas viaturas em nossa direção. Fomos para a Matias Aires e novamente ficamos encurralados. De repente, um morador abriu o portão de casa e deixou umas 20 pessoas entrarem para se proteger. Ficamos lá por uns dez minutos.

Com medo de que a polícia invadisse o imóvel, saímos e fomos embora. Nas ruas, vi as cenas escolhidas pela grande mídia para mostrar ao público: sujeira e sacos de lixo incendiados. Mas posso afirmar, com segurança, que tudo isso foi necessário para evitar o avanço da PM.

Não fui lá como jornalista, mas como cidadão em busca de direitos. No calor do momento, porém, tirei fotos que mostram principalmente os momentos antes da ação dos policiais, já que depois só deu tempo para correr. Vou postar uns vídeos também, que apesar de estarem sem som dá para perceber o caos instaurado pelos agentes de repressão.

Confesso: fiquei com medo. Já precisei ficar em casa por toque de recolher decretado pela polícia e tive um amigo inocente assassinado pela PM. Aqui na quebrada isso é bem comum de acontecer. Mas talvez eu subestimasse a capacidade do Estado de se superar e atacar manifestantes em um protesto democrático e pacífico no centro da maior cidade do Hemisfério Sul. Se houve vandalismo nesse protesto, ele partiu de cima.

E aqui na quebrada, isso já faz parte do nosso dia a dia. A violência do Estado acontece diariamente na saúde precária, no sistema de ensino falido, nas moradias sem dignidade, nas viagens apertadas do caro transporte coletivo que levam de duas a três horas e pela falta de opções de lazer, cultura e esportes. E, claro, para combater a violência que é resultado dessas violações de direitos, o Estado responde com mais violência. Os antepassados da polícia são os capitães do mato – gente pobre que saía a mando dos senhores de engenho para capturar escravos fugidos. O que vimos e vivemos ontem no centro acontece todos os dias na periferia, de formas e intensidades diferentes mas com o mesmo objetivo: manter o povo separado das elites.

Três coisas ficaram claras para mim nesse protesto:

  • A falência do Estado: tanto o governador quanto o prefeito se mostraram avessos a qualquer negociação. No caso do Haddad, que teve meu voto e simpatia até o início do governo (fiquei surpreso quando ele subiu no trio elétrico para negociar com o movimento por moradia, meses atrás), uma grande decepção. Não que eu esperasse que ele fosse promover grandes mudanças na cidade, mas seu silêncio diz muito. Do Alckmin, já não esperava nada. Ou melhor, deu a resposta que geralmente dá em momentos assim: chumbo na gente. Foi assim no Pinheirinho, foi assim no genocídio da população pobre e periférica e foi assim ontem.
  • A falência da grande mídia: Estadão e Folha pediram rigidez das autoridades e provaram do próprio veneno. Vi jornalistas escondidos em loja de conveniência e funcionários da Globo sendo hostilizados por manifestantes, que sabem que essa imprensa não representa o povo. Por seu lado, essas empresas demonstraram claramente de que lado estão. Quem não percebia antes, agora enxerga isso sem dúvida alguma. Como jornalista que sou, a reação da mídia serviu para reforçar o tipo de jornalismo que eu quero fazer, que é diferente do deles, voltado para manutenção do status quo.
  • O poder popular: ficou provado que, quando o povo se une em torno de uma causa, isso tem algum efeito. Não acredito que a tarifa vá baixar hoje, mas o protesto de ontem serviu para mostrar que, quando a população se une, ela consegue incomodar. E incomodamos.

Mas tudo isso por vinte centavos? Veja bem. Mais de 30 milhões de brasileiros deixam de usar o transporte coletivo porque não têm como pagar. Em São Paulo, as pessoas gastam quase R$ 400 por mês para ir e voltar para casa. Isso dá mais da metade do salário mínimo. Apenas esse cálculo já justifica ir para as ruas.

O movimento vai além disso. Não se discute apenas o peso das tarifas no orçamento. Me uni ao protesto porque acredito que temos direito à cidade e a desfrutar do que ela nos pode oferecer. Colocar catracas é instituir barreiras para deixar uma parcela da população de fora. Já basta sermos empurrados cada vez mais para as bordas da cidade, onde a única mão do Estado que chega é aquela do homem fardado batendo na nossa cara.

Veja bem. No Egito, a Primavera Árabe teve origem em protestos por conta de um jogo de futebol. Na Turquia, manifestantes foram às ruas para impedir o fechamento da praça Taksim, que daria lugar a um shopping center. No Brasil, o movimento se espalhou por outras cidades e tende a crescer ainda mais. A luta contra o aumento da tarifa é só o começo.

Temos que parar de reclamar no Facebook e ir para as ruas. Ainda mais agora, com a possibilidade de uma lei que pode tipificar manifestações como a de ontem como terrorismo. Leia aqui: http://oglobo.globo.com/pais/votacao-de-lei-sobre-terrorismo-fica-para-dia-27-com-impasse-sobre-inclusao-de-movimentos-sociais-8679479

Segunda-feira tem de novo: https://www.facebook.com/events/388686977904556/?fref=ts. Portanto, programe-se e “vem pra rua, vem!”, porque o próximo ato vai ser maior ainda.

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