Por Júlio Cezar de Andrade*, co-vereador da mandata coletiva Quilombo Periférico. Foto em destaque: Crianças em bloco de carnaval no Jardim São Luíz / crédito Pedro Salvador
O racismo é uma das opressões presentes nas relações sociais, políticas, econômicas do nosso País e manifesta-se pela hierarquização de uma raça sobre a outra, discriminação étnico-racial e preconceito, afetando as várias etapas e dimensões da vida. No caso de infâncias, adolescências e juventudes, o racismo afeta as dimensões dessa fase de desenvolvimento expresso na ausência de cuidados nos espaços educacionais, na negação da identidade generalizando infâncias e adolescências nos padrões da branquitude, desde os currículos, canções a atividades e na questão material objetiva da pobreza e na desigualdade social.
Partindo desta análise, entendemos que a maior violação dos direitos humanos contra crianças e adolescentes se dá pela ausência de trabalho e renda de seus pais e responsáveis, o que impacta na insegurança alimentar e nutricional majoritariamente para a população negra e periférica. De acordo com o Centro de Recuperação e Educação Nutricional – CREN, da população brasileira 43,4 milhões de brasileiros não tinham alimentos em quantidade suficiente e 19 milhões passavam fome, durante a pandemia da COVID-19, ainda no ano de 2020.
Uma outra dimensão perversa do racismo na infância e adolescência é a naturalização dos corpos de nossas meninas, meninos, pretinhas e pretinhos em situação e trabalho infantil, de rua, em serviços de acolhimento institucional e a retórica do discurso “ é melhor trabalhando do que na rua”.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD Contínua apresenta que, entre 2017 e 2019, mais de 1,7 milhão de crianças e adolescentes estavam em situação de trabalho infantil; destas, 377 mil tinham entre 5 a 13 anos de idade, 442 mil entre 14 e 15 e outras 950 mil entre 16 e 17 anos. No recorte por raça e cor, 66,1% dessas crianças são pretas ou pardas, enquanto a crianças e adolescentes não pretos expressam 32,8%.
Referente à dimensão de gênero, adolescentes do sexo masculino são maioria e representam 66%, enquanto as adolescentes se configuram em 33,6%. No entanto, quando observamos as tarefas domésticas, as opressões de gênero se repetem contra as adolescentes que ficam inseridas na divisão social e sexual do trabalho doméstico, com forte invisibilidade do direito à participação em atividades de contraturno escolar na adolescência e da vida comunitária.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, houve um aumento da institucionalização de crianças e adolescentes, alcançando um total de 14.474. A maioria, 58,4%, são pretas e pardas.
De acordo com o Instituto AMMA Psique e Negritude (2008), os efeitos psicossociais do racismo afetam a vida de toda população. O racismo adoece:
Rever a história do Brasil de um ponto de vista não racista e não sexista talvez seja trabalho para gerações inteiras. Mas a largada já foi dada e seus pilotos são, principalmente, sociólogos, antropólogos, educadores, psicólogos, negros ou brancos comprometidos com a tarefa de passar a limpo os conteúdos da nossa história. (AMMA,2008 p.24)
Esses significados sociais, as crenças, atitudes e ações em relação aos grupos étnico-raciais, em especial a população de pretos e pardos, têm se traduzido e expresso nas várias manifestações da vida das infâncias e das adolescências. Os efeitos psicológicos como consequências da violência do racismo podem se apresentar de diversas formas – e o Conselho Tutelar atende em seu cotidiano muitos desafios.
No dia 13 de julho de 2023, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) comemora 33 anos de existência, ainda com desafios na implantação de políticas públicas e de fortalecimento do sistema de garantia de direitos, como a ausência de diagnóstico preciso sobre a violação de direitos, estrutura e remuneração dos Conselhos Tutelares, bem como o enfrentamento às múltiplas expressões da questão social e as opressões estruturais da sociabilidade, o racismo, a opressão de gênero, a LGBTQIAP+fobia, o capacitismo e a desigualdade social e econômica na vida das infâncias, adolescências e juventudes e de suas famílias, principalmente nos territórios periféricos da cidade.
Atualmente, a cidade de São Paulo é composta com 52 unidades do Conselho Tutelar, um total de 260 conselheiras e conselheiros tutelares, que colocam sua vida a serviço da defesa intransigente dos direitos humanos, com desafios que vão desde a ausência efetiva de políticas resultante da emenda constitucional 95 (que congelou por 20 anos o investimento das políticas públicas), e avanço no processo de precarização, terceirização e sucateamento que de maneira expressa acontece no órgão – que vão desde as ausências de insumos até de estruturas mínimas para atendimento em conformidade com as resoluções do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda.
Assim como a sociabilidade, o Conselho Tutelar não é uma bolha isolada, mas parte significativa de setores conservadores e fundamentalistas religiosos vem dando a direção política e descaracterizando o órgão de sua essência política, comunitária e coletiva, tornando-o um espaço de disputa ideológica de projetos societários. De um lado, grupos populares; de outro, setores fundamentalistas religiosos. Quem acaba sentindo na pele os efeitos dessa conta são as nossas infâncias da cidade, que irão sofrem a manutenção de um atendimento que reproduz a criminalização da pobreza, a institucionalização em massa, a naturalização do racismo e da LGBTQIAP+fobia.
Existe um caminho a ser trilhado a partir do próximo pleito, que ocorrerá no próximo dia 1 de outubro de 2023: as candidaturas fortalecidas pelos movimentos sociais, movimento negro e pelos fóruns regionais da criança e do adolescente nos territórios da cidade com a presença maciça de mulheres pretas, corpos LGBTQIAP+ e pessoas com trabalho histórico no atendimento de nossas infâncias, que talvez possam oxigenar o cenário e manter a importância do órgão colegiado defensor de direitos humanos comprometido com a infância, com os territórios periféricos e a população negra.
A mandata coletiva da vereadora Elaine do Quilombo Periférico, desde o início dessa legislatura, vem atuando na Comissão Extraordinária dos Direitos da Criança e do Adolescente, e apontando as condições de estrutura, contratos e licitações do Conselho Tutelar. Além disso, somos coautores e atuantes do grupo de trabalho da Lei 17.923/23, que institui a Política Municipal de Atenção Integral à Crianças e Adolescentes em Situação de Rua e na Rua, e dá outras providências.
*Júlio Cezar de Andrade é morador de Guaianases, zona Leste, e co-vereador pela mandata coletiva Quilombo Periférico (PSOL) em São Paulo. É assistente social, pós-graduado em direito da criança e do adolescente e mestre em Serviço Social. Colaborou com a fundação e articulação de núcleos de base da UNEafro Brasil entre 2009 e 2012. Foi conselheiro tutelar na região do Lajeado de 2011 a 2016. Atuou como educador social em serviços de acolhimento e abordagem de rua e atualmente coordena um serviço de convivência e fortalecimento da criança e do adolescente. Babalorixá da casa Ile Aye Dun.
Colaboração, Pedro Salvador
1 Comentário
Gosto muito da atuação dos parlamentares desse partido. Foi por esse e outros motivos que me filiei e me mantenho filiado ao PSOL. Estou agradecido com a atuação desse partido, que é o meu partido, em todas as áreas que tem atuado. Quero muito mais: quero uma eleição poderosa para os municípios e que possamos eleger alguns prefeitos em vários municípios de nosso país.