Crise climática afeta produção de alimentos orgânicos na zona rural de São Paulo

Crise climática afeta produção de alimentos orgânicos na zona rural de São Paulo

Chuvas em excesso e ondas de frio e calor demandam adaptações de famílias agricultoras, que pedem apoio do poder público para manter cultivo

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Nem tudo que se planta, dá. É o caso do coentro de Antonio Camargo Leme Filho, o Toninho. O agricultor cultiva o alimento em um canteiro no sítio Plenitude, que fica no bairro de Chácara Santo Amaro (distrito de Parelheiros, Extremo Sul de São Paulo). Mas o vegetal não nasce ou, quando brota, logo some na terra.

Muito utilizado como tempero, o coentro é uma planta muito vulnerável às condições climáticas, e não é única que está sofrendo com a desregulação das chuvas e da temperatura.

“A gente perde 30% das mercadorias”, diz o produtor de 52 anos, que desde 2021 também cultiva alface, couve, almeirão e salsinha. “Se tivéssemos condições, plantaríamos em estufas e, se tivéssemos um local de refrigeração, não perdíamos tanto alimento”, explica Toninho. 

Toninho (de pé) em produção no sítio Plenitude (foto: arquivo pessoal)

Com 12 hectares de extensão, metade deles com mata nativa preservada e 2 nascentes de água no terreno, o sítio Plenitude abriga a produção orgânica de 9 pessoas, incluindo Toninho. Por mês, o grupo cultiva 2 toneladas de alimentos, entre frutas, legumes e verduras, mas poderia ser melhor.

Segundo ele, atualmente a Subprefeitura de Parelheiros apoia com o fornecimento de insumos para produzir alimentos orgânicos e com o acompanhamento de um agrônomo. O acesso a equipamentos ainda é difícil – a administração, inclusive, está sem o trator que era emprestado para cortar a terra e deixá-la pronta para o plantio.

“Estou fazendo o possível, plantando árvores e cuidando das nascentes”, completa Toninho. “Sou um agricultor de pouco estudo, mas não preciso de estudo pra saber o que está acontecendo no mundo em geral”.

O que está acontecendo é a crise climática, com efeitos diversos em diferentes partes do mundo – do calor extremo na Índia às chuvas torrenciais no Rio Grande do Sul.

Aqui na cidade de São Paulo, com a recente onda de calor sentida em maio, o Centro de Gerenciamento de Emergências Climáticas da Prefeitura registrou a maior temperatura máxima para o mês desde o início da série histórica, em 2004. A cidade registrou 32,4º C entre os dias 4 e 5.

Por outro lado, ao longo das décadas a cidade deixou de ser a “terra da garoa” para se tornar a “terra das tempestades”. O padrão mudou. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a frequência de dias com chuvas extremas tem aumentado.

Entre 1960 e 1990, cada ano registrava em média 108 dias com chuvas acima de 50 mm; 13 dias com mais de 80 mm; somente três com mais de 100 mm. Entre 1991 a 2020, foram 152 dias com chuva acima de 50 mm; 34 com mais de 80 mm; 11 com 100 mm ou mais.

Ondas de prejuízo

Juarez Andrade Sales, 71, sente o impacto dos eventos extremos no dia a dia. “Veio essa chuvarada, o frio, a mudança, então fica muito difícil trabalhar (…) O clima chega a queimar as plantas. De uns 3 meses pra trás é só perda, só no vermelho”, conta.

Há 9 anos, Juarez cultiva legumes, verduras, hortaliças e plantas alimentícias não convencionais (PANCs) na chácara Maravilha de Deus, em Marsilac (Extremo Sul paulistano). Por mês, ele vende em média R$ 3 mil em mercadorias distribuídas em feiras, por grupos de whatsapp ou por meio da Cooperapas (Cooperativa Agroecológica dos Produtores Rurais e de Água Limpa da Região Sul de São Paulo).

Mas ele tem acumulado perdas. “A gente tá procurando de adaptar, mas o problema maior é financeiro porque tudo é muito caro”, diz Juarez.

Recentemente, ele foi contemplado pelo Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) da Prefeitura paulistana, que seleciona e remunera propriedades rurais em áreas de proteção de mananciais, especialmente na zona Sul da cidade. Agora, aguarda receber R$ 30 mil para construir 2 estufas e, assim, amenizar os prejuízos.

Juarez em produção na chácara Maravilha de Deus (foto: arquivo pessoal)

Outro benefício municipal ao agricultor é a participação do Programa Operação Trabalho – POT Agricultura. A chácara de Juarez conta com um trabalhador, que recebe um salário mínimo da Prefeitura para auxiliar a produção.

O POT Agricultura integra centenas de pessoas desempregadas de baixa renda ao mercado de trabalho por meio da formação de agentes de produção agroecológica para apoiar a implantação de projetos estruturados em locais de agricultura.

Procurada pela reportagem da Periferia em Movimento, a Prefeitura de São Paulo cita ainda que o programa Sampa+Rural, coordenado pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho (SMDET), atende mais de 500 locais de agricultura no município com objetivo de melhorar a qualidade e a produtividade.

Em relação às variações de temperatura, a equipe orienta a cobertura do solo para proteger áreas de cultivo em chuvas fortes e para controle térmico do solo; a promoção de cultivo protegido, com sombrite, estufas e outras técnicas;a  recuperação e remineralização do solo, com análises de fertilidade e de insumos minerais necessários para melhoria da saúde dos cultivos.

Segundo a Prefeitura, em janeiro de 2024 o programa adquiriu cerca de  20 mil mudas nativas e exóticas para serem distribuídas aos agricultores atendidos em toda a cidade, como parte do serviço de assistência técnica e extensão rural.

Além disso, uma das medidas é o decreto assinado por Ricardo Nunes (MDB) neste ano declara 32 áreas verdes particulares como utilidade pública e, ao fim das desapropriações, deve ampliar a área de proteção de 15% para 26% do território do município.

Práticas tradicionais

As alterações no clima também afetam famílias da Terra Indígena Tenondé Porã, que também fica localizada no Extremo Sul de São Paulo, além de municípios vizinhos.

Com mais de 2 mil habitantes espalhados em 14 aldeias, o território guarani mbya foi reconhecido como “ancestral” Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e, desde então, passa por um processo de retomada. Isso inclui o resgate do cultivo de alimentos da cultura guarani, como batata doce, milho e abóbora, por exemplo.

Algumas pessoas das aldeias também recebem bolsa da Prefeitura por meio do POT Agricultura, com objetivo de plantar e recuperar árvores frutíferas, além de disponibilizar sementes e ervas nativas.

Apesar dos bons resultados, ainda não são suficientes para abastecer todas as comunidades.

“Aqui na aldeia não sabemos exatamente o que fazer para amenizar isso. Estamos tentando fazer o possível para não perder praticamente o tudo que conseguimos”, explica Para Mbya, de 34 anos. Ela mora na aldeia Kuaray Oua, onde vivem 9 famílias. 

“O clima é uma preocupação tanto para nós quanto para o mundo inteiro, sabe? Para nós, indígenas, é muito ruim porque o mundo tá aquecendo de uma forma mais rápida”, completa Para.

A retomada das áreas inclui técnicas ancestrais e contemporâneas. Uma delas é a agrofloresta, sistema de produção que imita a natureza e cultiva diferentes espécies no mesmo solo ao mesmo tempo, garantindo a cobertura vegetal e a recuperação da terra.

José Wilker com ferramenta na mão em atividade no assentamento do MST em Cajamar (foto: arquivo pessoal)

Essa também é uma aposta da comuna da terra Dom Pedro Casaldáliga, assentamento ligado ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) que fica em Cajamar, na região metropolitana de São Paulo. Em todo o Brasil, o MST estimula a produção agroecológica e tem como meta plantar 100 milhões de árvores.

Os primeiros resultados já começam a aparecer na comunidade de Cajamar, onde o plantio começou no ano passado: uma mina de água que havia secado voltou a jorrar. A expectativa é se o fluxo vai continuar com a chegada do inverno, geralmente seco e frio.

“A natureza tem seu equilíbrio. Então, se ela entender que tem plantas ali que necessitam de água, ela vai fazer fluir a água debaixo do solo, ajudando essas plantas a revigorar”, nota José Wilker dos Santos Teles, 32, técnico agrícola e morador do assentamento.

“Mesmo com falta de sombra e um excesso de sol, as nossas plantas da agrofloresta conseguiram se manter verdes, nutridas, não amarelaram. Então, a gente viu o quanto era importante manter a natureza em seu equilíbrio com a diversidade”.

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