Existe vida nas chamadas “cracolândias”

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Patrícia não é zumbi. Nem morta-viva.

A adolescente de 16 anos fuma crack desde os 12, quando começou a fumar com o então namorado.

Apesar de morar com a mãe e mais cinco irmãos no Parque Novo Mundo, periferia norte de São Paulo, ela passa a maior parte do tempo nas ruas com outros dependentes.

Patrícia já fez programas para manter o vício e, em maio de 2013, se internou no Hospital Lacan, em São Bernardo do Campo (SP), onde o governo do Estado de São Paulo mantém 30 leitos públicos para tratamento de dependência.

Na internação, ela descobriu que estava grávida e fugiu 20 dias depois de reclusão.

Voltou para as ruas, onde fumava até 30 pedras de crack por dia.

Mas em dezembro, com oito meses de gravidez, Patrícia buscou ajuda novamente: ela foi encaminhada ao Hospital Leonor Mendes de Barros, onde deu à luz o menino Neymar.

Localizado no Belenzinho (zona leste de São Paulo), o hospital é referência no atendimento a gestantes dependentes de crack. Entre 2010 e 2014, o número de dependentes grávidas atendidas na maternidade saltou de seis para 89.

“Vou dar muito carinho e amor para ele”, disse ela ao Periferia em Movimento, antes de receber alta e voltar para a rua sem o bebê no colo.

O caso de Patrícia ilustra a complexidade do tema em uma época em que se busca simplificar tudo isso. Apesar de o governo federal manter 50 leitos para mães acompanhadas dos filhos em comunidades terapêuticas, a questão vai além da internação.

Quando se fala em pontos de consumo de crack e outras drogas – as chamadas “cracolândias” – , muitas vezes a ideia que se vêm à mente é de gente sem autocontrole e que precisa receber tutela do estado, mesmo contra sua própria vontade.

“Esses corpos que perambulam como imaginamos têm relações de afeto, circulam por outros lugares, têm outras vidas além dessa”, diz Paulo César Silva, assistente social no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) infantil da Capela do Socorro (extremo sul de São Paulo), o único existente para atender a uma população de 700 mil pessoas. “As pessoas se cuidam, se tocam, se olham no mesmo lugar onde usam crack”, continua.

Paulo denuncia que, em Parelheiros, existem 16 casas de recuperação e comunidades terapêuticas funcionando irregularmente – inclusive com casos de violência.

Ao mesmo tempo, no entorno do passa-rápido Rio Bonito (entre as avenidas Senador Teotônio Vilela e Atlântica) circulam em média 60 usuários e dependentes por dia.

“Tem inclusive uma mãe que está em situação de rua e drogadição há muito tempo, que tem seu ‘companheiro de rua’ também, mas que aos domingos seu marido [oficia] traz as crianças para vê-la”, aponta Paulo, que desenvolve com o CAPS Capela do Socorro um trabalho de abordagem desses frequentadores.

Vínculo

Para o psicanalista Jorge Broide, professor do curso de psicologia da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP), o desafio dos agentes sociais é notar o que mantém um sujeito amarrado à vida.

“O que mantém um sujeito amarrado à vida? Muitas vezes não é a família, mas pode ser o cachorro”, diz Broide.

O que “amarra” Cristiane Aparecida Vernizzi, 41, é seu filho – atualmente com 20 anos.

Há cinco anos, após duas décadas de vício, ela decidiu abandonar o crack. Foi internada em uma clínica em Sorocaba (SP), passou um ano longe da droga, mas teve uma recaída.

Desde então, ela busca parar novamente com apoio do projeto Retorno, iniciativa da Igreja do Evangelho Quadrangular no centro de São Paulo.

Criado em 2007 por um casal de pastores, o projeto pretende recuperar usuários de crack a partir de uma relação de confiança, com a oferta de comida, roupas e cobertores doados, encaminhamentos para empregos e retirada de documentos.

Em 2011, 6 mil pessoas foram atendidas. Por dia, 70 almoços são servidos em um salão emprestado na rua Apa, próxima ao Minhocão, no centro de São Paulo.

Quem ajuda a servir essas refeições é Alexandre Luís da Silva, 29 anos, garoto de programa que conheceu o projeto Retorno há sete anos.

Usuário de crack desde os 12 anos de idade, ele tenta diminuir o uso do crack e criou laços com os pastores evangélicos.

“Eles me ajudam nas minhas maiores necessidades, me dando força e energia”, diz Alexandre. “São minha segunda família”.

Foto: Cristiane Aparecida Vernizzi em frente ao local de atendimento do Projeto Retorno, próximo ao Minhocão (/Periferia em Movimento)

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