Tempo de reconciliação? Psicóloga questiona como perdoar em uma realidade em que “falta comida na mesa”

Tempo de reconciliação? Psicóloga questiona como perdoar em uma realidade em que “falta comida na mesa”

As contas, os rancores e as lembranças não irão desaparecer em um passe de mágica, já que vivências difíceis não têm soluções fáceis. Entenda na entrevista com Ester Maria Horta

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Por Julia Vitória. Edição de texto: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano (com foto de divulgação)

Apresentação da versão podcast: Aline Rodrigues. Edição de áudio: Paulo Cruz

Um sentimento em particular é despertado nesta época do ano. Dezembro chega trazendo sentimentos de reavaliar nossas decisões e medir nossas conquistas, de relembrar as pessoas que passaram por nosso caminho e os laços que criamos.

No entanto, como podemos lidar com as frustrações e metas não alcançadas quando realizamos essa prática de comparação? E como perdoar a si e a outras pessoas em um cenário de constante crise e violações de direitos?

Um ponto de partida indicado pela psicóloga Ester Maria Horta é analisar de onde vem essa frustração. “Essa expectativa foi medida por qual régua? Qual parâmetro?”, questiona ela, que é especialista em Neuropsicologia pela Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas e fundadora da Baobá Neuropsicologia, junto de Marcela Silva. Siga Ester no instagram aqui.

Um segundo passo importante que Ester ressalta para garantir a saúde mental neste momento é não individualizar os “fracassos”, mas sim considerar toda a estrutura que vivemos e que nos atravessa no dia a dia.

“Nesse final de ano é importante a gente sempre pensar nos atravessamentos. A gente vive numa sociedade capitalista, neoliberal, onde o foco está na produção, na acumulação de bens materiais, e os processos de saúde mental acabam sendo capitalizados”

O ano ainda marcado pela pandemia de covid-19 teve como fruto da crise sanitária uma hecatombe econômica, com inflação de mais de 9% dos alimentos e bebidas e mais de 33 milhões de pessoas em situação de fome no Brasil. Por isso, é necessário considerar o todo na hora de medir as próprias conquistas.

“É preciso ter moradia para se ter saúde mental. É preciso estar com os direitos básicos garantidos para população negra, trans, LGBTQIA+, pessoas com deficiência… Somos atravessados por coisas básicas, como não poder ter determinado prato ou bebida na mesa. São necessidades mínimas que não foram garantidas”, continua Ester.

Ouça também a conversa em áudio:

Quando dá pra perdoar?

As contas, os rancores e as lembranças não irão desaparecer em um passe de mágica, visto que vivências difíceis não têm soluções fáceis. Para a especialista, a indicação para “perdoar”, nesse momento, deve vir seguida de alguns pontos: o primeiro deles é que faça sentido.

“É preciso entender a postura daquela pessoa que fez algo contra você, pensando o’nde eu tenho parte nisso?’. Mas também quando a gente fala: ‘eu vou olhar daqui para frente e vamos passar uma borracha’, também não pode. Eu acho que é preciso que essas partes tenham comprometimento de entender aquilo que aconteceu e qual vai ser o compromisso para seguir com essa relação. Mas muitas vezes esse diálogo com a outra parte não é possível e precisamos fazer essa elaboração sozinhos”, explica Ester (foto ao lado).

Em nosso cérebro, é a região do córtex frontal que envolve esse planejamento de solução de problemas, aspectos de memória e aspectos afetivos. São as regiões temporais do cérebro. “Somos um organismo só e isso tem impactos. Uma questão não resolvida gera estresse, dores no estômago, por exemplo. Todas essas emoções são neurotransmissores e partes deles também são sintetizadas no nosso trato digestório, por exemplo.”

Para continuar esse processo de digerir as situações complicadas, é fundamental também ter uma rede de apoio, explica a especialista. Com disponibilidade entre as duas partes e abertura para algo mais profundo. “O quanto essas relações não são atravessadas pela transfobia, pelo machismo? Quantas pessoas LGBT, nesse momento de final de ano, não vão passar com a sua família porque tiveram que sair de casa por conta de um atravessamento transfóbico?”, questiona novamente Ester.

Praticar o perdão e o autoperdão é um processo doloroso que envolve reflexão. Para isso, a especialista explica que o aquilombamento, pela construção de escuta e espaços seguros, é o caminho seguro para a reconciliação e o balanço pessoal do ano.

“A gente tem que mergulhar nessa experiência, e não é um processo tão fácil de se fazer sozinho. Então, esse apoio coletivo, de espaços seguros, pode ser um guia também para revisitar e entender os atravessamentos. As perdas e os conflitos são um processo de luto que leva um tempo, mas de novo a gente vai vendo a importância dessa organização coletiva do suporte da rede de apoio, porque também individualizar a questão é a gente cair numa lógica neoliberal”.

Ester é também fundadora e colaboradora de outros projetos e coletivos como o NANI-Unifesp (Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar); membra do conselho da Associação Aliança Pró Saúde da População Negra e da coordenação do núcleo de São Paulo da ANPSINEP – Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadores; além de co-fundadora do coletivo Movimento Afro vegano (São Paulo-SP).  Para conhecer mais sobre o trabalho de Ester na Baobá Neuropsicologia, acompanhe pelas redes: @baobaneuropsicologia.

Esta reportagem tem o apoio do Instituto SulAmérica e faz parte da campanha #BemAmarelo, uma mobilização social pelo cuidado da saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio em todos os meses do ano. Faça aqui o teste sobre on-line desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Dependendo do resultado, você pode ter acesso a serviços gratuitos por 6 meses

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