Fotos Jaime Leme, Thiago Borges e Divulgação
Taco, bicicleta, carrinho de rolemã, narguilê, pancadão, lavar o carro no sábado, jogar conversa fora na calçada… Nas periferias, a rua é ponto de convivência. E, não por acaso, é ambiente de afirmação de luta dos artistas periféricos.
Não por acaso uma das principais rodas de samba da cidade homenageia o espaço público. Criado em 2005 por um grupo de amigos do Grajaú, Extremo Sul de São Paulo, o Pagode da 27 acontece no logradouro de mesmo nome: a “Rua 27”, outrora considerada das mais violentas da cidade.
“A gente sempre se reunia aos domingos em um boteco ou na casa de alguém para fazer um samba, compor e tocar músicas inéditas”, lembra Jefferson Santiago, compositor e percusionista do Pagode da 27. “Na época, já tinha o Samba da Vela [na Casa de Cultura Santo Amaro] e outras comunidades de samba forte. Por isso, pensamos em fazer algo parecido na nossa região”.
A roda de samba começou tímida, na calçada, para não atrapalhar o tráfego. Mas o movimento aumentou. Fãs cruzam a cidade e vêm até de Embu as Artes, enquanto moradores da 27 aproveitam para vender pastel e cerveja aos domingos – quando o pagode recebe, em média, 300 pessoas.
No próximo domingo, 31 de agosto, o Pagode da 27 completa nove anos e tem uma programação especial a partir das 14h. Mais de 3 mil pessoas são esperadas na rua mais famosa do Extremo Sul.
O trabalho não é remunerado. Mas, graças ao reconhecimento do público, oportunidades profissionais surgiram para os 11 integrantes do grupo, que hoje vivem exclusivamente da música. Porém, para manter o projeto de pé, aos finais de semana eles recebem o reforço de pelo menos 30 voluntários – entre produtores, técnicos de som, etc.
Hoje, além de revelar novos compositores, o Pagode da 27 também atrai e “abastece” o repertório de sambistas renomados como Leci Brandão e Jorginho da Cuíca.
Os fundadores da roda de samba buscam amenizar as dificuldades sociais do Grajaú com arrecadação de alimentos para instituições locais. O principal problema da rua 27 – a violência – não estava na “pauta” do grupo, mas diminui à medida em que o espaço é ocupado e ressignificado.
“Muitos moradores do próprio bairro não iam à 27 por isso. Mas depois que começamos o samba, esse histórico ficou para trás”, completa Santiago. “É uma vitória essa mudança de visão da rua, que hoje é tida como espaço cultural. Virou rua de lazer”.
A música também é ferramenta de outro projeto no Grajaú: o Café com Bolachas, que busca valorizar a música brasileira e a cultura do DJ. A iniciativa nasceu em 2009, quando os quatro integrantes do grupo decidiram ampliar o acesso aos discos de vinil que cresceram ouvindo por influência dos pais.
“A gente quis reaproveitar tudo isso e fazer o Café com Bolachas para resgatar essa essência do disco de vinil, o sentimento que o cantor coloca na música, e de uma forma aconchegante: servindo café, promovendo uma prosa entre os vizinhos…”, conta Jhonathan Alves de Souza.
Enquanto toma um cafezinho sob uma tenda montada na rua, o público pode escolher um vinil pendurado em um varal, pedir para o DJ tocar e até dedicar a faixa a alguém. “Fazer o Café com Bolachas na rua foi uma forma de chegar a pessoas que não entrariam num CEU para participar”, diz Jhonathan. De Tim Maia a João Gilberto, o projeto tem um acervo com mais de 160 bolachões.
A prosa com os moradores está mais que presente no trabalho da Cia Humbalada de Teatro: é parte fundamental do processo criativo.
Criado há nove anos, o grupo teatral se inspira no ambiente e, principalmente, nas pessoas que o compõem para fazer seus espetáculos. “O território é nosso eixo de criação. Não defendemos a ideia de gueto, mas não podemos ignorar de onde partimos”, explica a atriz Tatiana Monte.
Excluído do teatro convencional, concentrada no centro da cidade e pouco acessível à maioria da população, o Humbalada desenvolveu a “estética marginal”, ou seja, à margem da sociedade, da cena teatral da cidade e da represa Billings.
Mas fazer teatro na rua é mais que uma questão estética. É fazer política. “Quando a gente escolhe fazer teatro nessa posição geográfica, a gente tem uma intenção sim de se falar sobre uma cidade que não se vê”, continua Tatiana.
E, na rua, os artistas-cidadãos desconstroem o misticismo que ainda existe sobre a figura do fazedor de cultura. “É quase um processo pedagógico com o público”, conta o ator Bruno César. “Estamos mostrando que as pessoas daqui também têm direito a consumir e produzir arte”.
Café com Bolachas, Humbalada e Pagode da 27 estão na programação da Virada Sustentável e Estéticas das Periferias no Extremo Sul. Confira!
Mutirão Cultural no Lago Azul
Quando? Sábado, 30 de agosto, a partir das 09h
Onde? Rua Falcão Negro, s/n – Lago Azul – Grajaú
O quê? Ocupação do espaço do Parque Linear Cantinho do Céu, conhecido como Lago Azul, com coletivos organizados do Grajaú.
Atrações:
9h às 20h – Bazar da troca e venda de sabonetes artesanais – Coletivo Transação
9h às 12h – Grupo Revolusom – Projeto Café com Bolachas; Piquenique; e oficina de grafite com o grupo O.C.A do Lago Azul
14h – Show do grupo de rap Expresso Perifa
16h – Cia Humbalada de Teatro – Espetáculo: “Tudo está organizado para que nada aconteça”
17h – Show do Expresso Perifa e convidados
20h – Show do grupo de rap Xemalami – Cultura Hip Hop e cultura do Xadrez
21h – Show do grupo Rap Enter e interações com mc’s
Pagode da 27 – Aniversário de Nove Anos
Quando? Domingo, 31 de agosto, a partir das 14hs.
Onde? Rua Manuel Guilherme dos Reis, 500 – Grajaú – Extremo Sul de São Paulo.
Informações? Clique aqui
Thiago Borges