Gás e combustível mais caros preocupam quem faz comida pra vender e depende de carro pra ganhar a vida

Gás e combustível mais caros preocupam quem faz comida pra vender e depende de carro pra ganhar a vida

Motoristas de aplicativo, pessoas autônomas e quem tem pequenos negócios de alimentação refazem os cálculos diante dos aumentos. O que tá por trás das novas altas? Entenda!

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O esforço de Angelândia Roseli, de 38 anos, tem sido cada vez maior por um retorno que só diminui. Junto da irmã, há 3 anos ela mantém uma pastelaria no Jardim Ingá (região do Campo Limpo, zona Sul de São Paulo). São 10 horas por dia na cozinha para dar conta de todo o serviço.

Porém, o novo aumento dos combustíveis anunciado na quarta-feira passada (9/3) pelo governo de Jair Bolsonaro gera preocupação na microempreendedora, que já tem de lidar com a inflação generalizada.

“Na alimentação, o impacto foi muito grande. O aumento de todos os produtos foi absurdo, desde a massa, a cana, a gordura vegetal, o queijo…… A energia e o gás , nem se fala (…) Infelizmente, hoje estamos trabalhando praticamente para não baixar as portas, se desdobrando principalmente para não perder a qualidade, e pedindo a Deus para que a situação mude”, continua Angelândia Roseli, que tem uma pastelaria e precisou demitir a única funcionária para equilibrar o caixa.

O preço do gás de cozinha subiu 16,1%. A Petrobras também aumentou em 18,8% o preço da gasolina nas refinarias. E o diesel ficou 24,9% mais caro.

Por isso, a preocupação na casa de Roseli é dobrada. Além dela, que depende do gás para fazer os pastéis, seu marido Rafael Mendes, 38, é diretamente afetado pelo aumento da gasolina. Desde 2018, Rafael é motorista de aplicativo. Ele passa em média de 8 a 10 horas por dia no trânsito. São de 200 a 300 quilômetros percorridos por dia de trabalho. Nesse período, viu a despesa com gasolina mais que dobrar: se antes gastava de R$ 50 a R$ 60 por dia com combustível, hoje esse valor chega a R$ 130.

“Fora, é claro, todo o gasto com a manutenção do carro e as taxas das empresas de aplicativos, que também estão absurdas”, explica ele. “Antes da pandemia, até que dava um bom lucro, que dava para as despesas de casa e sobrava um pouquinho para o lazer. Hoje, está muito difícil sobreviver com o essencial. E olhamos para frente e infelizmente não vemos uma saída”, desabafa.

Diante do aumento de combustíveis, empresas como Uber e 99 anunciaram um reajuste temporário no ganho de motoristas.

Já o representante comercial Marcelo Bonifácio, 39, vai ter de arcar sozinho com o custo extra. Diariamente, ele sai do Jardim Celeste (zona Oeste de São Paulo) para oferecer medicamentos para ao menos 10 farmácias na zona Sul paulistana, entre Pedreira e Santo Amaro. Como é autônomo, ele utiliza o próprio carro para o transporte e arca com todos os custos. Para um trajeto médio de 40 quilômetros por dia, gasta em torno de R$ 1 mil por mês – o que deve subir com a gasolina mais cara.

“Esse aumento afeta diretamente meu orçamento, já que não tem por onde compensá-lo”, diz ele. Casado e pai de 2 filhas, ele acredita que vai precisar deixar comprar alguns alimentos, pois não consegue cortar outras despesas.

Pressionado pela inflação às vésperas das eleições, o governo federal deve tomar medidas como a diminuição do preço do diesel a partir da lei que determina alíquota única do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e a possível adoção de subsídios para combustíveis.

 

Impacto direto

A economista Patrícia Costa explica que o aumento do preço dos combustíveis tem impacto direto na economia. Além de motoristas de aplicativo, a gasolina mais cara atinge principalmente as classes média e alta da população, que mais utilizam veículos individuais. Já o diesel em alta prejudica toda a cadeia produtiva, uma vez que a maioria dos produtos brasileiros é transportada por caminhões.

“O alimento é produzido no campo e todo deslocamento, seja para manufatura ou consumo direto nos centros urbanos, é feito com diesel”, explica Patrícia, que é supervisora de preços do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).

Patrícia explica que os preços da alimentação já vivem sob pressão por conta de fatores como o clima (com prejuízos causados pela falta ou excesso de chuvas) e a forte demanda externa aliada à cotação do dólar (com o real desvalorizado, o agronegócio prefere vender para outros países do que no mercado brasileiro porque faturam mais).

Com a guerra na Ucrânia e as sanções impostas por outros países a produtos da Rússia, acontece esse aumento generalizado de derivados de petróleo ao redor do mundo e também de produtos alimentícios. Um exemplo é a soja: a Ucrânia é grande produtora de girassol, utilizado para fazer óleo de cozinha. Com o conflito, o óleo de soja feito no Brasil passa ser muito mais requisitado.

O Brasil poderia sentir menos esse impacto global se não tivesse se alinhado ao preço do petróleo internacional, em vigor desde o governo Michel Temer. Autossuficiente em produção de petróleo, desde então a Petrobras reajusta os preços de acordo com o mercado global.

Além disso, desde 2014 o País tem desmantelado o estoque público de grãos, como arroz, milho e soja. Em uma safra com muitas chuvas ou seca, ter esses itens estocados permitiria ao governo disponibilizar o que tava armazenado e regular os preços – controlando a disparada nas gôndolas.

Todos esses fatores contribuem para que a população brasileira fique mais vulnerável em situações de crise. Mas essa crise não é igual para todo mundo.

Foto mostra supermercado
Foto: Tânia Rêgo / Agência Brasil

 

Patricia explica que o preço dos alimentos pesa muito mais no orçamento de famílias de baixa renda. A inflação geral medida pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE acumulou alta de 10,54% em fevereiro. Já o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), que mede o consumo de famílias que ganham até 5 salários mínimos, acumulou um aumento de 10,80% no período.

“A gente tá vivendo um processo de empobrecimento de mercado de trabalho, que não gera emprego e renda e famílias estão extremamente empobrecidas”, diz a economista.

Essa é a percepção de Edson Leite, 38, que atualmente mora em Osasco (região metropolitana de São Paulo). O chef de cozinha é fundador do Gastronomia Periférica, um negócio de impacto social que capacita jovens de periferias no ramo e presta serviços diversos, com restaurante e realização de eventos. Em média, a iniciativa gasta um botijão de gás por mês. Mas Edson sabe que esse não é o único problema.

“Os aumentos impactam diretamente na alimentação, a gente acaba comendo menos, comendo mal e abre mão de outras coisas (…) Pra gente, é muito mais cruel”, conclui o chef.

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