Professoras apontam despreparo de escolas para lidar com racismo na cidade de São Paulo

Professoras apontam despreparo de escolas para lidar com racismo na cidade de São Paulo

Casos de racismo em escolas da Prefeitura paulistana dobraram no primeiro semestre de 2023. Ações de combate são insuficientes, segundo profissionais da educação

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Por Thiago Borges, da Periferia em Movimento. Originalmente publicado no UOL, por meio do selo Plural

Episódios recorrentes de racismo dentro da sala de aula, como imitações e xingamentos de “macaca”, fizeram com que duas professoras negras do município de São Paulo denunciassem as ocorrências à SME (Secretaria Municipal de Educação) em busca de soluções institucionais. Os casos estão sem resolução há mais de seis meses. Além da morosidade, não há um protocolo padrão para atender a questão nas escolas – hoje, cada uma das 3.792 unidades educacionais têm autonomia para lidar com as denúncias.

Os registros de casos de racismo no âmbito escolar dobraram de um ano para outro: foram 19 em todo o ano de 2022 e, só até o dia 27 de junho deste ano, já foram relatados 36 casos, segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, que recebe denúncias via central telefônica, o portal SP 156, por email e sete Centros de Referência de Promoção da Igualdade Racial em funcionamento no município.

EMEF Theodomiro Dias, na Vila Sônia

Uma professora de uma escola de ensino fundamental na Vila Sônia foi xingada na sala de aula de “macaca” e teve objetos arremessados contra ela por diversas vezes, segundo relatou à coordenação da unidade, no início de 2022. A EMEF Theodomiro Dias convocou parentes e suspendeu os agressores por alguns dias, que retornaram pouco tempo depois, repetindo os comportamentos.

Ao solicitar que a escola implementasse um projeto de educação antirracista, não obteve resposta. Em novembro ela reportou o caso à DRE (Diretoria Regional de Ensino) do Butantã, que seis meses depois abriu um processo administrativo, ainda não finalizado. Com a mudança do ano letivo, os casos de racismo cessaram e a professora continua dando aulas apesar da falta de retorno sobre a situação.

“Eu não tenho interesse em responsabilizar os estudantes, que são adolescentes pobres e negros, muitos em estado de extrema vulnerabilidade. Mas quero justiça e responsabilidade dos adultos que permitiram que todas essas violências acontecessem”- Professora vítima de racismo na zona Oeste

O que pode mudar

O caso da professora é acompanhado pelo Coletivo Antonieta de Barros, formado por profissionais da educação da rede municipal. Em março, elas divulgaram uma carta direcionada ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) com uma série de reivindicações de combate ao racismo na educação para o ano letivo.

Entre as medidas propostas está a criação de comitês antirracistas nas unidades escolares, o incentivo aos docentes e discentes para criarem projetos com ações afirmativas e o auxílio aos profissionais da educação que denunciam atos racistas nos trâmites legais e institucionais para que os casos sejam representados no campo jurídico.

Quando casos ocorrem em escolas, integrantes da comunidade escolar -como estudantes, professores, demais funcionários, e pais ou responsável – podem abrir um processo administrativo para averiguação interna na DRE de sua abrangência. E, por ser um crime previsto em lei (nº 7.716/1989), qualquer vítima também pode procurar a delegacia de polícia para registrar um boletim de ocorrência.

“É importantíssimo registrar o B.O. porque permite fazer análise dos casos por região, mas nesses casos também é muito importante que a equipe gestora [da escola] esteja alinhada e saiba intervir” – Maíra Mantovani, professora e pesquisadora em educação antirracista

6 meses fora da sala de aula

Depois de ler a palavra “macaca” no campo do diário de classe, uma professora da zona sul não só fez denúncia formal na DRE de Santo Amaro, como também registrou um Boletim de Ocorrência na Decradi (Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância), no final do ano passado O inquérito foi instaurado, mas arquivado recentemente pelo Ministério Público, segundo a vítima. Pouco tempo depois da denúncia, ela relatou ter ouvido de um aluno que “merecia ser fuzilada”, o que gerou novas denúncias.

Ofensa racista foi inscrita em campo do diário de classe destinado ao nome da professora (foto: arquivo pessoal)

Segundo ela, não houve nenhuma ação efetiva da gestão da escola onde leciona, a EMEFM Professor Linneu Prestes. Para debater o assunto na época, por iniciativa própria, passou em todas as turmas do ensino médio para fazer rodas de conversa sobre racismo com estudantes. Quando denunciou o caso à imprensa, no entanto, ela conta que recebeu ataques de pais e estudantes que alegavam que ela estava “manchando” o nome da escola e promovendo “ideologia de gênero” em suas aulas.

Em fevereiro, na volta às aulas, a professora pediu afastamento do trabalho depois de saber que o estudante que a ameaçou assistiria às suas aulas novamente. Até julho, a professora continua licenciada, mas fora da sala de aula. “Estão sinalizando que minha humanidade não importa”, diz. O caso dela também é acompanhado pelo Coletivo Antonieta de Barros. “A ausência de respostas para estas questões demonstra o processo de racismo institucional”, sinaliza o grupo em nota.

À Periferia em Movimento a Prefeitura diz que os casos de ambas as professoras estão em processo de apuração e averiguação interna e que repudia qualquer ato de discriminação e racismo dentro ou fora do âmbito escolar. Em março, o prefeito Ricardo Nunes anunciou a compra de 128 mil bonecas e bonecos negros e “migrantes” (de fenótipo associado a pessoas bolivianas) de cunho pedagógico para envio a escolas de educação infantil, além de 741 mil cópias de 178 livros de temática étnico-racial para compor os acervos das unidades educacionais.

Também anunciou o lançamento da impressão do currículo antirracista que, segundo a Prefeitura, já contou com a distriuição de 29,5 mil cópias para servir de subsídio à implementação da lei federal nº 10.639 de 2003, que obriga as redes de ensino a trabalharem história e cultura africana e afro-brasileira.

A pasta aponta que as escolas citadas na reportagem também abordam a temática antirracista, com rodas de conversa e fortalecimento das comissões de mediação de conflito. Uma das denunciantes ouvidas pela reportagem também foi umas das profissionais responsáveis pela elaboração do guia da Prefeitura. Ela reitera, no entanto, que, tanto o material quanto as rodas de conversa e outras atividades pedagógicas são importantes, mas ainda dependem da iniciativa de professores engajados para serem efetivas.

Na administração pública como um todo, desde 2018 a cidade de São Paulo tem um Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial, instituído por decreto pelo então prefeito Bruno Covas. O texto estabelece metas para reduzir as desigualdades étcnico-raciais na capital paulista, entre elas a criação de mecanismos para receber e encaminhar denúncias na administração pública municipal. Na Câmara, a vereadora Jussara Basso (Psol), diz que em breve deve apresentar um projeto de lei que responsabilize a instituição negligente do racismo, incluindo instituições educacionais. “Uma coisa é praticar [o racismo]. Outra coisa é responsabilizar quem não fez nada”, diz a parlamentar.

* O crime de racismo está previsto na Lei n. 7.716/1989. Consiste em atingir uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. É inafiançável e imprescritível. A Lei nº 14.532, de 11 de janeiro de 2023, equiparou o crime de injúria racial, que consiste em ofender a honra de alguém valendo-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem, ao crime de racismo. A nova lei também prevê que crimes previstos nela “terão as penas aumentadas de 1/3 até a metade quando ocorrerem em contexto ou com intuito de descontração, diversão ou recreação”.

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