Por André Santos. Edição de texto: Thiago Borges. Produção audiovisual: Pedro Salvador. Arte: Rafael Cristiano
Mara Luiza, de 60 anos, é moradora do Grajaú desde os 11, e apesar de não ter nascido no território localizado na zona Sul de São Paulo, conta com orgulho sobre a forma que ‘firmou raízes’ e ‘plantou uma árvore’ no local. É assim que ela se refere ao marido Paulo e à filha Barbara Terra, figura que participa das articulações políticas e sociais do bairro mais populoso da cidade de São Paulo.
Mara é fundadora e CEO da Sabores Divinos, serviço de cozinha afetiva responsável pela promoção de diversas ações culturais na região, e realiza com Paulo o Projeto Atalaia, que presta apoio na recuperação de pessoas adictas.
Pastora “das ruas”, ela é uma das entrevistadas pela Periferia em Movimento na série de entrevistas que busca mostrar a compreensão de pessoas periféricas sobre política, território, religião e identidade. Assista abaixo:
“Na minha casa sempre fizemos política e não tinha nome, mas falávamos na minha casa que era uma mesa de negociação. O que é mesa de negociação? É organização. É política. E aí foi de dentro pra fora, foi dentro da minha casa, com uma mulher preta, solo e que trouxe isso pra dentro da minha casa. E a partir daí veio Bárbara, minha filha, com força porque é jovem organizando e mostrando pra mim: ‘mamãe, é isso. O que nós fazemos chama-se isso’”, diz Mara.
Recentemente, a equipe da Periferia em Movimento esteve nas proximidades do Terminal Grajaú para conversar a respeito do assunto de maneira espontânea com a população local. Confira aqui.
“Eu nunca vou negar a minha fé, nunca vou deixar de dizer quem eu sou. Que eu sou pastora, que sou Mara Luiza, que eu circulo em muitos lugares, que estou em muitos lugares e vou estar em muitos lugares. Eu quero que o nosso povo comprometido esteja dentro dos lugares”, diz.
Fé e visão de mundo
Mara é uma pessoa que se identifica enquanto cristã e pastora, mas não se coloca dentro de nenhuma caixinha da religiosidade, deixando claro que sua missão é espalhar o amor e transformar vidas a partir disso.
“Eu cuido de vidas pelo Projeto Atalaia, mas eu não tenho um templo. Hoje, se você me perguntar ‘qual a igreja que você é?’, eu vou dizer que não sou igreja, eu sou Jesus. Eu levo Jesus pra fora, eu levo Jesus pras vidas, eu quero cuidar de vidas, eu quero curar vidas. Se for religião, é essa a religião que eu cultuo. Levar Jesus para a cura de outras pessoas”, conta.
Mara conta que, apesar de ser cristã e desejar que pessoas com o mesmo pensamento ocupem cargos de liderança política, o principal é que pessoas verdadeiramente comprometidas com o bem estar social estejam nesses espaços.
Independente do credo, ela acredita que só assim é possível promover mudanças significativas na sociedade em vez de perpetuar as práticas vigentes de genocídio de corpos marginalizados.
“Obviamente como cristã, quero que mais pessoas cristãs estejam dentro da política. Mas pessoas sérias, assim como poder ser católicos, candomblecistas… Pessoas sérias, que estejam dentro do lugar para mudar, porque são pessoas que têm o poder de decisão, que estão com a caneta a mão para mudar a história da sua vida, da minha vida, das nossas vidas”, pontua.
Estado X Nós por nós
Mara faz um trabalho específico de auxílio na recuperação de pessoas adictas que estão em situação de rua no Grajaú. De forma independente, ela e seu marido Paulo oferecem alimento, vestimenta, kit de higiene pessoal, um lar e, sobretudo, afeto e humanidade.
“Nosso ministério é a rua. Então a gente entende bem desse lugar, da rua. As pessoas são atropeladas, não são vistas. O mundo passa por cima de uma pessoa que tá passando por uma situação sem enxergar aquela pessoa. Eu não estou falando de dar um prato de comida, eu estou falando de um abraço. Eu vejo que o poder público e suas ações poderiam ser de mais escuta, das pessoas ouvirem mais as outras”, fala Mara.
O Projeto Atalaia não conta com apoio de qualquer política pública, sendo uma iniciativa popular que sobrevive a partir de doações e já atendeu 495 pessoas.
A falta de incentivo a ações sociais como essa, que resgatam a humanidade de pessoas invisibilizadas pelo próprio sistema, revoltam a entrevistada.
“É ‘nóis por nóis’, e os amigos que ajudam e acreditam na gente. É possível você fazer. Obviamente, se você tem uma ajuda do governo, uma ajuda do sistema, você faz mais. Eu e meu marido Paulo não conseguimos fazer mais porque a gente não tem verba, isso custa para fazer (…) O governo não sabe fazer isso não, viu? Quem sabe é quem tem amor. Não é uma coisa maquinada, é uma coisa do amor”, conclui.
André Santos, Thiago Borges, Rafael Cristiano