Na sala de aula ou nos slams de poesia na rua, Cristina Assunção educa gerações nas periferias de SP

Na sala de aula ou nos slams de poesia na rua, Cristina Assunção educa gerações nas periferias de SP

Do Jardim Samara (na zona Leste paulistana) à formulação de políticas nacionais no governo federal, professora tem trajetória de ativismo cultural, educação transformadora e luta por direitos

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Tempo de leitura: 11 minutos

Na infância, Cristina Adelina de Assunção sonhava em ser professora. Mas aos 12 anos, abandonou a ideia por conta de um personagem do falecido humorista Chico Anysio. “E o salário, ó!”, dizia o protagonista da Escolinha do Professor Raimundo.

Esse receio da instabilidade financeira reforçado pela TV se juntou a experiências negativas com uma péssima profissional com quem teve aula.

“E eu pensei: ‘ai meu Deus do céu, não é isso que eu quero ser quando eu crescer’”, relembra Cristina.

Ela cresceu. Cresceu e virou professora. Hoje, aos 44 anos, a cria do Jardim Samara (zona Leste de São Paulo) acumula experiências na educação formal ou não-formal.

Além de ser mãe de duas meninas, dá aulas de história, é produtora cultural, mestre de cerimônias de slam de poesia, atriz e contribui com a coordenação de cursinhos populares da rede UneAfro Brasil. Também participa da organização da Caminhada Luiz Gama, da Marcha da Consciência Negra e integra o Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável – CDESS do Governo Federal.

O início de tudo

Como muita gente oriunda das periferias, o trabalho entrou cedo na vida de Cristina.

Em meados dos anos 1990, ainda no Ensino Médio, ela trabalhou na auditoria do Shopping Eldorado e, depois, como estagiária na Caixa Econômica Federal e na Nitro Química como auxiliar de compras.

Com objetivo de entrar na faculdade, começou um cursinho pré-vestibular no Clube de Mães do Brasil. Foi lá que mudou a percepção sobre a profissão ao conhecer uma professora de história.

No primeiro ano, tentou ingressar no curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Sem condições de pagar, seguiu nos preparativos e passou em História no Centro Universitário Fundação Santo André.

Foram anos de perrengue: várias vezes, ela passava por baixo da catraca do ônibus para economizar dinheiro pra comida. Mas também foi um tempo de engajamento: Cristina fez parte dos movimentos estudantis e a luta ajudou a garantir 60 pessoas na graduação.

No terceiro ano da graduação, Cristina engravidou, mas não interrompeu os estudos – concluídos em 2003. Em meio à maternidade recente, trabalhou com telemarketing para gerar renda, até que em 2005 conseguiu o primeiro trabalho como professora.

Vínculo 

Durante o tempo em que passou no telemarketing e como professora, Cristina arrumou um terceiro emprego na área de clipping – processo de coleta e análise de notícias e informações sobre uma marca, empresa ou tema.

Em 2006, ela se desligou da escola para se candidatar a uma bolsa de mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Com as conexões no setor cultural, ela aprofundou relações, reencontrou colegas e passou a atuar de forma mais efetiva em articulações relacionadas ao movimento.

“Nesses dois anos estudar era o meu trabalho, e assim fui conhecendo muita gente, fui revendo aquela galera do movimento estudantil e fui participando cada vez mais”, conta.

Mestre aos 29 anos, passou por diferentes escolas privadas na zona Leste paulistana, como os colégios La Salle e Marista, até prestar o concurso público e ser convocada para lecionar na rede municipal da capital em 2023.

“Agora eu sou professora pra sempre, com todas as garantias”.

No cargo desde março de 2024, Cristina não quer ser o tipo de educadora que só vai bater o cartão ao fim do expediente para receber o salário no final do mês. Ela acredita numa educação a partir da criação de vínculos afetivos, defende que a mesma turma seja acompanhada por docentes durante todo o ciclo formativo e ressalta o lado “maternal” da profissão.

“Minha primeira militância está em ser professora. É uma relação hierárquica, não no sentido de mandar, mas sim de criar. De você contribuir com tijolos na construção daquele ser humano. Pra mim isso é maravilhoso, mas é desafiador”, afirma.

A força da cultura

Politizada desde nova, Cristina sempre buscou participar de coletivos de luta por direitos. Em 2005 o Movimento Cabuçu, ação que luta pela defesa de áreas de proteção ambiental, entrou na sua vida.

“Era muito longe. Saindo da zona Leste, às vezes eu levava até duas horas e meia pra chegar lá, mas foi onde eu encontrei pessoas pra dar vazão a essa vontade”, conta.

Também em 2005, a professora foi convidada por uma amiga para ir a um sarau no CDC Vento Leste, ocupação cultural localizada no bairro da Patriarca pelo grupo de teatro Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes. O local era próximo à casa de Cristina.

Com divulgação boca a boca, ocupação cultural atrai vizinhança para festival literário na zona Leste de SP

Em 2008, o grupo lançou a peça ‘A Saga do Menino Diamante – Uma Ópera Periférica’, vencedora da 23ª edição do Prêmio Shell. A obra transformou por completo a sua relação com o espaço cultural, com as pessoas do coletivo e representa um marco de muito do que faz hoje.

A peça de 1 hora e meia de duração terminava em uma festa, que se estendia até as 5h da manhã. Figurinha carimbada por frequentar as três temporadas do espetáculo, foi nesse espaço que Cristina conheceu Emerson Alcalde.

Hoje, o poeta e slammaster é marido dela. E a relação afetiva fortaleceu a proximidade de Cristina com os saraus periféricos.

Slam, as batalhas de poesias

Em 2012, Emerson apresentou a ideia de fazer um slam ao ar livre na praça ao lado do metrô Guilhermina-Esperança. Surgiu assim o Slam da Guilhermina, o primeiro a ser realizado nesse formato urbano no mundo e modelo para as centenas de competições de poesia falada que se espalharam pelo País nos anos seguintes.

Cristina se juntou à equipe e, com o crescimento, assumiu a função de slammaster em 2015.

Slam da Guilhermina (foto: divulgação)

Slam da Guilhermina (foto: divulgação)

“A Guilhermina tem uma importância enorme para o slam de poesias neste País. Quando o slam vai pra rua, ele se torna um evento muito mais fácil de ser multiplicado. As pessoas perceberam que os coletivos podem se unir e ocupar as ruas. A arte deve ser democratizada não só no sentido de acessá-la, mas também de produzi-la”, diz.

Um dos maiores pontos de destaque da trajetória de Cristina é a colaboração na construção do Slam Interescolar, campeonato de poesia falada que chegou à sua 10ª edição em 2024.

A competição entre escolas abrange estudantes de 11 a 17 anos e propõe um ciclo formativo com poetas nas unidades de ensino. A iniciativa do coletivo Slam da Guilhermina venceu o prêmio Jabuti de 2021, na categoria Inovação – Fomento à Leitura.

“No ano de 2014 o Emerson venceu o Slam SP e conquistou a vaga para a Copa do Mundo de Slam, na França, onde foi vice-campeção. Eu fui pra gravar, levei minha filha e lá a gente conheceu a ideia do Slam Interescolar. Vimos aquelas crianças com as cartolinas, torcendo por seus amiguinhos e a gente se arrepiou. Gostamos demais e trouxemos para cá”, conta.

De quatro escolas em 2015, o Slam Interescolar reuniu mais de 300 escolas na edição de 2023.

 “O Slam Interescolar só existe porque existem professores muito bons, que querem e insistem. O professor é imprescindível para que o projeto aconteça, tem muitos que estão com a gente desde a segunda edição. É um projeto que ainda tem muitos e muitos anos pela frente”, afirma.

A edição de 2025 já está com inscrições abertas. Saiba mais aqui.

Slam Interescolar é espaço para expressão de estudantes de 11 a 17 anos

Conselheira Federal

Toda a relevância de Cristina rendeu um convite para ser a representante do setor cultural na cidade de São Paulo no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável – CDESS do Governo Federal.

O chamado “Conselhão” abrange diversos setores da sociedade e tem 245 integrantes, sendo 147 homens e 98 mulheres. O grupo é composto por empresários, sindicalistas, representantes de movimentos sociais, do setor financeiro, do agronegócio, comunidades indígenas, entre outros.

“Hoje existe um número bem maior de mulheres e, sobretudo, de mulheres negras. Quando nos vimos pela primeira vez, já nos aquilombamos. Temos um espaço em que a gente conversa, cada uma faz parte de uma comissão temática diferente, os assuntos não precisam ser todos no recorte de gênero e raça, mas claro que por estarmos onde a gente está não temos como nos desvencilhar do recorte social, e estamos ganhando força naquele espaço”, conta.

Em funcionamento por mais de 15 anos, o Conselhão foi extinto em 2019, no começo da gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e retomado a partir do início do terceiro mandato de Luís Inácio Lula da Silva (PT), em 2023.

O trabalho de Cristina como conselheira se pauta em soluções para auxiliar o Presidente da República na criação de políticas e orientações voltadas para o crescimento econômico, social e sustentável do País.

“No último ano, a gente levou às mãos do Presidente a perspectiva de criar uma lei de Fomento a Cultura da Periferia que seja nacional, né? Esse é meu trabalho lá enquanto conselheira. Eu não sei se a gente caminha até o final, mas o importante é você começar a construção de algo, fazer parte disso. Não precisa chegar lá no topo, na vitória, mas galgar para que alguém chegue é muito importante”, conclui.

Edição: Thiago Borges

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