Por Vini Linhares
Edição: Thiago Borges
Cerca de metade da população brasileira se autodeclara como “parda”, mas o que seria da realidade do País se esse contingente se reconhece preto ou indígena? “O que é o pardo se não uma confusão? É uma ilusão, uma alucinação”, aponta Lyryca Cunha, multiartista moradora da periferia de São Paulo e mulher indígena em “retomada”, ou seja, que tem buscado conhecer suas origens. https://www.instagram.com/onaolugar/
Integrante do projeto O Não-Lugar, que discute esse processo de pensar os lugares das identidades e pertencimento indígenas nas periferias, ela fez essa avaliação durante encontro on-line do coletivo Território Samaúma em meados de agosto (clique aqui pra assistir). E Lyryca cita Ailton Krenak, que lembra que um dos argumentos do Estado para não demarcar terras indígenas é que não há indígenas o suficiente para justificar a medida.
A discussão ganha mais importância diante do debate sobre o marco temporal pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do projeto de lei 490, que tramita na Câmara dos Deputados e da mobilização de povos originários de todo Brasil na capital federal, que sedia a segunda Marcha das Mulheres Indígenas a partir desta terça-feira (7/9).
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“O pardo na invenção do Brasil, e o pardismo, é um abismo entre a colônia e o pertencimento, de não saber das próprias histórias, de ficar à mercê da engrenagem, das ideias do capitalismo”, ressalta Lyryca.
“[Isso faz com que a gente] não perceba nossas histórias, nosso território; não reconheça as memórias de violência, de genocídios; não saiba nomear os nossos sintomas, os nossos adoecimentos dos corpos e dos espíritos, porque temos que decodificar esses sentimentos a partir do português. Então, são muitas ataques sofridos ao longo da história. Retomar este caminho é muito dificil, mas é urgente pensar o pertencimento e discutir a extinção do pardismo”, continua.
Para a cineasta e fotógrafa Isa Hansen, que também faz parte d’O Não-Lugar, a palavra “descendência” é perigosa porque afasta afetivamente o compromisso com as memórias e as pessoas ficam alheias às questões das lutas indígenas, da importância das pautas e da diversidade étnica, assim como das cosmovisões e sabedorias milenares.
Encontros
A luta antirracista também é pela garantia de direitos e vida digna para povos indígenas, pessoas negras, assim como pela demarcação e preservação de suas culturas e tradições. Portanto, essa luta deve ser de toda população, afinal Pindoretá (o nome original do Brasil) é terra indígena ocupada por muitos povos atualmente.
“O erro é achar que a luta indígena é só dos indígenas. As pessoas se acostumaram a ver os indígenas fechando a BR, reivindicando o básico, que é a terra que era deless. (…) Qualquer um que chegou depois seja muito bem vindo, mas é primário que essa causa seja pela terra, porque eles são os guardiões desse bem viver, dessa natureza”, finaliza Isa Hansen.
Retomamos aos poucos, pois isso envolve muitas memórias violentas, ressignificados, escuta do tempo e das pessoas e suas falas.
Realizado pela coletiva Sarau das Mina, que se articula desde 2016 no Extremo Sul de São Paulo, o projeto Território Samaúma tem pautado questões como essa e vem convidando pessoas para abordar temas específicos em encontros virtuais. O projeto se define como espaço-ferramenta de acesso, afeto, arte e segurança para estimular a conscientização, a transformação e a fortificação dos direitos e potencializar os movimentos periféricos.
*Vini Linhares é participante do “Repórter da Quebrada – Uma morada jornalística de experimentações”, programa de residência em jornalismo da quebrada realizado pela Periferia em Movimento por meio da política pública Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo
Redação PEM, Gisele Brito, Thiago Borges