Dia do Orgulho: O papel da mídia na garantia de direitos de pessoas LGBTI+

Dia do Orgulho: O papel da mídia na garantia de direitos de pessoas LGBTI+

Neste Dia do Orgulho LGBTI+, o jornalista Caê Vasconcelos aponta a necessidade de representatividade real nos meios de comunicação

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Artigo de opinião de Caê Vasconcelos*. Foto de capa: podcast Comunicação de Quebrada

Falar da cobertura da imprensa sobre pautas LGBTI+ é falar sobre um deserto de notícias. Embora o olhar do jornalismo tenha evoluído muito nos últimos 10 anos, ainda é raro vermos histórias positivas.

Essa ausência foi um dos motivos que me fez direcionar o meu jornalismo para falar sobre gênero e sexualidade durante a universidade e, sete anos depois de me formar, seguir levantando essa bandeira. Se nós, jornalistas LGBTI+, não fizermos, a cisheteronorma fará da pior forma.

Mas não deveria ser assim. O cuidado com a cobertura sobre as nossas vivências não deveria ser exclusivamente feito por nós.

A mesma técnica jornalística usada para a cobertura de editorias como cidades, segurança pública, saúde, política e outras deveria ser usada para falar das nossas pautas: escuta ativa, estudo e apuração.

Caê Vasconcelos (foto: Bianca Souza)

Caê Vasconcelos (foto: Bianca Souza)

O que vemos, na realidade, são pessoas cishétero reproduzirem diversas violações que reforçam estereótipos quando tentam fazer coberturas que contemplam vivências dissidentes.

Uma vez entrevistei uma mãe de uma criança trans e perguntei o que a fez acolher sua filha. E ela foi enfática ao me dizer que hoje ela conseguia abrir os jornais ou ligar a televisão e ver exemplos positivos de vivências LGBTI+. Hoje, embora ainda menos do que deveria, conseguimos ver corpos como os nossos ocupando diversos espaços, do jornalismo à política.

Muito pouco tempo atrás, em 2016, quando comecei a fazer o meu trabalho final da faculdade, só tínhamos matérias de violência e dor sobre as nossas vivências. É verdade que o Brasil ainda é o país que mais mata pessoas LGBTI+ em todo o mundo, principalmente corpos trans. É verdade que ainda temos muitos direitos negados. Mas somos mais do que só dor. Somos potências, que, bem representadas na mídia de forma geral, podem mudar a vida das novas gerações.

A minha geração, nascida no começo dos anos 1990, não teve isso. Sem me ver nos lugares, demorei anos para entender a minha identidade de gênero. Só com o avanço das redes sociais comecei a ver os primeiros homens trans em lugar de destaque.

Mas ainda não estamos na TV aberta, ainda não estamos sendo realmente representados em novelas, por exemplo. Foram os streamings, como as recentes séries “The Umbrella Academy” e “Sex Education” que trouxeram as primeiras representatividades mais próximas da realidade.

É esse apagamento de representação e de representatividade que impede os nossos de se verem, desde cedo, reconhecidos e espelhados. É essa ausência midiática que impede que pessoas LGBTI+ possam ser naturalizadas e normalizadas pela cisheternormatividade.

Para falar de um futuro melhor, precisamos olhar o passado para não repetir mais os erros e pensar no presente. Não queremos mudar o mundo para as próximas gerações apenas. Queremos que todas as gerações possam ser contempladas por essas mudanças. Que precisam ser para agora. Principalmente quando falamos de corpos marginalizados e ignorados como os corpos LGBTI+.

Estamos vivendo um momento crucial para impedir o avanço do conservadorismo. Existem centenas de projetos de leis pelo país que querem impedir a população LGBTI+ de acessar direitos já conquistados, como o casamento entre pessoas do mesmo gênero.

Ah, já trago uma dica aqui, jornalista: quando falamos de casamento falamos de gênero e não sexo. Sexo nada mais é do que genitália. Se eu, homem trans, me casar com uma mulher cisgênera, por exemplo, o casamento será pelo viés das regras heteronormativas. Mas se eu casar com um cara trans é considerado um casamento homoafetivo. Viu como uma palavrinha muda tudo?

Mas os retrocessos que a extrema-direita e fundamentalistas religiosos querem vão além da negativa do direito de amar. Querem nos impedir, enquanto corpos trans, de acessar o banheiro, nosso nome e pronomes, nosso direito a praticar esportes… em suma, nosso direito de existir.

Boa parte desse preconceito, tão estrutural na nossa sociedade, vem dos constantes erros da imprensa ao falar sobre as nossas vivências (reproduzindo os nomes antigos de pessoas trans ou imagens de antes da transição). O ódio pela nossa existência vem da ausência de histórias positivas na televisão, nas novelas e no cinema.

E só vamos conseguir mudanças efetivas quando a gente interseccionar as lutas. É impossível construirmos uma sociedade melhor sem combatermos a LGBTfobia ao mesmo tempo que combatemos o racismo, o classicismo e o patriarcado.

Não adianta falarmos em diversidade se só pensamos no homem, cis, gay, branco e de classe média. Para falar realmente de diversidade, ou melhor, pluralidade, precisamos pensar na população LGBTI+ periférica, negra, indígena, com deficiência.

Só será possível realizarmos tais mudanças quando reconhecemos os privilégios e enxergamos cada estrutura construída em cima deles. É preciso falar de gênero, é preciso falar de racismo, é preciso falar de elitismo fora da bolha cishétero branca burguesa que é o jornalismo e o audiovisual brasileiro.

O papel da mídia é denunciar toda essa exclusão e trazer narrativas positivas que trarão esperança para população LGBTI+ que está nas margens da sociedade. A mudança só acontecerá quando incluirmos mulheres e homens trans, travestis, pessoas não-binárias, intersexo e agêneras dentro das redações e empresas midiáticas.

Nós somos a mudança, nós somos o futuro. E esse futuro está sendo construído agora. Que possamos ver o empenho midiático para construir esse novo mundo com a gente para além do mês de junho.

Caê Vasconcelos (foto: Digitalzone)Sobre o autor

Caê Vasconcelos é jornalista, homem trans, bissexual, cria de Vila Nova Cachoeirinha, periferia da zona norte de São Paulo, e autor do livro “Transresistência”. É repórter de segurança pública, direitos humanos e cultura com passagens pela Ponte Jornalismo, Agência Mural de Jornalismo das Periferias e UOL Notícias. Foi o primeiro jornalista trans da bancada do Roda Viva, na entrevista com Erika Hilton em 2021, e o primeiro jornalista trans da história da redação da ESPN Brasil. Também foi roteirista e apresentador do programa #PraVariar da DiaTV. Atualmente é colunista da Revista AzMina.

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