Texto por Thiago Borges. Idealização, pesquisa e reportagem por Lucimeire Juventino. Roteiro: Thiago Borges. Edição de vídeo por Pedro Ariel Salvador
“Grajaú é o meu país”
Esse é o lema de Maria Vilani, de 69 anos. E não é só porque o distrito localizado no Extremo Sul de São Paulo é o mais populoso da cidade – oficialmente, com mais de 360 mil habitantes –, mas também porque foi nesse chão em que essa cearense natural da capital Fortaleza finca raízes e constrói possibilidades desde 1982.
Professora, escritora, filósofa, ativista cultural, ela tece um repertório próprio a partir das margens da capital paulista. Em um cenário em que tudo faltava, viu na arte um meio de acessar os recônditos mais profundos da alma do ser humano e elaborar novas possibilidades.
Por isso, nesse dia dos professores e das professoras, Maria Vilani é a oitava entrevistada de “Matriarcas”. Idealizada pela escritora e professora Lucimeire Juventino e realizada pela Periferia em Movimento, nesta série de reportagens contamos histórias de mulheres que cavaram os alicerces de lutas por direitos que continuam fortes até os dias de hoje.
Assista:
Conheça mais sobre Dona Maria Vilani
Nascida em 31 de maio de 1950, ela estava grávida do primeiro filho quando se mudou para São Paulo com o marido Cleon, em 1972. Ele, que tinha formação de metalúrgico, conseguiu emprego. E ela, sem ter onde deixar a criança, ficou como dona de casa. Moraram em várias quebradas – da Chácara Santana, na Zona Sul, a Artur Alvim, na Zona Leste. Voltaram para a favela das Imbuias, no Extremo Sul e, finalmente, em 1982 conseguiram comprar uma casa no Grajaú.
Nessa terra, Vilani conheceu outras mulheres de luta. Uma delas é Adélia Prates, feminista que lutava por escolas, contra a carestia e a violência contra mulheres por meio da Associação de Mulheres do Grajaú – nós contamos a história dela no primeiro episódio de Matriarcas.
Nas ruas sem asfalto, no bairro com poucas escolas, sem creche e muito menos atividades culturais, Maria Vilani criava os 05 filhos. E foi a partir da necessidade de tirar suas dúvidas na lição de casa que ela voltou para a escola, após aprender a ler e escrever sozinha e finalizar o ginásio num supletivo em Fortaleza. Aos 39 anos, matriculou-se na mesma escola e estudou na mesma sala do filho Kleber Gomes, hoje conhecido como o rapper Criolo.
Desde então, a sede de conhecimento de Maria Vilani nunca mais cessou. Formou-se em Filosofia e Pedagogia, fez especialização em Filosofia Clínica e Língua, Literatura e Semiótica. Virou professora na rede pública de ensino, em que provocou a própria estrutura.
“Quando entramos na escola, a nossa cultura não é levada em conta (…) A primeira coisa que temos contato nesse mundo é com a cultura de nossos acolhedores”
Maria Vilani
Vilani também transformou sua própria casa em um espaço educacional. Mudou-se para os cômodos da frente, ainda em construção, para usar os quartos do fundo para desenvolver um trabalho com crianças de 04 a 06 anos de idade. E nas festinhas mês sim, mês não, as mães levavam bolos e salgados. Os pratos eram cobertos como panos de pratos bordados à mão, com muitas cores. “Eu eu falei: isso aqui é arte”, recorda-se.
Vilani criou um grupo de artesanato com essas mulheres e organizou uma feira, em que conseguiu reunir 36 artesãos. Era muita gente. E por isso, pensou: seria bom ter um palco ali com apresentações artísticas.
Mas aonde encontraria esses artistas? Então, mandou fazer uma placa pra pendurar no portão com um chamado: “Precisa-se de poetas”. E eles apareceram: 28 ao todo. “E aí eu descobri que tinha artistas demais no Grajaú”.
Assim, nasceu em 1990 o Centro de Arte e Promoção Social do Grajaú – CAPSArtes, um espaço pioneiro que garante o direito à cultura em uma época em que os direitos mais básicos como educação, saúde ou moradia eram ainda mais violados que nos dias de hoje.
No CAPSArtes, as reflexões e produção de conhecimento se concretizavam: ao perceber que o Grajaú eram um bairro dormitório, já que os trabalhadores e as trabalhadoras passavam a maior parte do dia no serviço ou no transporte coletivo, Vilani e seus companheiros da cultura começaram a intervir.
Ela lembra que alguns dos poucos momentos em que as pessoas se divertiam era em época de comício eleitoral, quando aconteciam shows e carreatas. A partir desse exemplo, começou a Carreata Poética, em que poetas seguem de carro parando em locais estratégicos para declamar seus versos. E estacionam para seguir com uma procissão poética. A primeira edição, em 1992, homenageou a poesia; e a última, agora em setembro de 2019, fez reverência à literatura de cordel.
Fruto dessa mobilização pelo bem comum, Maria Vilani conseguiu reunir ainda mais gente em torno dessa causa.
Hoje, o CAPSArtes oferece oficinas de escrita criativa; rodas de conhecimento sobre psicologia, educação, história da mulher; café filosófico; roda de poesia; e uma série de outras atividades que acontecem semanalmente próximo à estação Primavera-Interlagos da linha 9-Esmeralda da CPTM.
O CAPSArtes já formou e revelou diversos escritores. A própria Vilani já publicou 06 livros e participou de 08 coletâneas, sendo sua primeira publicação aos 41 anos, chamada “Cinco Contos Sem Desconto e de Quebra Dois Poemas” (1991). O livro mais recente, “Abscesso”, foi recém-lançado e traz reflexões sobre a situação política e o medo social.
Hoje, em busca da cura para essa dor, ela convoca outros artistas e ativistas locais para sensibilizar a população regando novas perspectivas de futuro.
Redação PEM
3 Comentários
[…] nas letras de rap. Criamos uma identidade a partir dos Racionais, olha só. Em 1990, a escritora Maria Vilani ousou fazer arte quando isso nem era reconhecido como direito. E Sérgio Vaz e tantos outros poetas […]
[…] E pra fechar o fim de semana, no domingo (16/02), acontece o Sarau das Mina com a participação do Sarau das Américas e o lançamento de “Abcesso”, novo livro da escritora Maria Vilani. […]
É muito importante isso que Maria Vilani nos diz: temos que refletir sobre o tema da “justiça curricular”,
como faz a socióloga Raewyn Connell: https://docplayer.es/4631916-Escuelas-y-justicia-social-r-w-connell-madrid-morata-1997.html