A praça nos arredores da Arena Poringá, conhecida como Campo da Portuguesa, é uma parada obrigatória para Paulo Rian, de 8 anos. Leitor assíduo, o menino passa no local todos os dias depois da escola.
Localizada no Jardim Ingá, região do Campo Limpo (zona Sul de São Paulo), é lá que fica a Geloteca Comunitária, iniciativa social de estímulo à leitura.
“Eu falo para as crianças que (através da leitura) elas podem descobrir novos mundos que são muito legais!”, diz Paulo Rian.
Luana Cruz, de 28 anos, é mãe de Paulo e celebra o interesse dele pela leitura – algo que, diante de um contexto de hiperconexões, tem se tornado cada vez mais raro no Brasil.
De acordo com a 6ª edição da Retratos da Leitura no Brasil, pesquisa que avalia o comportamento de pessoas leitoras no País, mais da metade da população brasileira não lê livros.
O levantamento, divulgado em novembro de 2024, indica que no período de um ano houve uma redução de 6,7 milhões de pessoas leitoras, com quedas em todas as classes, faixas etárias e escolaridade. Pela primeira vez na série histórica da pesquisa, a proporção de não-leitores (53%) é maior do que a de leitores (47%) na população brasileira.
Por isso, a Geloteca Comunitária tem uma importância ainda maior.
O projeto é uma iniciativa de Regiane Jacinto, estudante de Psicologia de 35 anos e moradora da região do Campo Limpo. O objetivo é estimular a leitura e promover o senso de pertencimento para a comunidade local.
Democratização
Instalada na praça, que é uma alternativa para ter um ‘respiro’ da internet, a Geloteca está em funcionamento há dois anos e tem se consolidado cada vez mais no coração das pessoas que frequentam o espaço.
“As pessoas tinham muita resistência [no começo]. Toda semana tinha uma parte da geladeira jogada por aí, até chegar ao ponto de precisarmos trocar a geladeira. No ano passado, os livros sempre estavam rasgados ou jogados. Mas hoje a gente percebe que estamos precisando fazer a reposição dos livros, porque eles estão circulando”, conta Regiane.
De vez em quando, ocorrem eventos de doações de livros, contações de história, brincadeiras e danças de roda, sobretudo a partir de parcerias com a Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino, que fica no Jardim Olinda (também no Campo Limpo). O restaurante localizado em frente à praça e uma outra empresa também colaboram.
Regiane comemora a participação da comunidade nas atividades e na manutenção do espaço, sendo um trabalho realizado por várias mãos.
Outro ponto que foi determinante para a iniciativa tomar forma é a falta de equipamentos públicos de qualidade que fomentem a leitura. Muitas vezes, isso fica limitado às bibliotecas das escolas municipais e estaduais, que só podem ser utilizadas por curtos períodos de tempo e com circulação restrita a estudantes.
O Plano Municipal do Livro, Leitura, Literatura e Biblioteca (PMLLLB) é uma política pública que, em tese, poderia apoiar, integrar e expandir ações como a da geladeira de livros para valorizar ações de base e garantir o acesso à leitura como um direito e ferramenta de desenvolvimento social.
“A importância da geladeira é justamente democratizar o acesso ao livro, não só para as crianças, mas para as pessoas que frequentam a praça e utilizam esse espaço como um lugar de convívio. É um algo a mais para essas pessoas, e os relatos são muito positivos a partir desse acesso democrático, que está aberto 24 horas por dia para quem quiser”, completa Regiane.
Novos mundos
Há quatro anos, Paulo Rian se mudou com a família do Ceará para o Jardim Ingá, em São Paulo. O gosto por livros veio com ele na bagagem.
“Desde os 2 anos eu percebi o interesse pela leitura, porque eu comprava brinquedos, carrinhos, super-heróis e ele não se animava muito. Mas quando eu dava livros ele passava horas folheando, entretido”, lembra a mãe Luana.
“Com isso passei a incentivar, comprar livros, ler com ele, e só aumenta mais essa paixão pela leitura. Isso até nos incentiva mais a ler. Às vezes, pela correria do dia, a dia a gente quase não pega um livro. Ver ele pegando livros e lendo incentiva mais a gente”, continua ela.
Paulo aprendeu a ler de forma autodidata aos quatro anos de idade. Desde então, os livros têm aberto novas possibilidades para ele e sua família.
Com apenas 8 anos, Paulo já produziu e ilustrou quatro livros. As criações são fortemente influenciadas pela literatura de cordel, típica do Nordeste, repleta de canções, parlendas e reflexões que atraem pessoas de todas as idades.
Apesar de gostar muito de escrever, Paulo gosta ainda mais de fazer ilustrações, que aprendeu aos 6 anos de idade.
“Ele se inspira nos desenhos, se baseia e cria os personagens e a própria história dele. A Regiane viu, teve a ideia de fazer um lançamento simbólico do livro dele e aconteceu. Ele ficou muito feliz e nós ficamos orgulhosos”, conta Luana.
O evento simbólico de sua última produção aconteceu na Geloteca e marcou a memória da família e também de Regiane.
“Foi muito divertido, eu apresentei o meu livro pra todo mundo. Eu gosto muito daqui”, termina Paulo.