Voltar a ter uma cidade governada pela esquerda oito anos depois da saída do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) ou ingressar no quarto mandato seguido da centro-direita?
Para integrantes de redes, movimentos e coletivos que atuam e lutam por direitos em periferias de São Paulo, a resposta parece óbvia: na disputa para a Prefeitura entre Guilherme Boulos (PSOL) e o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), a melhor opção seria o deputado federal é oriundo do movimento de moradia.
Ninguém tá iludido ou “de chapéu”: Boulos é escolhido porque teria mais disposição para ouvir e atender algumas demandas, segundo esses grupos.
“Lutar para que a periferia seja centralidade na gestão pública municipal é e sempre foi a ordem do dia dos movimentos periféricos”, destaca o Movimento Cultural das Periferias (MCP).
Às vésperas do segundo turno, no próximo domingo (27/10), a Periferia em Movimento conversou sobre cenário político, prioridades e expectativas com pessoas de diferentes frentes de atuação, em especial na zona Sul. Confira a seguir!
Políticas de verdade
“A gente vai ter que continuar lutando pelo mínimo e pensar em outras formas de como a gente vai ser escutado. Por mais que a gente tenha conseguido eleger pessoas periféricas, elas são poucas para uma grande corja que só pensa em se promover”, aponta a Laís Guimarães, que mora no Jardim Gaivotas (no Grajaú, Extremo Sul) e coordena a Roda de Afetos da Associação Imargem.
A educadora observa que o fortalecimento de parlamentares de direita nas quebradas influencia na indicação de quem ocupa cargos comissionados, como espaços de cultura ou da saúde – e isso tem impacto direto nos territórios.
“O que deveria ser prioridade são as políticas públicas que estão sendo sucateadas, da assistência, da cultura, que tem sido violada de diversas maneiras”, completa ela, que também faz parte da Rede Fundão do Grajaú.
Do outro lado da zona Sul, Edijane Alves segue um raciocínio similar. A assistente social do Capão Redondo também se preocupa com a eleição de candidaturas reacionárias para a Câmara Municipal, apesar dos mandatos de pessoas periféricas.
“Nossa expectativa é que São Paulo tenha uma gestão progressista que olhe para as demandas da periferia e seja propositivo com nossas demandas, que garanta a participação social e que tenhamos a atenção do poder público para efetivação das políticas sociais para garantir que as necessidades das periferias sejam atendidas”, observa Edijane Alves, que faz parte da coletiva de mulheres Periferia Segue Sangrando.
Para Bianca Pereira, da Biblioteca Comunitária Djeanne Firmino, o cenário é desafiador mas confia na volta da esquerda ao poder municipal. “O atual prefeito está aí há 3 anos e nada fez para o povo periférico, que vem sofrendo com aprecarização na saúde, transporte, moradia e educação (…) Se esse prefeito continuar, sua prioridade será de beneficiar seus compadres e não a periferia”, opina ela, que atua no projeto do Jardim Olinda (zona Sul).
Por mais cuidado
As gestões de Ricardo Nunes (MDB) na Prefeitura e de Tarcísio de Freitas (Republicanos) no governo estadual são marcadas por privatizações e descaso que “colocam vidas em risco”. Essa é a avaliação de Danielle Vieira, educadora da Rede Emancipa, movimento popular que mantém cursinhos em diferentes periferias paulistanas.
“O Grajaú, por exemplo, tem apenas um CRAS (Centro de Referência em Assistência Social). Os serviços públicos estão abandonados. É necessário termos um prefeito presente, que promova o fortalecimento dos serviços públicos”, diz Danielle Vieira, que é historiadora e mora na região Extremo Sul.
Ela defende o enfrentamento à emergência climática, a expansão da Tarifa Zero no transporte e a criação de políticas de educação, como o Mutirão Paulo Freire para zerar o analfabetismo. Sem expectativas para uma nova gestão de Nunes, ela tem otimismo (com críticas) a Boulos.
Já a psicóloga Gabriela Galvão acredita que o candidato do PSOL tem mais propostas que levem em conta o cuidado com a população, especialmente na educação e na saúde, apesar de equívocos.
“Ter um psicólogo em cada escola não vai resolver os problemas, mas ajuda a pensar mais nas questões de saúde mental e que podem contribuir com cuidado da população”, diz ela.
Por outro lado, uma proposta que passa longe das campanhas de ambos os candidatos a prefeito é a redução de danos no uso de drogas.
“A galera foca muito no local que chamam de ‘Cracolândia’. Mas nas periferias a gente vê um uso muito intenso de substâncias, com muitos adolescentes fazendo uso de drogas K, e é uma prioridade pensar o cuidado e a atenção numa perspectiva de redução de danos”, diz Gabriela, que trabalha em um serviço de saúde mental e é membro do Fórum de Drogas e Direitos Humanos do Grajaú.
Disputar o poder
Silvana Garcia tentou ser uma periférica na Prefeitura, mas não conseguiu. Moradora e integrante da diretoria da Associação da Ocupação Jardim da União, no Extremo Sul de São Paulo, ela se candidatou a vice-prefeita com Altino Prazeres (PSTU). A chapa teve apenas 3.017 votos e declarou apoio crítico a Boulos para derrotar Nunes.
“Nunes é representante de Bolsonaro na eleição e já governa a serviço dos bilionários (…) Agora, Boulos representa o governo federal e por isso o projeto político dele não vai responder as necessidades da classe dos trabalhadores”, diz ela, que milita no movimento de moradia Luta Popular e faz parte da executiva da CSP Conlutas.
Para Silvana, o “centrão” e a extrema-direita saem fortalecidos do primeiro turno, favorecendo projetos de privatização da saúde e educação, como já aconteceu em setores como a energia, a água, o serviço funerário e os meios de transporte.
“Temos que organizar nossa luta de forma independente: reestatizar a Sabesp e a Enel é uma luta muito importante, assim como derrotar o arcabouço fiscal que limita os gastos sociais”, completa Silvana Garcia.
A percepção geral é de que a direita veio mais organizada nas quebradas, com candidaturas e mandatos articulados com associações de bairros e igrejas – o que gera dificuldades no diálogo.
“As lutadoras e os lutadores nas periferias não estão conseguindo se conectar com as pessoas que fazem trabalhos precarizados via aplicativos, que se esforçam muito de forma individual e por meio de uma vivência muito voltada para a prosperidade”, avalia Marcos José, presidente-diretor do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular – CDHEP Campo Limpo.
Por outro lado, ele nota que várias lutas estão avançando e que os movimentos continuam sim pautando as políticas territoriais. Uma recente conquista é a expansão dos Institutos Federais para as quebradas, como Cidade Tiradentes e Jardim Ângela.
“Os movimentos sociais e populares precisam manter uma parceria e pressão de modo crítico com a Prefeitura para assegurar a implementação desses programas”, diz Marcos.
O Movimento Cultural das Periferias (MCP), que reúne coletivos e agentes culturais nas bordas da cidade, defende a eleição estratégica de Boulos. Mais do que isso, o MCP quer a disputa do poder pelas próprias quebradas.
“É urgente o protagonismo periférico dentro da política institucional para gerar mudanças estruturais, que sabemos que nunca virão da parte daqueles que aprofundam as desigualdades e atualizam a manutenção de seus privilégios”, diz o grupo em nota enviada à reportagem. Leia na íntegra aqui.
Essa disputa ocorre com as candidaturas periféricas individuais ou coletivas, como as apresentadas nos últimos anos; ou na discussão do orçamento e reivindicação das emendas parlamentares, ultimamente alardeadas pelo uso por partidos do “centrão” e da extrema-direita.
“Queremos receber e vamos cobrar. Nossa memória é viva! Vamos construir o Quilombo dos sonhos do povo! Nossos passos vêm de longe, é nós por nós, sempre”, finaliza a nota do MCP.
Arte: Rafael Cristiano
Thiago Borges, Rafael Cristiano