Por André Santos. Edição de texto: Thiago Borges. Produção audiovisual: Pedro Salvador. Arte: Rafael Cristiano
Ana Giulia Cecotti, atualmente com 26 anos, é funkeira desde criança. Nascida e criada no Jardim Miriam (zona Sul de São Paulo), a jovem entende o gênero musical como parte fundamental no processo de construção de sua própria identidade e visão de mundo.
“Eu sou filha de funkeira. Minha mãe, desde pequenininha, ouvia muita música periférica, então eu cresci ouvindo funk, rap e pagode. Ela me ensinou a ouvir o que até hoje toca dentro da periferia, que também é o que toca dentro de mim. São meus três estilos musicais favoritos e que acabam norteando muita coisa dentro de mim”, conta Ana Giulia.
Formada em Relações Públicas e pós-graduada em Gestão de Projetos Culturais e Organização de Eventos pela USP, hoje a jovem trabalha com captação de recursos na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Ana Giulia é a última das entrevistadas pela Periferia em Movimento na série de entrevistas “Quebrada Decide”, que busca mostrar a compreensão de pessoas periféricas sobre política, território, religião e identidade. Assista abaixo:
Funk e identidade
Para Ana Giulia, o funk é um dos gêneros musicais mais influentes do Brasil e abrange diversos aspectos importantes para a juventude periférica, principalmente em relação à identidade, autoestima e acesso ao lazer.
Além disso, a jovem pontua que o movimento tem passado por transformações positivas com o tempo, tanto em sonoridade quanto na diversidade de corpos que fazem parte da cultura de uma maneira geral – mulheres, pessoas LGBTQIAPN+ e de fora do eixo Rio-São Paulo. Essas mudanças indicam um futuro com maior pluralidade dentro de um movimento que, historicamente, é atrelado ao machismo.
Apesar desses avanços, Ana Giulia acredita que é injusto cobrar um pensamento político em relação às produções e ao público, uma vez que boa parte de quem consome o gênero musical foi negligenciada em diversas esferas sociais, principalmente no acesso à educação de qualidade.
Para ela, é necessário fazer a informação chegar ao público do funk, mas respeitando seus recortes sociais e individualidades. Outro ponto que a jovem destaca é em relação a uma ideologia meritocrática e de crescimento individualizado que se faz presente nas periferias, sem que haja um modo de pensar coletivamente e em comunidade.
“Ao mesmo tempo que isso acontece, na minha opinião é injusto julgar essas pessoas por isso, porque cada uma tem um contexto muito diferente, e na maioria das vezes muito difícil. O Mano Brown fala que ‘cada favelado é um universo em crise’ e de fato é. Acho que todos os julgamentos precisam ser muito individualizados, tentar entender os recortes daquela pessoa e trazer pra perto do movimento de uma forma que realmente agregue e não afaste, não exclua”, pontua.
Visão de mundo
“Eu sou funkeira, então a minha visão de mundo já vem com essa ‘lupa’. Apesar de ter muito orgulho de quem eu sou e ter muito orgulho de onde eu vim, o mundo sempre me condiciona a ter esse medo. Será que eu estou fora do meu lugar? Será que meu lugar é aqui?”, questiona Ana.
Parte dessas inseguranças se deve ao descaso do poder público com territórios periféricos. A falta de acesso e dificuldade em conseguir oportunidades, além da ausência de políticas públicas para determinados grupos sociais, condicionam a uma situação de negligência e abandono.
“Eu sinto minha quebrada cada vez mais abandonada, e abandonada por todo mundo”, diz.
A jovem cobra uma participação mais ativa de parlamentares nesses territórios, uma vez que são estes os responsáveis por promover mudanças efetivas para a população.
Em relação ao movimento funk, que carrega um alvo enorme nas costas e sofre, ela entende que faltam incentivos culturais e políticas públicas que garantam a segurança do público, composto majoritariamente pela juventude. Ainda assim, celebra o avanço de políticas de enfrentamento, como a Frente Parlamentar do Funk, às diversas formas de violência que o movimento enfrenta.
“Meio que não dá mais pra correr do tamanho que o funk se tornou, não dá mais pra fechar os olhos pra isso, fazer operação em baile e fingir que ninguém tá vendo. Então acho que chegamos num momento onde é necessário que essas políticas públicas olhem para esse movimento”, conclui.
André Santos, Pedro Salvador, Thiago Borges, Rafael Cristiano