Candidaturas precisam traduzir angústias das periferias em propostas nas eleições

Candidaturas precisam traduzir angústias das periferias em propostas nas eleições

Socióloga e pesquisadora Anabela Gonçalves analisa como mudanças globais afetam territórios e de que forma as eleições municipais devem pautar isso

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Moradora da região do Jardim São Luís, periferia da zona Sul de São Paulo, Anabela Gonçalves dedica mais de 20 dos seus 42 anos de idade a ações ligadas à cultura, sociedade e coletividades nesse território. Socióloga de formação, a pesquisadora tem uma trajetória ligada a diversas organizações, como o Bloco do Beco e a Fundação Julita, além de manter uma coluna de opinião no portal de notícias Desenrola e Não Me Enrola.

Anabela Gonçalves (foto: Arquivo pessoal)

Anabela Gonçalves (foto: Arquivo pessoal)

Em uma série de entrevistas com especialistas periféricas sobre temas relevantes para as quebradas em 2024 (clique para ler), a Periferia em Movimento falou com Anabela sobre como a política institucional deve se apropriar das angústias da população e trazer propostas efetivas neste ano de eleições municipais. Confira os principais trechos:

O cenário na quebrada – “As temáticas que têm afetado o grande discurso social – crise climática, tecnologia e as disputas políticas institucionais – ainda não estão pautadas no cotidiano periférico (…) Esse impacto está presente, mas muitas vezes não é nomeado. E diante de tantas questões que a periferia vive, às vezes é difícil nomear. Conectar que a fome tem relação com as políticas públicas, que a atual crise do trabalho e a crise alimentar que nós temos vivendo têm a ver com nossas escolhas políticas é algo que para muita gente isso faz todo sentido, e para muita gente é um repertório distante.

É muito difícil olhar e falar assim ‘tá faltando água três vezes por semana na minha casa porque a gente tá vivendo uma grande crise climática, um super aquecimento’ (…). A gente vê na periferia uma invasão de grandes empreendimentos, de prédios, e tudo isso tem um grande custo pro meio ambiente.

(…) A vida continua, os planos de trabalho, os planos sociais continuam iguais como se nada estivesse acontecendo. Então, é muito difícil para a população sentir todo esse processo se só se fala e não existe uma ação de mudança prática disso.

Ao mesmo tempo em que a gente tem todo esse descompasso, a gente tem também hortas comunitárias nascendo, a gente vê pessoas pensando que tipo de ações a gente pode ter, principalmente coletivos e organizações sociais. Mas ainda é muito tímido o que a gente tem, mesmo em nosso território que tem uma grande área de proteção ambiental e que (…), apesar de tudo isso, está sendo entregue à especulação imobiliária”.

Avanço tecnológico, especulação imobiliária e ansiedade – “A tecnologia, para mim, ainda é um grande arranjo de desigualdade, porque ao mesmo tempo em que a gente tem aí um crescimento desse mercado e todo mundo tem celular na mão (…), a gente tem uma galera que não tem internet em casa, que não consegue mobilizar essa tecnologia a favor do seu desenvolvimento educacional e profissional.

E isso tem a ver com política pública. Nos últimos anos a internet se tornou um bem altamente necessário, como a luz, como gás, e o governo ainda age como se fosse uma questão do setor privado, não do setor público. É um descompasso político, um descompasso social. Até para essas informações sobre políticas chegarem, é necessário que essa internet chegue para todes.

Anabela Gonçalves em trio elétrico do Bloco do Beco durante carnaval (Foto: Maloka Filmes)

Anabela Gonçalves em trio elétrico do Bloco do Beco durante carnaval (Foto: Maloka Filmes)

(…) Nada angustia mais a quebrada do que o desemprego, né? A gente tem uma população intermediária que acessa a internet e vê surgindo novos cursos, novas possibilidades e não consegue acessar isso a partir do seu território, tendo que fazer grandes deslocamentos. Acho que isso causa um grande desespero.

A superlotação das regiões, o grande crescimento dessa especulação imobiliária, o crescimento de prédios nas periferias têm me dado um pouco de ansiedade, porque ao mesmo tempo em que crescem essas questões de moradia a gente não vê crescer outras políticas públicas.

(…) Existe um olhar higienista sobre uma região que, quando ela conquista alguns tipos de desenho social, ela se torna uma região mais valorizada. E aí quando a gente fala de desenho social, a gente não tá falando de uma praça, de uma árvore, outros tipos de beleza. A gente tá falando de prédios, calçadas, de shopping, de tudo muito higienizado.

E isso vai aumentando os preços dos valores de moradia, empurrando a gente não sei para onde, porque não existe mais ‘fundão’. Para onde vamos? Essa é a pergunta. O que faremos? Cada vez é mais caro morar na nossa região, no nosso território, onde a gente construiu história e vínculo. E quando a gente se desloca para uma região que a gente não tem história e vínculo, isso de certa forma desestrutura a nossa rede de proteção, desestrutura nossa rede de valores construída a partir do território e a nossa possibilidade de acesso, muitas vezes”.

Eleições municipais e política institucional – “Eu não não acredito, e talvez esteja sendo um pouco pessimista, que nessa campanha municipal vá surgir alguém com força e com vontade suficientes de propor reais mudanças necessárias nessa cidade, como repensar as áreas de proteção; como a gente se conecta com as populações indígenas para que consiga enfrentar a crise climática a partir da inteligência de povos que enfrentaram várias crises e guerras dentro desse país; como trabalhar a economia sem fazer disso uma forma de retroalimentar o capitalismo, mas de devolver para a população os investimentos sociais já feitos há tantos anos, né?

Eu tenho muita dificuldade de pensar as coisas meio recortadas (…) A gente vai escolher aí um candidato para o municipal, mas no estado continua sendo o mesmo. É terrível o que a gente tem vivido com políticas destruidoras, com retiradas de dinheiro [no governo estadual], e a gente olha para o município e vê secretarias que não conseguem executar o orçamento.

Muros disputados por candidaturas nas últimas eleições (foto: Pedro Salvador)

(…) O momento é de grande confusão, porque toda vez que a gente tem um governo [federal] supostamente democrático e a vê que não consegue vencer as políticas destruidoras da direita que antecederam e que continuam sendo realizadas a partir do Senado, de Câmaras etc, isso nos promove um certo desespero, né? Porque,  no fundo, todo mundo quer uma grande transformação social, e aí a gente não consegue ver isso.

É um momento difícil a nível mundial que tá aí  e não nos deixa mentir, mas também muito forte no nosso território.

Para mim, o que vai ter grande atenção nas eleições municipais são essas pautas, como a tecnologia como política pública; a emergência climática como ferramenta para pensar moradia, educação e transporte público, pautada nesse âmbito que é a emissão de gases, em como vamos morar e o impacto da especulação imobiliária nesse meio ambiente periférico; pensar na nossa educação, de como interagir com a educação para que a gente forme pessoas, porque esse foi o problema da esquerda brasileira, que não formou pessoas. Formar é fundamental, senão a gente não vai chegar em lugar nenhum”.

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