Por Elaine dos Santos Souza*. Foto em destaque: Pedro Salvador
15 de maio é o dia do Assistente Social no Brasil. Mas quem é o assistente social? Ainda é comum ouvirmos “serviço social”, “assistência social” e “assistente social” como sinônimos.
No entanto, o serviço social é a profissão exercida pelo profissional assistente social. É profissão liberal regulamentada no Brasil desde 1957 (Lei Federal nº 3.252, de 27 de agosto de 1957) e pelo decreto nº 994, de 15 de maio de 1962, sendo a hoje regulamentada pela Lei Federal nº 8.662 de 1993.
A Assistência Social é a política pública de seguridade social não contributiva, garantida na Constituição Federal de 1988.
E assistente social é como chamamos o profissional formado em graduação em Serviço Social e inscrito no conselho de categoria para o exercício legal da profissão, mas ainda é frequente pensarem que para ser assistente social não precisa estudar, porque “só entrega cesta básica” e/ou “ajuda as pessoas”.
Esses equívocos têm raízes na história da profissão, que no Brasil iniciou com as damas da caridade ligadas à Igreja Católica, que faziam uso de métodos que colaboraram para perspectiva da pobreza e desigualdade como um problema individual e não social e político.
Foi somente em 1979, durante a ditadura militar, que no III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), que ficou conhecido como “Congresso da Virada”, a profissão rompeu com o conservadorismo e assumiu o compromisso com a classe trabalhadora em um contexto que a questão social era vista como problema de polícia.
Compromisso com a classe trabalhadora
O serviço social orienta-se por um projeto Ético-Político-Profissional, instrumento construído por contribuições de diferentes gerações, sujeitos e coletivos profissionais, pautado em três dimensões: Lei de diretrizes e bases, código de ética e a lei que regulamenta a profissão.
Como todo projeto profissional, portanto toda prática profissional, tem uma dimensão política. Mas a prática profissional do serviço social está inserida na sociedade capitalista e é pautada em contexto de contradições em que a autonomia profissional está inserida nas estruturas e organização do trabalho de quem a contrata.
Um exemplo disso é o assistente social trabalhador das organizações que executam a política de assistência social do município de São Paulo, ou seja o assistente social trabalhador do SUAS (Sistema Único de Assistência Social)
Quando pensamos o projeto Ético-Político-Profissional do serviço social inserido na sociedade capitalista, é necessário fazer uso das suas dimensões, que evidenciam a necessidade de a prática profissional direcionar para a supressão de todos os processos de opressão, desigualdade, exploração e alienação.
Pobreza e fome pressionam serviços de Assistência Social nas periferias
Luta por direitos
Além de ser o mês que marca o dia do assistente social, maio é também um mês de importantes lutas de necessidade, inserção e articulação dos assistentes sociais como as lutas dos dias 13 e 18 de maio.
O dia 13 de maio de 2024 completa 136 anos de assinatura da Lei Áurea, que legalmente abolia a escravidão no Brasil, que tristemente foi o último país da América a abolir a escravidão, e o fez por interesses políticos e econômicos, como mostra a análise aprofundada do Projeto Querino, um podcast com uma linguagem acesso que indico a escuta.
As condições que não foram ofertadas para a população negra na falsa abolição, bem como o protagonismo da ação da tal princesa Isabel, ocultando inclusive a organização e a resistência do povo negro, são assuntos férteis para o assistente social trabalhar no mês de maio, seja com o público que atende em serviços, programas ou projetos ou na iniciativa privada.
Como profissional pesquisadora e atuante do SUAS e pesquisadora do SUS, penso que o dia 18 de maio é um dia de duas importantes lutas, não só para os assistentes sociais mas para todos os profissionais que estão inseridos nas políticas de seguridade social SUAS e SUS. É nesta data que fazemos alusão à Luta Nacional contra o Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes e é também o Dia Nacional da Luta Antimanicomial.
Ainda que exista um arcabouço legal de proteção a crianças e adolescentes como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente – 1990), Convenção internacional sobre os direitos da criança (1990), Lei da Palmada ou Lei Menino Bernardo (2014), Plano Nacional de enfrentamento ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, a violência sexual contra crianças e adolescentes ainda é uma prática constante no Brasil.
É importante destacar que tanto no abuso quanto na exploração sexual, ocorre a violência sexual, ainda que a criança ou o adolescente não tenha tido contato físico com o abusador, tendo em vista que colocar uma criança e adolescente sobre exposição de cenas erotizadas, sexuais, utilizando por exemplo de sua imagem para promover pornografia on-line ou aliciamento, configura-se violência sexual, portanto violação grave do direito humano da criança e adolescente.
No dia 18 de maio ocorrem ações por todo Brasil da campanha nacional de mobilização para o enfrentamento desta violência, que tem como nome “Faça bonito – Proteja nossas crianças e adolescentes’’, convocada pelo Comitê Nacional de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes, Rede Ecpat Brasil e parceiros.
A campanha dispõe de um site com materiais e referencias de apoio para o trabalho sobre o tema com crianças e adolescentes, que pode ser trabalhada por diferentes profissionais, mas também pela família, incluindo referências de materiais com linguagem para criança da primeira infância, considerando a educação sexual uma ferramenta necessária e fundante para o enfrentamento desta violência.
No processo de denúncia desta violência, além do sistema judiciário e dos cuidados em saúde promovido pelo SUS, em São Paulo há os serviços de convivência e fortalecimento de vínculos (SCFV) pertencentes ao SUAS. Crianças e adolescentes vítimas de violência sexual devem fazer parte do público prioritário desses serviços, sendo de fundamental importância que ambas as políticas (SUS e SUAS) mas também a educação e família possam ser aliados no enfrentamento à violência sexual tendo em vista o disposto no ECA, que considera crianças e adolescentes como prioridade absoluta, sendo a sociedade, a família e o Estado responsáveis por sua proteção.
Já a luta antimanicomial é fruto do movimento de Reforma Psiquiátrica que se iniciou no final da década de 1970 no Brasil, em um momento de lutas para a necessária redemocratização, com duas frentes de organização e luta de trabalhadores fundamentais para a data: o encontro de Bauru (1987), em que trabalhadores saíram às ruas pedindo uma sociedade sem manicômios; e a I Conferência Nacional de Saúde mental, que ocorreu no mesmo ano no RJ, e que tinha entre os tema a reforma sanitária e a reorganização da saúde mental.
Somente 24 anos depois é que o Brasil define pela Portaria GM/MS 3.088/2011, incorporada na Portaria de Consolidação 03/2017, a instituição da RAPS (Rede de Atenção Psicossocial), que tem como uma das diretrizes o respeito “o respeito aos direitos humanos, garantindo a autonomia e a liberdade das pessoas’’. Com a RAPS, o atendimento em saúde mental passou a ser realizado pelo CAPS (Centro de Apoio Psicossocial) e pela Atenção Primária em Saúde (APS). No entanto, a quantidade de serviços ainda é insuficiente para atender a demanda de sofrimento psíquico no Brasil.
Quem faz a assistência?
É histórico que a teoria marxista teve importantes contribuições na formação do serviço social brasileiro, mas é preciso compreender a teoria de Marx em seu tempo histórico e usar da dialética para compreender a necessidade de pautar a formação e ação profissional com o apoio de outras teóricas contemporâneas.
O serviço social é majoritariamente formado por profissionais mulheres, e arrisco dizer que profissionais negras, a exemplo do SUAS em São Paulo, que tem em sua grande maioria trabalhadoras operacionais mulheres e negras, que cuidam da alimentação, limpeza e manutenção dos diferentes serviços socioassistencial.
A Assistência Social é uma política pública para quem dela precisar, também atende uma população majoritariamente negra. Não sendo natural que a população negra seja a maior usuária dessa política, considero portanto necessário recorrermos aos estudos contemporâneos, a exemplo de interseccionalidade e os estudos sobre o sistema prisional da doutora e Assistente Social Carla Akotirene. Ao contrário, não vamos compreender que racismo, machismo, heterocisnormatividade também produzem adoecimento e desigualdades. Ou seja, não vamos implementar o nosso projeto Ético-Politico.
Sobre a autora
*Elaine dos Santos Souza é moradora do Grajaú (Extremo Sul de São Paulo), filha da dona Edna e do seu Francisco, uma mulher negra de Oxum. Tem Graduação e Mestrado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC -SP). Psicanalista em formação no Instituto SEDES Sapientiae
Colaboração