Por Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano
Um card com balões de festa, o logo da Prefeitura de São Paulo e um “parabéns” circula pelas redes sociais de artistas, agentes culturais e coletivos da capital paulista. O texto “celebra” a gestão de Ricardo Nunes (MDB) pelo aniversário recém-completado dos recursos da Lei Paulo Gustavo (LPG) nos cofres municipais.
Faz mais de 1 ano que a administração do atual prefeito e candidato à reeleição recebeu quase R$ 87 milhões do governo federal, via Ministério da Cultura. Os recursos devem ser utilizados para fomentar projetos audiovisuais, como produção de filmes, jogos e projetos relacionados ao cinema, além de apoiar espaços e pontos de cultura, profissionais, mestres e agentes que promovem a cultura na capital paulista, especialmente nas periferias.
Em outubro do ano passado, 13 editais foram lançados pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e pela SP Cine. Enquanto a SP Cine ficou responsável pelos editais do audiovisual, a SMC está à frente de outras linguagens reunidas sob o edital Cultura Viva, que deve contemplar 460 pessoas e iniciativas juridicamente estabelecidas com premiações entre R$ 30 mil e R$ 100 mil cada.
Mas 1 ano depois do dinheiro chegar aos cofres e mais de 9 meses após o lançamento dos editais, a grana ainda parece longe de quem faz a cultura acontecer.
“Isso deveria ter acontecido no final do ano passado, depois passou pra junho, e até agora nada”, observa a música, produtora e pesquisadora Inti Queiroz, que atua como assessora parlamentar da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL) e integra movimentos culturais.
Com vários problemas técnicos e jurídicos, a equipe tem patinado desde o final do processo do edital. Em maio, na primeira lista de projetos pré-selecionados, havia erro na contagem de pontuações.
Outro problema apresentado é a confusão entre pessoas físicas e jurídicas no edital.
Tiely, de 49 anos, inscreveu duas propostas: uma com sua trajetória individual na categoria de agente cultural, e outra enquanto pessoa jurídica, representando o Ponto de Cultura Hip Hop Mulher, do qual é gestor, em São Miguel Paulista (zona Leste).
Apesar de receberem notas altas na avaliação, ambas as propostas foram desclassificadas por um entendimento o agente não poderia ser contemplado 2 vezes.
“Deixaram várias situações com pegadinhas que atrapalharam muitas iniciativas (…) Após recurso e processo consegui garantir minha participação justa no edital”, explica Tiely.
A segunda lista corrigiu antigos mais apresentou novos problemas, ao mostrar proponentes que não atendiam a todos os critérios. Em junho, saiu a lista final, mas a contratação não caminha.
“Esse prêmio tem sido uma dor de cabeça (…) Um dinheiro que serve pra gente se alimentar, se movimentar. Isso é sobre coisas que a gente tá fazendo na quebrada, sempre fez e continua fazendo de graça, de forma precarizada”, desabafa Gracielly Guedes, 28 anos, moradora da Chácara Cocaia, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo).
Gracielly representa a Associação Imargem, que realiza oficinas gratuitas de artes, barco à vela, permacultura e alimentação saudável na região. O Imargem foi contemplado desde a primeira lista e viu o nome subir e descer na classificação ao longo do tempo.
“Enviamos todas as certidões necessárias, mas tivemos bastante dificuldade de emitir algumas. A maior problemática era a falta de contexto e de conhecimento”, explica Gracielly. “Esse é um dos editais mais difíceis de acompanhar e receber, mostrando um total desmonte da secretaria de cultura na atual gestão”
O recurso é fundamental para o Imargem reformar o Ateliê da Margem, no Jardim Gaivotas, com implementação de banheiro acessível para pessoas com deficiência e reconstrução de uma rampa de acessibilidade para o espaço verde da casa.
Lei emergencial?
Batizada em homenagem ao ator Paulo Gustavo, morto em 2021 por complicações decorrentes da covid-19, a Lei Paulo Gustavo (LPG) foi elaborada por agentes culturais no ano de 2021 e aprovada em 2022 com amplo apoio da sociedade civil, da gestão de órgãos públicos de cultura e de parlamentares dentro do Congresso Nacional.
A exemplo da Lei Aldir Blanc de 2020 (LAB 1), trata-se de uma lei emergencial que dispõe sobre “ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia da covid-19”.
Em maio do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva regulamentou a LPG por meio de um decreto e o governo federal liberou R$ 3,8 bilhões para municípios, estados e Distrito Federal investirem na produção de eventos culturais, considerando a proporção populacional de cada localidade.
Por isso, o Estado de São Paulo recebeu a maior fatia, no montante de R$ 350 milhões – e fez uma aplicação questionada pelos movimentos de cultura (leia no link abaixo).
Já a Prefeitura de São Paulo, que administra a maior cidade, ficou com R$ 87 milhões, que chegaram aos cofres municipais em julho de 2023.
“Entre idas e vindas de recursos, a demora persiste mesmo depois do resultado definitivo. E completamos um ano nessa peleja que, como o próprio edital diz, é emergencial. Mas quem está na emergência, basicamente na UTI, é a equipe da SMC. Triste”, reflete Tiely.
Buraco mais embaixo
De todas as pessoas ouvidas para esta apuração, há a convicção de que esse é mais um passo no processo de desmonte de políticas culturais na cidade de São Paulo.
“A equipe do fomento que criou o edital em 2023 foi exonerada no fim do ano passado. O Fomento da SMC ficou sem coordenação por mais de 3 meses (…) A equipe atual do fomento assumiu em abril deste ano, restando bem poucos servidores de carreira com conhecimento prático e técnico”, aponta Inti.
A Frente Cidade SP pela LPG tenta fazer uma “redução de danos” em relação à Lei Paulo Gustavo e reivindica o uso dos rendimentos da conta para contemplar mais pessoas, além da Prefeitura suplementar os recursos em pelo menos R$ 10 milhões para beneficiar mais proponentes.
“Eles alegam que a equipe é pequena para encaminhar todos os pagamentos tanto dos fomentos culturais quanto da LPG. Isso fez com que muitas pessoas, coletivos e espaços vissem desesperados seus nomes subindo e descendo nas listas não definitivas da LPG”, salienta.
Inti cita ainda que os movimentos culturais buscam informações sobre o Plano Nacional Aldir Blanc (PNAB), instituido pelo Ministério da Cultura. E também sobre a implantação do sistema municipal de cultura, obrigatório pela LPG. Se São Paulo não implementar desde já, a cidade pode ser penalizada futuramente em relação aos recursos federais para a área.
A Periferia em Movimento procurou a Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. A matéria será atualizada em caso de respostas.
Thiago Borges, Rafael Cristiano