Envelhecer na quebrada: Pessoas da terceira idade compartilham práticas de saúde mental

Envelhecer na quebrada: Pessoas da terceira idade compartilham práticas de saúde mental

Neste Dia Internacional da Saúde Mental (10/10) e pelo Mês da Valorização da Pessoa Idosa, a Periferia em Movimento aborda o acesso de quem vive a terceira idade nos territórios periféricos em busca de bem estar

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Por Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano

Joana Joselina Marcos não para um dia sequer na semana.

Às segundas, ela faz caminhada e atividade física em grupo na unidade básica de saúde (UBS) do Parque Arariba, zona Sul de São Paulo. Às terças e sextas, tem ginástica no Clube Joerg Bruder, em Santo Amaro. Na quarta, tem reeducação alimentar e grupo de psiquiatria, novamente na UBS. Quinta é dia de encontro de bem estar no postinho. E aos sábados e domingos, tem hidroginástica no Sesc Santo Amaro.

“Se eu não estivesse fazendo essas atividades, acho que nem andava mais porque eu tenho artrose nos dois joelhos e fibromialgia. Como faço as atividades, minhas crises diminuíram uns 50%, porque a fibromialgia é uma doença mental. Meu foco é a saúde”, diz a aposentada de 77 anos.

Joana Jovelina Marcos se aventura na horta comunitária (foto: arquivo pessoal)

Joana Joselina Marcos se aventura na horta comunitária (foto: arquivo pessoal)

A promoção da saúde mental é uma preocupação importante, especialmente nas periferias das grandes cidades, que vivem com o envelhecimento da população. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), o número de pessoas idosas no Brasil chegou a 31,2 milhões (o equivalente a 14,7% da população) em 2021. E até 2050, a expectativa é de que esse número seja o dobro.

Em um projeto multiprofissional, com a participação de grupos de pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e pessoas idosas de uma comunidade de Porto Alegre, constatou-se que nessa faixa etária há altos índices de depressão (30%), ansiedade (9%), alcoolismo (6,5%) e risco de suicídio (15%). Entre fatores sociais e emocionais, estão as perdas de capacidade física, sentimentos de inutilidade ou inadequação e a aposentadoria.

Joana não deixa brecha para isso.

Aposentada há 20 anos, divorciada e sem filhas ou filhos, ela mora sozinha e ocupa a rotina com os afazeres de casa e passeio com amizades. As atividades têm muita importância em sua vida. Agora, ela se aventura no plantio em uma horta comunitária.

Boa parte dessas atividades acontecem na UBS do bairro. Além de fortalecer os vínculos comunitários entre as pessoas participantes, que muitas vezes vivem ou passam boa parte do dia sozinhas, as ações permitem às equipes acompanhar de perto os cuidados com a saúde física e mental.

“Se eu faço tudo isso que eu faço é porque eu amo a vida, eu me amo e quero viver. Como quero viver se não cuido da minha cabeça em primeiro lugar e, em segundo, do físico? Isso é receita para depressão, para atrofiar a musculatura, para não andar”, completa Joana.

Deus, Nossa Senhora e o postinho

Maria Eustáquio brinca em passeio no parque (foto: arquivo pessoal)

Maria Eustáquio brinca em passeio no parque (foto: arquivo pessoal)

Do outro lado da zona Sul, no Jardim Varginha, Maria Eustáquio também encontrou um porto seguro na UBS do território. Com hipertensão e desenvolvimento de quadros de ansiedade, depressão e síndrome do pânico, a aposentada de 65 anos toma diferentes medicamentos, como clonazepam, sertralina, captopril, entre outros.

“Eles são muito atenciosos, se preocupam com nossa saúde, vêm na nossa casa saber se estamos tomando o remédio certo e procuram fazer alguma coisa boa pra nós”, ressalta Maria Eustáquio.

Mãe de 10, ela mora em uma casa no mesmo quintal que uma das filhas, ajuda a cuidar de uma neta e é frequentadora assídua da igreja católica. Mas as atividades no posto, como os passeios e piqueniques em grupo e as rodas de conversa, são essenciais para ela se reconhecer como um indivíduo.

“Eu agradeço a Deus e a Nossa Senhora todos os dias por esse grupo, porque muitos idosos estão abandonados. Antes eu também me sentia muito abandonada, não tinha com quem conversar sobre minha dor. Se não tivesse esse grupo, a gente poderia até morrer, porque a tristeza acaba com a vida da gente”, ressalta Maria Eustáquio.

Convivência contra o isolamento

A saúde não é ausência da doença, mas a promoção de qualidade de vida. Se o cuidado com a saúde mental ainda é privilégio para muita gente, nas periferias é um assunto que parece distante apesar de necessário.

De volta ao Jardim Varginha, a reportagem da Periferia em Movimento questionou pessoas da terceira idade que participam de um grupo de convivência realizado a cada 15 dias pelo SASF (Serviço de Assistência Social à Família e Proteção Social Básica no Domicílio) do Grajaú.

Em um grupo de 13 participantes, a maioria não soube expressar o que faz pela saúde mental. Mas todo mundo trouxe exemplos de ações para melhorar o bem estar: participar do próprio grupo está entre elas, assim como frequentar a igreja, ir a eventos culturais, praticar atividades físicas ou viajar.

É o que acontece com Maria do Carmo da Silva, de 86, que gosta de fazer roupinhas de boneca na máquina de costura para presentear as netas. Já a Maria José Fernandes da Costa, de 80, participa dos grupos de dança no campo de futebol. E a Vera Maria Ramos Florentino, de 75, e a Maria Domingas, de 77, costumam ir para os cultos evangélicos e ler a bíblia.

As limitações físicas e a necessidade de tomar um ou vários remédios incomoda todo mundo. Porém, nada gera mais reclamações do que o esquecimento, apontado pela maioria como algo que desperta tristeza ou raiva.

 

A Cleusa Maria dos Santos Monteiro, 62, treina a mente com a leitura. “Eu faço caminhada à tarde e crochê no final da noite. Também gosto muito de ler. Tô lendo ‘O Vendedor de Sonhos’, que peguei aqui no SASF”, aponta ela, que completa rindo: “A saúde mental mexe com os neurônios da gente. Eu tomo remédio pra ansiedade porque fui no médico, então eu evito ir no médico para não descobrir outros problemas”.

Maria dos Santos Oliveira, 76 anos, é assídua na academia há mais de cinco anos. Ela frequenta o espaço de segunda a sexta e passa até 4 horas por dia treinando em esteira, bicicleta ou nos outros aparelhos.

“Antes, eu levantava às 10h da manhã. Hoje, eu pulo da cama às 6h”, destaca Maria dos Santos Oliveira. “O exercício ajuda na mente, deixa o corpo da gente leve. Hoje, eu tenho mais disposição”.

E os homens?

Grupo da terceira idade se encontra quinzenalmente no SASF Grajaú

Grupo da terceira idade se encontra quinzenalmente no SASF Grajaú

Se você chegou até aqui, deve ter percebido que falamos apenas de mulheres. Onde estão os homens?

No grupo do SASF, a percepção é unânime inclusive entre os homens ali presentes, que procuram se cuidar. É o caso de Juvenildo Eugênio Gomes, de 66 anos, que vai ao grupo para que o tempo passe mais rápido. Ou de Otacílio Cornélio de Almeida, de 82, que sai todos os dias para plantar couve, alface e outras verduras em um sítio na região.

Para João de Oliveira Marciano, de 66, a vida sempre variou entre o trabalho pesado com empilhadeira e a rotina nos botecos. “Eu era louco por Velho Barreiro com limão, a boca já ficava adoçando… Não foi fácil pra sair disso aí, não”, aponta ele.

Sem juízo do que seria melhor ou pior, hoje João está mais satisfeito ao participar dos encontros para rezar o terço com homens na igreja, jogar palavras cruzadas e de reuniões para melhorias no bairro.

“Ficar isolado em casa deixa a mente vazia, a gente fica naquele pensamento negativo e pode cair em depressão”, completa João de Oliveira Marciano.

Como encontrar ajuda?

Aqui na cidade de São Paulo, a Rede de Atenção à Saúde da Pessoa Idosa (Raspi) presta atendimento a partir das UBS de referência e encaminha ao serviço especializado, se for necessário. As unidades também contam com equipes multidisciplinares, como terapeutas e outras especialidades, que desenvolvem ações de prevenção e tratamento.

Já os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são portas de entrada para o atendimento de saúde mental e trabalham sem necessidade de agendamento prévio ou encaminhamento, oferecendo acolhimento e tratamento multiprofissional. Encontre os endereços das unidades de saúde aqui.

Nas periferias, também existem vários serviços que promovem a saúde mental. A gente fez uma lista com 10 iniciativas. Acesse aqui.

Em caso de sofrimento mental, ligue gratuitamente 24 horas por dia e 7 dias por semana para o Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número 188. Saiba mais aqui.

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