“Aniversário de perrengue”: Agentes culturais denunciam atraso da Prefeitura de SP para pagar recursos da Lei Paulo Gustavo

“Aniversário de perrengue”: Agentes culturais denunciam atraso da Prefeitura de SP para pagar recursos da Lei Paulo Gustavo

Lei foi sancionada para socorrer artistas durante pandemia. Em julho de 2023, cidade de SP recebeu cerca de R$ 87 milhões para apoiar projetos culturais. Depois de 1 ano, centenas de artistas e coletivos ainda aguardam pagamento

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Por Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano

Um card com balões de festa, o logo da Prefeitura de São Paulo e um “parabéns” circula pelas redes sociais de artistas, agentes culturais e coletivos da capital paulista. O texto “celebra” a gestão de Ricardo Nunes (MDB) pelo aniversário recém-completado dos recursos da Lei Paulo Gustavo (LPG) nos cofres municipais.

Card "comemorativo" circula pelas redes sociais

Card “comemorativo” circula pelas redes sociais

Faz mais de 1 ano que a administração do atual prefeito e candidato à reeleição recebeu quase R$ 87 milhões do governo federal, via Ministério da Cultura. Os recursos devem ser utilizados para fomentar projetos audiovisuais, como produção de filmes, jogos e projetos relacionados ao cinema, além de apoiar espaços e pontos de cultura, profissionais, mestres e agentes que promovem a cultura na capital paulista, especialmente nas periferias.

Em outubro do ano passado, 13 editais foram lançados pela Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e pela SP Cine. Enquanto a SP Cine ficou responsável pelos editais do audiovisual, a SMC está à frente de outras linguagens reunidas sob o edital Cultura Viva, que deve contemplar 460 pessoas e iniciativas juridicamente estabelecidas com premiações entre R$ 30 mil e R$ 100 mil cada.

Mas 1 ano depois do dinheiro chegar aos cofres e mais de 9 meses após o lançamento dos editais, a grana ainda parece longe de quem faz a cultura acontecer.

“Isso deveria ter acontecido no final do ano passado, depois passou pra junho, e até agora nada”, observa a música, produtora e pesquisadora Inti Queiroz, que atua como assessora parlamentar da deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL) e integra movimentos culturais.

Com vários problemas técnicos e jurídicos, a equipe tem patinado desde o final do processo do edital. Em maio, na primeira lista de projetos pré-selecionados, havia erro na contagem de pontuações.

Outro problema apresentado é a confusão entre pessoas físicas e jurídicas no edital.

Tiely, de 49 anos, inscreveu duas propostas: uma com sua trajetória individual na categoria de agente cultural, e outra enquanto pessoa jurídica, representando o Ponto de Cultura Hip Hop Mulher, do qual é gestor, em São Miguel Paulista (zona Leste).

Apesar de receberem notas altas na avaliação, ambas as propostas foram desclassificadas por um entendimento o agente não poderia ser contemplado 2 vezes.

“Deixaram várias situações com pegadinhas que atrapalharam muitas iniciativas (…) Após recurso e processo consegui garantir minha participação justa no edital”, explica Tiely.

A segunda lista corrigiu antigos mais apresentou novos problemas, ao mostrar proponentes que não atendiam a todos os critérios. Em junho, saiu a lista final, mas a contratação não caminha.

“Esse prêmio tem sido uma dor de cabeça (…) Um dinheiro que serve pra gente se alimentar, se movimentar. Isso é sobre coisas que a gente tá fazendo na quebrada, sempre fez e continua fazendo de graça, de forma precarizada”, desabafa Gracielly Guedes, 28 anos, moradora da Chácara Cocaia, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo).

Gracielly representa a Associação Imargem, que realiza oficinas gratuitas de artes, barco à vela, permacultura e alimentação saudável na região. O Imargem foi contemplado desde a primeira lista e viu o nome subir e descer na classificação ao longo do tempo.

“Enviamos todas as certidões necessárias, mas tivemos bastante dificuldade de emitir algumas. A maior problemática era a falta de contexto e de conhecimento”, explica Gracielly. “Esse é um dos editais mais difíceis de acompanhar e receber, mostrando um total desmonte da secretaria de cultura na atual gestão”

O recurso é fundamental para o Imargem reformar o Ateliê da Margem, no Jardim Gaivotas, com implementação de banheiro acessível para pessoas com deficiência e reconstrução de uma rampa de acessibilidade para o espaço verde da casa.

Lei emergencial?

Batizada em homenagem ao ator Paulo Gustavo, morto em 2021 por complicações decorrentes da covid-19, a Lei Paulo Gustavo (LPG) foi elaborada por agentes culturais no ano de 2021 e aprovada em 2022 com amplo apoio da sociedade civil, da gestão de órgãos públicos de cultura e de parlamentares dentro do Congresso Nacional.

A exemplo da Lei Aldir Blanc de 2020 (LAB 1), trata-se de uma lei emergencial que dispõe sobre “ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia da covid-19”.

Em maio do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva regulamentou a LPG por meio de um decreto e o governo federal liberou R$ 3,8 bilhões para municípios, estados e  Distrito Federal investirem na produção de eventos culturais, considerando a proporção populacional de cada localidade.

Por isso, o Estado de São Paulo recebeu a maior fatia, no montante de R$ 350 milhões – e fez uma aplicação questionada pelos movimentos de cultura (leia no link abaixo).

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Já a Prefeitura de São Paulo, que administra a maior cidade, ficou com R$ 87 milhões, que chegaram aos cofres municipais em julho de 2023.

“Entre idas e vindas de recursos, a demora persiste mesmo depois do resultado definitivo. E completamos um ano nessa peleja que, como o próprio edital diz, é emergencial. Mas quem está na emergência, basicamente na UTI, é a equipe da SMC. Triste”, reflete Tiely.

Buraco mais embaixo

De todas as pessoas ouvidas para esta apuração, há a convicção de que esse é mais um passo no processo de desmonte de políticas culturais na cidade de São Paulo.

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“A equipe do fomento que criou o edital em 2023 foi exonerada no fim do ano passado. O Fomento da SMC ficou sem coordenação por mais de 3 meses (…) A equipe atual do fomento assumiu em abril deste ano, restando bem poucos servidores de carreira com conhecimento prático e técnico”, aponta Inti.

A Frente Cidade SP pela LPG tenta fazer uma “redução de danos” em relação à Lei Paulo Gustavo e reivindica o uso dos rendimentos da conta para contemplar mais pessoas, além da Prefeitura suplementar os recursos em pelo menos R$ 10 milhões para beneficiar mais proponentes.

“Eles alegam que a equipe é pequena para encaminhar todos os pagamentos tanto dos fomentos culturais quanto da LPG. Isso fez com que muitas pessoas, coletivos e espaços vissem desesperados seus nomes subindo e descendo nas listas não definitivas da LPG”, salienta.

Inti cita ainda que os movimentos culturais buscam informações sobre o Plano Nacional Aldir Blanc (PNAB), instituido pelo Ministério da Cultura. E também sobre a implantação do sistema municipal de cultura, obrigatório pela LPG. Se São Paulo não implementar desde já, a cidade pode ser penalizada futuramente em relação aos recursos federais para a área.

A Periferia em Movimento procurou a Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. A matéria será atualizada em caso de respostas.

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