Estabilidade, qualidade de vida ou autoemprego: Jovens de periferias citam prós e contras de CLT, trampar por conta ou empreender

Estabilidade, qualidade de vida ou autoemprego: Jovens de periferias citam prós e contras de CLT, trampar por conta ou empreender

Fazer algo que garanta um salário estável e ficar horas no trânsito, investir a energia em um negócio sem garantia de sucesso ou criar alternativas quando o mercado não abre portas? Confira a reportagem em vídeo que fecha a série “Trampo é Trampo”

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Reportagem de André Santos. Edição de texto e revisão de roteiro: Thiago Borges. Captação de imagens e finalização: Pedro Salvador. Edição de áudio e vídeo: Vitori Jumapili. Arte: Rafael Cristiano. Distribuição: Gislayne Melo

O desemprego é sempre maior entre a juventude.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua Trimestral, divulgada em 17 de maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a desocupação entre jovens de 18 a 24 anos subiu de 15,3% no 4º trimestre de 2023 para 16,8% no 1º trimestre deste ano. Ainda assim, é menor do que o mesmo período no ano passado, quando atingiu 18%.

Há quase um ano, a pesquisa “Injustiças estruturais entre jovens na cidade de São Paulo” apontou uma série de barreiras para as juventudes das periferias paulistanas, em sua maioria negras.

Realizado pela Juventudes Potentes em parceria com a Rede Conhecimento Social, o estudo mostra que 42% das pessoas ouvidas começaram a trabalhar antes dos 16 anos. E, ainda que quase dois terços (64%) trabalhem, 54% diz que há poucas vagas perto de suas casas. Cerca de um quarto (26%) já mentiu sobre o bairro em que mora para tentar conseguir um emprego em área mais distante.

Para 45% de jovens, o preconceito e a discriminação dificultam o acesso às vagas, passando por avaliações que levam em conta sua condição social em vez do currículo e potencialidades. Para 38%, já foram prejudicades por causa da cor da pele.

Considerando toda a população, o Brasil tem mais de  100 milhões de pessoas ocupadas, que são aquelas que exercem atividade profissional (formal ou informal, remunerada ou não) durante pelo menos 1 hora completa na semana em que o levantamento foi feito.

É a primeira vez que o país atinge números tão expressivos e segue em queda, como a gente tem mostrado aqui na série “Trampo é Trampo”.

Clique e confira o glossário do trabalho...

  • Com carteira assinada: pessoa contratada por uma empresa sob o regime CLT, que é a Consolidação das Leis do Trabalho
  • Sem carteira assinada: pessoa que realiza um serviço para uma determinada empresa, mas não possui registros em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)
  • Por conta própria: pessoa que trabalha explorando o seu próprio empreendimento
  • Autônomo: pessoa que não possui vínculo empregatício com nenhuma empresa e exerce, habitualmente e por conta própria, atividade profissional remunerada, explorando, assim, em proveito próprio, sua força de trabalho

 

Nesta reportagem, conversamos com 3 jovens em transição para a vida adulta de várias periferias de São Paulo e que trabalham em diferentes modalidades, com perfis, necessidades e visões de mundo distintas. Saiba mais sobre cada personagem abaixo!

Cassis Guarinicara, do Grajaú

Cassis Guarinicara, do Grajaú

Cassis, o autônomo

Cassis Guarinicara tem 30 anos, é indígena Kariri-Xokó, trabalhador autônomo e atualmente acumula diferentes funções e atividades que geram – ou não – alguma renda.

Inserido no mercado de trabalho, ainda que de maneira informal, desde os 10 anos, quando atuou com coleta e reciclagem de materiais, Cassis conta que não se recorda de um ano em que ficou sem trabalhar desde então, tendo atuado em lanchonetes, restaurantes, shoppings e na também em feiras livres.

Aos 16 anos, Cassis passou a fazer residência artística em uma ocupação no Centro de São Paulo, onde teve um contato maior com a arte em diferentes formatos, e a partir daí desenvolveu estudos e participou de formações e oficinas, como por exemplo, de arte-educador, artista de rua, canto e performances.

Sua atuação passa a ser mais institucional quando se conecta aos povos originários da região hoje conhecida como São Paulo, quando desenvolveu formações no âmbito da escrita e comunicação.

Hoje, entre outras funções, Cassis é uma liderança indígena e ocupa o cargo de coordenador na Associação Multiétnica Wyka Kwara, que desenvolve um trabalho de fortalecimento e retomada de identidades originárias em contexto urbano. O serviço, porém, por vezes não é acompanhado de remuneração – ainda que a associação possua reconhecimento internacionalmente.

Sem emprego durante a pandemia de covid-19, Cassis recorreu a serviços braçais como mestre de obras para garantir seu sustento. Foi quando, em 2020, criou o que até hoje é sua principal fonte de renda: a rede ‘Espose de Aluguel’, especializada em reformas e serviços de manutenção geral em estruturas residenciais e comerciais, seja em São Paulo ou em outros estados.

O projeto proporciona ganhos a uma série de pessoas que atuam junto à Cassis, que apesar de engrandecer e valorizar a iniciativa, a classifica como um subemprego.

“É um processo árduo. Eu sinceramente eu não romantizo, gostaria de estar ocupando outros espaços dentro dessa rede de trabalho, mas ainda assim é o que põe esse teto em cima da minha cabeça e o que alimenta a minha família. É o que a gente consegue ter pra trazer esse apoio e não se manter dentro da vulnerabilidade”, conta Cassis.

Por conta das multitarefas, seja pela atuação junto a Associação Wyka Kwara ou pelos serviços enquanto mestre de obra desenvolvido pela rede Espose de Aluguel, Cassis por vezes se ausenta  por longos períodos de tempo de sua casa no Grajaú, Extremo Sul de São Paulo.

No dia em que recebeu a equipe da Periferia em Movimento, por exemplo, contou que passava alguns dias em casa pela primeira vez em 3 meses – e já estava se preparando para um período fora novamente.

“Eu venho, desfaço as malas, pego outras roupas, refaço as malas e vou de novo. É difícil a gente se deslocar e deixar nosso canto, a nossa casa. Toda vez que eu venho para minha casa parece que é um lugar diferente, que tá diferente do que eu deixei, mas a gente não tem outra forma para sobreviver”, diz.

Gê Dourado, do Horizonte Azul

Gê Dourado, do Horizonte Azul

Gê Dourado, o empreendedor

Genilson, conhecido como Gê Dourado, tem 28 anos, mora no Jardim Horizonte Azul, divisa do Extremo Sul de São Paulo com Itapecerica da Serra, e é educador social, músico, barbeiro e trancista.

Ao lado de suas irmãs, criou o Império Nagô, salão de beleza especializado em tranças afro que hoje é a principal fonte de renda de sua família e deu seus primeiros passos no empreendedorismo, um modelo de trabalho emergente que atualmente é exercido por 42 milhões de pessoas no Brasil, de acordo com pesquisa desenvolvida pelo Sebrae em parceria com a Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas (Anegepe).

A ideia de abrir o salão aconteceu em meados de 2016 e foi impulsionada a partir da necessidade, visto que uma de suas irmãs estava grávida e não tinha nenhuma fonte de renda fixa à época.

Gê conta que nunca se encaixou no perfil de trabalhador CLT e, ao conhecer o conceito de mais-valia (disparidade entre o salário pago e o valor produzido pelo trabalho), passou a pensar que se produzia um alto valor para seus patrões poderia também produzir para si e sua família. A partir disso, a Império Nagô nasceu e cresceu, mesmo com dificuldades.

“Pra começar a ver que a gente de fato estava ganhando com isso levou de 2 a 3 anos. Nos 2 primeiros anos, a gente ainda estava entendendo o que estávamos fazendo, entendendo o que o mercado das tranças, moda e estética pedia. Do terceiro ano em diante a gente percebeu que já sabia fazer. Hoje eu consigo ver esses impactos e perceber que temos estabilidade financeira, que eu posso curtir, por exemplo, um show, tranquilamente, sem faltar nada. Hoje, com 8 anos que a gente tá com a Império eu posso dizer que a gente não tem a estabilidade financeira que merecemos, mas a gente tá conseguindo se manter bem, pagando conta tranquilamente e conseguindo curtir lazer despreocupado”, conta.

Gê diz que os serviços prestados são cansativos, com duração média de 8 a 12 horas, a depender do tipo de trança a ser feita, e reforça a importância da realização de um aquecimento prévio, além de descanso e preparação adequadas no dia anterior ao serviço. Uma vez que quem empreende em sua maioria ainda está sem amparo de direitos trabalhistas, é preciso redobrar os cuidados com a saúde.

Outro ponto interessante em relação ao Império Nagô é a ideologia de optar por disponibilizar o espaço para parcerias com outres trancistas, e não pela contratação direta de equipe. Além disso, são feitos projetos que desenvolvem as habilidades de trancistas iniciantes.

“Eu acredito muito que cresce mais, alcança muito mais impacto quando a gente traz as pessoas para somarem com a gente não como um funcionário, mas fazendo parte daquela construção mesmo. Essa é a ideia, de as pessoas fazerem parte desse projeto como alguém que tá criando, não como alguém que tá aqui pra servir. A gente está indo nessa ideia porque eu acho que vai contra o capitalismo, mesmo a gente trabalhando com o capital, na busca do capital. E vai contra a ideia de colonização, de colocar o outro para servir para trabalhar. É mais de parceria”, diz.

Kauanne Coimbra, do Capão Redondo

Kauanne Coimbra, do Capão Redondo

Kauanne, a CLT

Kauanne Coimbra tem 24 anos, é graduada em Gestão de Recursos Humanos e diz que sempre vislumbrou ser uma trabalhadora com carteira assinada.

Hoje, atuando em sua área de formação há 5 anos e na modalidade trabalhista desejada, a jovem moradora do Capão Redondo, na zona Sul de São Paulo, conta que comprou um apartamento junto ao noivo, com quem se casará no fim deste ano, e que só sentiu que a realização deste sonho seria possível graças à segurança financeira que um emprego formal pode gerar, com salário fixo e pré-determinado.

“Desde muito nova eu trabalho, desde os 13 anos, então eu já fui garçonete, já trabalhei em evento, em bar de evento… E o que me chamava atenção era ter a segurança de no final do mês eu ter um dinheiro. Desde muito nova eu quis trabalhar CLT, e também pensando em benefícios como convênio médico, convênio odontológico, coisas que a gente da periferia não tem acesso.O que mais me chama a atenção no CLT é isso, sabe? Ter coisas que se não fosse o CLT eu não teria”, diz.

Kauanne conta que sua trajetória profissional começou a partir de um projeto desenvolvido pelo Instituto Proa, que promove a capacitação e a inserção de jovens de baixa renda, vindos de escolas públicas, no mercado de trabalho. A analista de RH relembra que implementou o projeto na empresa onde trabalha atualmente e que tem conseguido mudar a realidade de diversas pessoas jovens a partir disso.

“Quando entrei no RH, eu coloquei esse projeto lá dentro da empresa em que trabalho para que a gente contratasse jovens aprendizes a partir dele, porque são jovens que já vem preparado para o mercado de trabalho e que são da mesma realidade que eu: periféricos que querem uma oportunidade. Tem jovens que estão dentro da empresa até hoje, que conseguiram subir de cargo”, diz.

De acordo com Kauanne, esse movimento de gerar espaço para pessoas periféricas é de responsabilidade de profissionais responsáveis pela contratação nas grandes empresas, e deve ser reforçado sempre que possível, considerando que estar nesses espaços é um privilégio e que existe muita gente à espera de uma oportunidade.

“Acho que todo mundo que saiu da periferia teve oportunidades de crescer, lembrar das suas raízes e ajudar quem tá vindo, sabe? O estudo só vale só vale quando a gente abre caminho para as outras pessoas como a gente, que vieram de onde a gente veio. Então, é isso que eu peço para as pessoas que já conseguiram chegar onde a gente quer chegar: que abram caminhos”, conclui.

 

 

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