Reportagem de Vitori Jumapili com fotos de Pedro Salvador. Revisão: Thiago Borges
As mudanças climáticas representam um risco crescente para a saúde e segurança de mais de 70% de pessoas trabalhadoras em todo o mundo, segundo estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgado em 2020.
A vulnerabilidade se intensifica no cotidiano de quem trabalha na informalidade e em movimento pelas ruas da cidade. Profissionais como motoboys e catadoras de recicláveis enfrentam o calor extremo e chuvas intensas, criam estratégias para se adaptar ao novo cenário, que impacta na renda mensal.
As mudanças climáticas escancaram a instabilidade financeira e as condições precárias de trabalho para quem está na ponta da cadeia produtiva, sem o suporte adequado para lidar com a situação.
É o caso de Cida Preta e Alisson Domingues, que têm as histórias contadas aqui!
Confira a segunda reportagem da série Trampo é Trampo da Periferia em Movimento em 2025.
Quando chove, não compensa
Maria Aparecida Rodrigues, de 71 anos, é catadora de recicláveis há 30 anos e ficou conhecida como Cida Preta.
Há cinco anos, ela criou a Cooperativa de Materiais Recicláveis Cida Preta, que está em processo de regularização jurídica. A sede provisória funciona na casa dela, no Jardim Lucélia (Extremo Sul da cidade de São Paulo)
Hoje, Cida emprega 10 mulheres entre 40 e 60 anos, que trabalham em dias alternados, já que a estrutura da casa não comporta tanta gente junto aos materiais.
O grupo também precisa se adaptar à intensificação dos eventos extremos, como as fortes temperaturas, as mudanças repentinas no tempo e torós incomuns. Para diminuírem o impacto já notado, as cooperadas têm criado estratégias.
É o caso das irmãs Raimunda, 63, e Rosa Prates, 53, também moradoras do Jardim Lucélia. As catadoras trabalham de segunda a sexta, das 7h às 11h manhã, parte do dia em que a radiação solar é menos acentuada. Mas quando chove, elas nem saem para a catação, nem Cida abre a cooperativa porque o material coletado pode ser comprometido com a água.
“Quanto tá chovendo a gente nem vai, porque molha tudo, né? Aí não compensa”, diz Raimunda.
“A gente pega [as caixas de papelão] da padaria ali, e se chover muito não dá para pegar, porque molha e não dá para secar depois”, completa Rosa.
Sem cobertura suficiente, em dias de chuva forte a triagem não acontece também, porque não há como proteger os materiais.
“Até o dia que tivermos um galpão, se não tiver chovendo nós estamos aqui, se tiver chovendo nós não estamos (…) Hoje o calor está muito mais intenso e você não sabe quando vem a chuva e quando tá chovendo mesmo, não dá [para trabalhar] ”, diz Cida
Por receberem por dia, a depender da quantidade de dias que elas ficam impossibilitadas de trabalhar, o valor recebido no final do mês pode variar muito. Além disso, as cooperadas precisam atingir uma meta de quilos por materiais coletados para conseguir vender os recicláveis mês a mês.
Faça chuva ou faça sol, preciso trampar
Alisson Domingues de Oliveira tem 30 anos e é morador da Vila da Paz, bairro periférico na região de Interlagos (zona Sul). Há 8 anos, ele trabalha como motoboy.
Hoje, ele divide 12 horas diárias de trabalho entre um emprego no regime CLT e as entregas por aplicativo que faz por conta.
O motoboy sente intensamente o ar seco, as chuvas repentinas e mudanças bruscas de tempo no trânsito de São Paulo. Garganta arranhando e dificuldades respiratórias são notadas em dias mais secos. Nos dias chuvosos, ele pode passar horas com as roupas molhadas.
“A capa é uma proteção que não suporta um dia na moto. Eu fico umas cinco horas na rua direto,na chuva mesmo, sem parar. Pode ser a melhor capa, mas vai molhar…”, diz Alisson.
Quando é surpreendido por enchentes e alagamentos, o trabalho dele é afetado diretamente. Nessas situações, Alisson sempre procura por locais fora de perigo – como embaixo de pontes, e interrompe as entregas se necessário.
“A entrega tá coberta, protegida, não tá sendo molhada… Agora, o motoboy é que está na situação mais crítica”.
Em situações assim, Alisson já atrasou entregas e perdeu a conta de prestação de serviço de alguns aplicativos, como o iFood, o que diminui as opções de empresas a quem trabalha e, consequentemente, os ganhos dele
Segundo um levantamento de 2020 da UFBA (Universidade Federal da Bahia) sobre o trabalho com entregas por aplicativos no Brasil, os bloqueios são frequentes: 38,8% das pessoas entrevistadas pela pesquisa já foram bloqueadas pelas empresas detentoras da tecnologia.