Trampo demais, grana de menos: Sem carteira assinada nem direitos, informais vivem “estresse financeiro”

Trampo demais, grana de menos: Sem carteira assinada nem direitos, informais vivem “estresse financeiro”

Desemprego de 9,5 milhões de pessoas e quase 40 milhões no trabalho informal aumentam o corre por dinheiro (e o impacto na saúde mental)

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Por Julia Vitoria. Edição: Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano

Diego Muniz pega cedo no batente e vai até tarde. O motoboy de 29 anos tá nas pistas há mais de uma década. Ele sai de Americanópolis, na zona Sul de São Paulo, para fazer serviços particulares das 9h às 14h30. Às 16h, faz entregas de compras do Mercado Livre. E às 19h, leva pedidos do Ifood. O motoca só larga o trampo à meia-noite. Ainda assim, precisa fazer mágica com a calculadora.

“Final de mês depende muito [da situação]. Como não temos salário fixo, tem mês que a gente faz X, tem mês que faz Y, varia muito”, diz ele, que tenta gastar só o essencial por não ter certeza do dia de amanhã.

Para a orientadora Amanda Dias, fundadora do canal de emancipação financeira Grana Preta, isso tem impacto direto no emocional das pessoas. “Saúde mental e financeira estão diretamente conectadas. 80% das pessoas endividadas afirmam ter alterações de humor, segundo pesquisa da plataforma Acordo Certo. Dinheiro é a principal fonte de estresse para a maioria das pessoas e esse impacto do estresse financeiro tem traz complicações sobre a saúde mental das pessoas e seus relacionamentos interpessoais”, explica a especialista.

Assim como Diego, até agosto deste ano mais de 39 milhões de pessoas no trabalho informal em todo País, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do Instituto Brasileiro de Economia e Estatística (IBGE). É gente que trabalha como motorista ou faz entregas mediadas por aplicativos, diaristas, manicures, ambulantes, na construção civil, como freelancers e em outras áreas.

É o caso de Julia Duarte, de 21 anos, que batalhou por um sonho que muitas vezes parece um pesadelo. “É aquela coisa de ter sempre uma agonia, uma preocupação se vai ter dinheiro para pagar as contas do próximo mês, se vai ter grana para suprir as necessidades básicas”, diz a jovem (foto ao lado) do Jardim João XXIII (zona Oeste), que trabalha com direção de arte no mercado audiovisual.

Com o desemprego atingindo 9,5 milhões de pessoas no País, a perspectiva a curto e médio prazo é “pegar o que tem” e lidar com a variação da renda a cada mês. E em geral, só tem trabalho sem carteira assinada e poucos ou nenhum direito assegurado, com carga horária exaustiva, sem férias, 13º salário ou remuneração fixa. Tornar-se microempreendedor individual (MEI) é uma alternativa, uma necessidade ou em alguns casos até uma imposição.

Todo mundo virou MEI?

O MEI é um regime criado em 2009 pelo governo Lula para tirar da informalidade profissionais informais ou que atuam de forma autônoma. Ao se formalizar como MEI, a pessoa que empreende passa a ter um CNPJ próprio, tem a possibilidade de emitir notas fiscais e pode acessar benefícios da Previdência Social. Em 2022, o Brasil passou a ter mais de 14 milhões de MEIs.

Apesar de não ter a mesma proteção da CLT, quem trabalha como MEI tem alguns benefícios: menos impostos sobre o salário; liberdade para prestar serviço para mais de uma empresa; liberdade estabelecer seu próprio horário de trabalho; e benefícios como salário maternidade, auxílio doença e aposentadoria.

Diego tem MEI aberto, mas por conta de uns apertos na pandemia não conseguiu manter os pagamentos e está em situação irregular. “Hoje em dia eu dependo 100% da moto pra ganhar dinheiro. Nunca sofri um acidente grave, graças a Deus, mas tenho amigos que já sofreram e não ganharam nenhum auxílio, nem do seguro DPVAT e nem dos aplicativos. Somos nós por nós nessa profissão e Deus”, conta.

Por isso, para ter acesso aos benefícios do MEI é importante que a pessoa se organize por conta própria e mantenha a regularização. Além de organizar horários e gerir o próprio trabalho, a pessoa também precisa cuidar da contabilidade, pagar a contribuição mensal (o boleto do DAS) e preencher uma declaração anual de rendimentos.

Para Julia, que trabalha por projetos, é quase um malabarismo. “Quando eu estou em algum projeto maior, que dura mais tempo, tem uma tranquilidade maior, uma coisa mais concreta, porque você sabe que vai ter aquele dinheiro naquele dia. Mas na maioria das vezes não é assim”, diz ela. O último grande projeto que Julia participou terminou em agosto. Desde então, ela trabalha e recebe por diárias.

“As justificativas para a contratação como MEI são sempre as mesmas: ‘Vamos poder te pagar mais’, ‘você não fica tão presa’, ‘não vai ter descontos’”, explica Amanda, da Grana Preta (foto ao lado). “Os motivos práticos costumam ser o excesso de tributos e encargos trabalhistas. Muitas empresas não têm estrutura para arcar com eles sem falir. Outras têm, mas escolhem não fazer. É sobre mentalidade”, completa.

Seja por necessidade de pagar as contas ou porque a proposta é tentadora, Amanda ressalta que em ambos os casos é importante avaliar o cenário. “Esse regime pode te dar liberdade para organizar nossos horários, topar vários jobs [trabalhos] sem dar satisfação, trabalhar em diferentes lugares, além de não entrar na hierarquia da empresa. Eu digo ‘pode’ porque isso só acontece se o contratante entender que você é uma prestadora de serviço, não uma funcionária. Comigo, nunca foi assim”, conta.

O regime de PJ conta com diversas denominações e caminhos, que vão depender bastante do modelo de empresa que você deseja criar. As principais distinções entre esses modelos estão no limite de faturamento. Empresas individuais e micro possuem um limite menor, enquanto os outros regimes possuem menos limitações, garantindo receitas maiores (que, em contrapartida, exigem maior estrutura).

Nós também conversamos com Gabriela Chaves, economista e CEO da NoFront Empoderamento Financeiro. Ouça no áudio abaixo:

Pandemia de informais 

Seja MEI ou não, o cenário do trabalho informal foi acentuado pela pandemia de covid-19, que teve início em 2020. E isso impactou principalmente a percepção de jovens.

Para 59% de jovens da cidade de São Paulo, a ansiedade foi uma das condições de saúde física e emocional sentidas como resultado direto ou indireto da pandemia. E isso pode estar diretamente conectado à valorização em relação a experiências de trabalho, segundo a pesquisa “Juventudes e a Pandemia: E agora?”, lançada em novembro pelo Atlas das Juventudes.

“É complicado porque em um mês você tá ali, nadando no dinheiro, não tem dívida nenhuma, e no outro tá arrancando os cabelos pensando: ‘o que fazer para arrumar uma grana?’. Inclusive, essa é a minha situação atual”, diz Julia.

A resolução da crise econômica é estrutural e não acontecerá de forma imediata. Enquanto isso, é possível tomar medidas individuais para construir uma perspectiva de futuro.

“Há um passado ou presente de muita escassez no campo material, com falta de comida, de dinheiro ou até escassez afetiva, a partir de vivências de abandono. A mente dominada pelas situações difíceis ou dezenas de pequenas demandas urgentes é como um computador cheio de programas abertos e uma péssima conexão de internet”, salienta Amanda. “Então, eu preciso ficar de olho. Se eu não me organizar, eu simplesmente não vou ter dinheiro”, completa.

No vídeo abaixo, Amanda dá algumas dicas para se organizar financeiramente:

Esta reportagem tem o apoio do Instituto SulAmérica e faz parte da campanha #BemAmarelo, uma mobilização social pelo cuidado da saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio em todos os meses do ano. Faça aqui o teste sobre on-line desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Dependendo do resultado, você pode ter acesso a serviços gratuitos por 6 meses

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