Tarifa zero no busão: O que sabemos sobre a proposta de Ricardo Nunes, prefeito de SP?

Tarifa zero no busão: O que sabemos sobre a proposta de Ricardo Nunes, prefeito de SP?

Enquanto desiste de construção de 4 terminais e 2 corredores de ônibus, prefeito busca gratuidade como "marca" para concorrer à reeleição. Apesar de favoráveis à tarifa zero, Movimento Passe Livre e mandata Quilombo Periférico defendem transparência no debate para democratizar de fato o transporte na cidade

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Por André Santos. Edição de texto: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano

Andar de ônibus sem ter de pagar R$ 4,40 pra girar a catraca: a proposta historicamente defendida por grupos de esquerda, como o Movimento Passe Livre (MPL), atuante em prol do transporte público gratuito desde 2005, pode virar realidade na cidade de São Paulo pelas mãos de um político da direita tradicional.

Há algumas semanas, a proposta de instituir a tarifa zero vem sendo defendida pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), que busca uma marca de sua gestão para concorrer à reeleição em 2024; e por seu maior aliado, o vereador Milton Leite (União Brasil), presidente da Câmara Municipal.

Por meio da Secretaria Executiva de Transporte e Mobilidade Urbana (SETRAM) e da SPTrans, até o dia 17 de abril a Prefeitura de São Paulo recebeu opiniões e sugestões da população sobre a proposta.

A discussão do assunto não é novidade.

O debate do acesso gratuito ao transporte público vem avançando em diversos países nos últimos anos e mais recentemente ganhou os holofotes aqui no Brasil, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou o passe gratuito em ônibus e trens de centenas de municípios para garantir o direito ao voto da população, durante o segundo turno das eleições presidenciais de 2022.

Foi a primeira vez que houve essa isenção em larga escala no Brasil, que conta com 67 cidades que já adotaram o passe livre de maneira integral, além de outras 7 que operam com a gratuidade parcial, de acordo com estudos publicados em março deste ano pela NTU (Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos).

A questão que fica é: como seria a implementação da tarifa zero na maior cidade do País?

Atualmente, a Prefeitura já banca R$ 10 bilhões das despesas com transporte público, cerca de metade do total. Por dia, 7,1 milhões de pessoas são transportadas em uma frota de 13 mil ônibus.

Interesses

Em entrevista à revista Veja São Paulo veiculada em janeiro deste ano, o vereador Milton Leite revelou que a tarifa zero é uma estratégia importante visando a corrida eleitoral de 2024. “Ou fazemos a tarifa zero, ou [Guilherme] Boulos ganha a eleição”, disse.

A fala chama atenção porque o projeto esteve no plano de governo de Guilherme Boulos (PSOL), que concorreu e foi derrotado pela chapa de Bruno Covas e Ricardo Nunes nas eleições municipais de 2020. Além disso, foi apresentado pela primeira vez à cidade de São Paulo ainda durante a gestão de Luiza Erundina (1989-1992), que apesar de não avançar inaugurou o debate na maior metrópole do continente, sendo que a proposta apresentada pelo então secretário de transportes à época, Lúcio Gregori, é referência em diversos estudos até hoje.

Em junho de 2013, há quase 10 anos, após reajuste nas passagens em São Paulo, a pauta contra o aumento da passagem e pelo fim da cobrança levou a mega manifestações do Movimento Passe Livre (MPL) que eclodiram em todo o País, e a reivindicação voltou ao debate público de maneira amplificada.

Manifestação do MPL e movimentos locais no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo), em 2013

Manif

Apesar de entender como um direito essencial, o MPL se posiciona de forma contrária à um projeto de tarifa zero com foco no lucro das empresas e sem a consulta e participação de quem utiliza o transporte público. O movimento também contesta a declaração de Milton Leite ao afirmar que a proposta não deve servir de palanque eleitoral, e sim como a garantia de uma necessidade social que é reivindicada há muito tempo nas ruas.

“Olhar para a proposta de tarifa zero com interesse eleitoral ou como uma política de gestão (ou seja, quando troca-se a gestão, troca-se a política) é, mais uma vez, não olhar para as demandas da população, reforçando a estrutura violenta, precária e excludente do transporte hoje na cidade”, complementa o movimento.

Já para Elaine Mineiro (PSOL), vereadora pela mandata coletiva Quilombo Periférico, o posicionamento de sua chapa é o mesmo de sempre: a favor da gratuidade no transporte, considerando que essa é uma medida que democratiza o acesso a diversos bens e equipamentos públicos espalhados por toda a cidade.

Ela lembra ainda que o subsídio ao transporte pago pela Prefeitura às empresas que operam o serviço está subindo anualmente, o que torna possível imaginar que esse financiamento chegue a 100% do custo do sistema.

“A gente acredita de verdade num transporte público olhado como um direito do cidadão, sobretudo quando a gente pensa em cidades antirracistas e democráticas. Também pensamos no direito de ir e vir, e o quanto é importante que ele seja garantido, principalmente para populações mais vulneráveis. É uma política muito fundamental que sim, vale a pena que seja investido recurso público municipal para que as pessoas tenham acesso a circular pela cidade como um direito”, afirma Elaine.

E se piorar?

No entanto, Elaine faz ressalvas quanto ao funcionamento do projeto. Apesar de ser necessário, ela observa que é importante repensar a lógica do transporte na cidade de forma estrutural e que o debate deve ser feito de uma forma que não afete a política pública futuramente, uma vez que o transporte público da capital já é alvo de inúmeras críticas por parte da população.

Com a gratuidade, é previsto um aumento considerável no número de passageiros, fator que ecologicamente faz a diferença considerando uma possível diminuição no número de automóveis nas ruas.

Elaine Mineiro

“Numa audiência pública feita aqui na Câmara, o próprio especialista convidado pelo poder executivo disse que em São Paulo a gente tem mais ou menos 20 mil quilômetros de vias. Dessas, apenas 5 mil quilômetros são de malha para ônibus, só 600 quilômetros são de faixas exclusivas e 140 quilômetros são de corredores exclusivos. Então, a gente tem uma porcentagem ainda muito pequena das vias da cidade que podem pensar no transporte público”, comenta a vereadora (foto ao lado).

Elaine diz que a cidade precisa se preparar para essas mudanças e cita ainda a incoerência da gestão ao promover políticas que favorecem o transporte individual, como o remanejamento de verbas destinadas a programas habitacionais para o recapeamento de vias. A vereadora também cobra a inclusão de medidas que protejam a cidade das inevitáveis mudanças que a gratuidade no transporte público traria na revisão do Plano Diretor, que está prevista para sair ainda este ano.

“Discutir a revisão do Plano Diretor sem pensar na questão que o transporte público gratuito acarretaria na cidade faz a gente olhar para essa proposta como uma proposta eleitoreira”, completa.

Na revisão do plano de metas para o mandato que termina em 2024, a gestão Ricardo Nunes retirou da lista de promessas a construção de 4 novos terminais de ônibus e 2 corredores BRT.

Em estudos

A Prefeitura vem convocando audiências públicas desde o fim do ano passado com a intenção de debater ideias e dialogar abertamente com a população e coletividades que pautam o transporte coletivo. No entanto, chama a atenção o fato de o poder executivo não mandar representantes oficiais da pasta de transportes ou da SPTrans.

A Periferia em Movimento entrou em contato com a Secretaria Municipal de Transportes questionando sobre como o projeto seria viabilizado, levando em consideração as questões apontadas. A resposta foi protocolar: “A Prefeitura de São Paulo informa que a SPTrans, a pedido do prefeito Ricardo Nunes, está liderando o estudo e estará à disposição para conhecimento público assim que concluído”, diz a nota.

A respeito da falta de diálogo, o MPL alega que já esperava o movimento por parte do executivo, mas que isso não impede que a articulação em prol de soluções que atendam à demanda social seja feita.

“Enquanto a SPTrans não divulga o estudo pedido no ano passado, diversos setores da esquerda (partidária, autônoma, movimentos sociais e população) têm se organizado para construir, discutir e criar possibilidades para pensar tarifa zero”, afirma o movimento.

A falta de diálogo e de transparência com os projetos é uma característica dessa gestão, conforme aponta Elaine Mineiro. A vereadora conduz os debates na Câmara Municipal em defesa às Casas de Cultura enquanto equipamentos públicos, articulando-se com coletividades do setor cultural em manifestações contrárias às concessões desses espaços para a iniciativa privada, em um processo longo e desgastante que foi caracterizado pelas inúmeras ausências de representantes oficiais do poder executivo, como o prefeito ou a secretária responsável pela pasta.

“Esses estudos poucas vezes são compartilhados com as pessoas que também estão pensando a política pública. Acho que é muito importante ressaltar isso, o quanto este governo tem apostado na falta de transparência e na baixa participação popular. E isso, pra gente, é um grande problema”, conclui Elaine.

O Movimento Passe Livre diz que, ciente dessa estratégia, se articula de forma autônoma e busca alternativas para que a cidade chegue a uma tarifa zero paga pela parcela rica da população, sem restrições de uso e que repense a forma de remuneração das empresas, passando a ser por quilômetro rodado e não mais por número de pessoas que embarcam. Além disso, o coletivo entende como necessário ganhar terreno para que a discussão do transporte gratuito avance de forma positiva e sustentável.

“Ao analisarmos planos de governo, promessas de campanha, licitações de empresas e declarações públicas, fica cada vez mais na cara que o rolê é ‘nois por nois’. Por isso, faz parte da nossa agenda disputar o espaço das políticas públicas, mas o principal é fortalecer e incentivar as pessoas a se juntarem, articular e construir a luta por transporte em seus territórios,  a estar nas ruas, colar junto com outros movimentos sociais, etc”, afirmam.

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