Discurso de ódio nas eleições impacta saúde mental de quem faz panfletagem nas ruas

Discurso de ódio nas eleições impacta saúde mental de quem faz panfletagem nas ruas

Proximidade com o primeiro turno aumenta violência verbal e gera apreensão entre quem apoia e trabalha para candidaturas contra Bolsonaro. Especialista periférico fala da importância de retomar a abordagem da Cultura de Paz

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Por Julia Vitoria. Edição: Thiago Borges. Foto em destaque: Pedro Ariel Salvador

A desempregada Maria Leudiane, de 34 anos, encontrou na panfletagem dessas eleições uma forma de fazer algum dinheiro. A convite de uma amiga, a moradora de Parelheiros (Extremo Sul de São Paulo) aceitou participar da campanha da Bancada Feminista, candidatura coletiva do PSOL para uma vaga na Assembleia Legislativa paulista (Alesp). Mas Leuda, como é conhecida, não esperava receber ofensas durante o trabalho.

“As pessoas não têm empatia umas pelas outras. Somos xingadas. Muitos homens mandam a gente procurar um trabalho; outras pessoas falam que não aguentam mais receber tanto papel”, desabafa Leuda, que além da renda entende a relevância de seu trabalho. “Muitos não querem saber de política e não sabem a importância que é a gente conhecer todas as propostas de cada candidato para fazermos a escolha certa”, completa.

As situações de violência verbal vivenciadas por Leuda e outras colegas de trabalho foram medidas por uma pesquisa do Instituto Datafolha, encomendada pela Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS) e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e divulgada recentemente. O estudo revela que 5,3 milhões de pessoas em todo o País (3,2% da população) foram vítimas de ameaças por suas posições políticas nos 30 dias anteriores à realização da entrevista.

Segundo o levantamento, 67,5% das pessoas entrevistadas disseram ter medo de sofrer alguma agressão física em razão de sua escolha política ou partidária.

É o caso de Yasmin, que teve seu nome trocado nesta reportagem. Desde o começo da campanha eleitoral, a jovem tem panfletado para a candidatura presidencial de Lula (PT). Apesar de não ter vivenciado nada “grave”, ela não tem coragem de se identificar. “Tenho medo de xingamento, agressão, essas coisas”, conta.

A exploração do medo tem se tornado cada vez mais uma arma política. Com a proximidade do primeiro turno das eleições, no próximo domingo (2/10), e a radicalização dos grupos bolsonaristas, o discurso de ódio ganha outras camadas e essa escalada tem gerado até mesmo violência física, inclusive com mortes.

Um caso de agressão que aconteceu nessa terça-feira (27/9) na região de São Gonçalo (RJ) foi filmado e circula pelas redes sociais. No vídeo, uma mulher grávida que estava panfletando para a candidatura de Lula está no chão após agressão de pessoas que apoiam o atual presidente Jair Bolsonaro (PL).

Cultura de Paz X Cultura de Violência

Para o pesquisador Samuel Pereira (foto ao lado), o conflito faz parte das relações humanas, mas é preciso saber diferenciar. Uma das missões das práticas de paz é nomear e tornar visíveis certas violências.

“O conflito é potência para existência, só que esses conflitos não podem se transformar em violência. A cultura de paz tem essa missão de tornar visíveis as violências que são escamoteadas”, explica o professor da rede pública municipal, que faz parte do Núcleo de Cultura de Paz e Práticas Restaurativas Nelson Mandela e é  mestrando do curso de Educação na PUC.

“Os conflitos existirão porque eles fazem parte das relações humanas. Então isso precisa aparecer, a gente precisa nomear a violência, porque às vezes ela nem tem nome. Aconteceu alguma coisa, mas o que que é essa ‘alguma coisa?’”, continua.

Ele aponta ainda que a violência é uma cultura em reprodução e acontece por imitação, que encoraja a reprodução desses atos. Nesse sentido, o grande desafio é ter meios que deem conta da resolução desses conflitos, que acontecem dentro de uma lógica de destruição do outro lado.

Para o Samuel, o assunto deveria ser abordado de forma regular nas escolas para combater a violência estrutural. Recentemente, o Núcleo Nelson Mandela lançou o livro “Educação para a Paz: diálogos transdisciplinares para a formação de educadores(as)” com orientações sobre isso.

“Tem uma coisa que Martin Luther King que fala, que eu gosto muito. Ele diz que ainda temos uma escolha: a coexistência não-violenta ou a co-aniquilação violenta. Esta pode ser a última chance de escolhermos entre o caos e comunidade. Eu vou coexistir com você com suas particularidades, com suas singularidades, com sua orientação, com sua escolha religiosa e tá muito bem assim”, completa.

O que fazer em situações de conflito?

Samuel Pereira traz as seguintes orientações:

  1. Pense sobre o conflito, reflita o que foi falado;
  2. Entenda o que você está sentindo em relação ao que foi falado;
  3. Perceba o que isso despertou em você;
  4. Se sentir segurança, proponha uma conversa com a pessoa em questão;
  5. Fale sobre como você se sentiu, sobre como aquela fala te afetou e chegou até você;
  6. Converse sobre o futuro dessa convivência: “eu não quero parar de falar com você, mas também não quero ser atacado, como podemos resolver?”
  7. Se essa comunicação se tornar algo mais violento, procure ajuda de amizades, familiares ou especialistas.

Esta reportagem tem o apoio do Instituto SulAmérica e faz parte da campanha #BemAmarelo, uma mobilização social pelo cuidado da saúde emocional como forma de prevenção ao suicídio em todos os meses do ano. Faça o teste sobre on-line desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) aqui. Dependendo do resultado, você pode ter acesso a serviços gratuitos por 6 meses

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