Reportagem de Paulo Cruz (texto e fotos)
Orientação: Gisele Brito. Edição de texto: Thiago Borges
Quem mora na Ocupação Queixadas, em Cajamar (região metropolitana de São Paulo), finalmente vai poder montar a árvore de Natal de 2021 ano. Isso porque as mais de 100 famílias se viram ameaçadas de passarem o fim de ano despejadas do local onde constroem suas vidas desde 2019 constroem a vida.
A ocupação estava com uma ordem de reintegração de posse agendada para o dia 7 de dezembro de 2021, mas foi suspensa com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Poucos dias antes, em 1º de dezembro, o ministro Luís Roberto Barroso atendeu ao pedido do PSOL, da Campanha Nacional Despejo Zero (formada por mais de 100 organizações e movimentos) e de outros setores da sociedade civil para estender a suspensão das desocupações até 31 de março de 2022.
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A decisão foi estendida ao caso de Cajamar e para a situação de 39.295 famílias que vivem no Estado de São Paulo e ainda sofrem riscos de despejo em plena pandemia. Os dados são do Observatório de Remoções, projeto colaborativo que mapeia e divulga os conflitos fundiários urbanos. Segundo o grupo, apesar dessa luta 5.146 famílias foram removidas desde o início da crise do coronavírus. Saiba mais aqui.
A luta no fio da navalha que essas famílias enfrentam para se manterem vivas contrasta com quilômetros de terras desocupadas para especulação imobiliária. A maioria dessas pessoas vive em imóveis que não cumpriam sua função social antes delas chegarem lá, como era o caso da Ocupação Queixadas, até então um terreno sem vida.
O espaço onde hoje existe a ocupação era apenas um campo de pasto com algumas árvores, o que caracteriza um terreno abandonado. A mudança pode ser vista por meio de imagens obtidas no aplicativo Google Earth logo acima.
O pedido de despejo foi feito por Vera e Aguinaldo Zanotti, irmã e irmão, que afirmam terem propriedade da área. Para intimidar a comunidade de mais de 400 pessoas, incluindo crianças, adolescentes e idosas, a dupla colocou faixas e cartazes no terreno exigindo a saída da comunidade.
Por terra, pão e educação
No último 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, a ameaça de despejo ainda estava no horizonte próximo. Dias antes, a comunidade ocupou a Prefeitura de Cajamar pra dialogar com o poder público sobre alternativas possíveis. Em meio à incerteza, a ação cultural organizada pelo movimento Luta Popular foi regada por letras de samba interpretadas pelo grupo Esperando o Trem e que relembram a dificuldade do dia a dia nas favelas e periferias.
A segurança do teto e a possibilidade de ir pra rua sempre estiveram aqui. Mas o movimento seguiu seu fluxo como pode.
Com muito trabalho coletivo e apoio de estudantes da Universidade de São Paulo, a ocupação desenvolveu seu próprio projeto de urbanização popular, com demarcação de ruas e lotes de 6 por 10 metros. Também indicaram o espaço de praças, biblioteca, horta e brinquedoteca, além do barracão, que sempre existiu. “No começo da ocupação, o barracão e a cozinha coletiva sempre foram o coração’’, explica Daniele Mota, 25 anos, estudante de arquitetura e urbanismo.
Conforme as casas foram construindo suas próprias cozinhas, a cozinha coletiva deixou de ser necessária. Com isso, o barracão se tornou um espaço comunitário onde a comunidade faz assembleias e recebe pessoas de fora. A ideia é construir um espaço de alvenaria, que foi suspenso diante do despejo iminente. Com isso, o projeto de educação popular de jovens e pessoas adultas também parou.
Enquanto rolou, o projeto teve grande adesão. “Teve uma assembléia com todo mundo e cada um contando as suas histórias do porquê tinha parado de estudar”, lembra Glaucia Mendonça, 32, moradora da ocupação, funcionária pública e educadora voluntária.
“As mulheres contam terem parado por terem engravidado muito cedo e, os homens, por conta de não conseguir trabalhar e estudar ao mesmo tempo”, continua. Glaucia continua sendo uma agitadora da educação na ocupação. “A gente constrói sonhos aqui. Eu tenho um projeto de alfabetização que eu quero muito colocar em prática’’.
Quem também se motivou a agir foi o agricultor familiar e educador ambiental Daniel Querino, 41, que mora em Cajamar. “Quando eu fui ver que o pessoal começou a erguer as lonas aqui, eu comecei a ver que tinha vários rostos conhecidos da região”, comenta.
O próprio Daniel participou de movimentos de ocupação em São Paulo quando criança. Mas a Ocupação dos Queixadas foi a primeira em que ele voltou para desenvolver um projeto de hortas comunitárias. Por meio de oficinas, ele não ensina nada novo, mas resgata saberes do cuidado com a terra que muitas pessoas já carregam em suas histórias. “Sempre tem gente disposta a pegar na enxada e ajudar, principalmente nos mutirões”, diz ele.
Depois dos Queixadas, o educador desenvolveu essa atividade nas ocupações Pinheiral (no Jardim Ângela), Jardim da União (no Grajaú) e Esperança (em Osasco). Como Daniel mesmo explica, essas pequenas plantações não vão encher a barriga de todo mundo, mas pode reforçar a segurança alimentar das famílias em um período de crise aguda.
A própria comunidade busca maior qualidade de vida, ainda que esteja ciente de que um direito fundamental segue sem garantia. Por isso, vive um dia por vez – e em segurança até 31 de março de 2022.
2 Comentários
Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um dever
Viva às famílias que resistem na Ocupação Queixadas !
Parabéns pela matéria! Precisamos fortalecer as lutas ✊✊✊