Como o preço do apê na Paulista afeta o Cantinho do Céu: O impacto da revisão do Plano Diretor nas periferias de SP

Como o preço do apê na Paulista afeta o Cantinho do Céu: O impacto da revisão do Plano Diretor nas periferias de SP

Plano organiza o crescimento da cidade até 2029 e, nesta semana, deve ter revisão votada na Câmara Municipal. Movimentos sociais apontam “venda” da cidade para o mercado imobiliário e convocam manifestação para terça-feira (20/6). Entenda o que pode mudar!

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Arte: Rafael Cristiano

Aluguel mais caro, moradia em área com menos infraestrutura, mais tempo pra ir e voltar do trabalho e aumento do custo de vida.

Essas podem ser algumas das consequências sofridas por quem vive nas regiões mais periféricas da cidade de São Paulo, caso a revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) seja aprovada em votação definitiva nesta quarta-feira (21/6), na Câmara Municipal. É o que apontam especialistas ouvidas pela Periferia em Movimento.

“Infelizmente, a casa virou uma mercadoria. A terra é uma mercadoria. Então, esse ‘produto’ entra num fluxo, num circuito de mercado que é muito inacessível para as pessoas mais pobres e para a população negra”, observa a pesquisadora Gisele Brito, coordenadora de Direito a Cidades Antirracistas do Insituto de Referência Negra Peregum.

O Plano Diretor deveria corrigir isso. “Quando você incentiva esse tipo de produto que é mais lucrativo para iniciativa privada, sem pensar em formas de atender à população de baixa renda, negra e periférica, você tá prejudicando essa população. E esse plano incentiva isso”, continua.

As especialistas observam que o texto apresentado vai na contramão, aprofundando as desigualdades em São Paulo. A própria Prefeitura estima que o município tem um déficit habitacional de 369 mil moradias.

“A revisão não só deixa de garantir a permanência das pessoas onde estão, expulsando-as, mas também não reserva terras, recursos ou até mesmo incentivos para produção de moradia pra quem realmente precisa e em áreas que foram pensadas pra isso”, completa Talita Anzei Gonsales, pesquisadora do Laboratório de Justiça Territorial (LabJuta) da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Para tentar adiar a votação, movimentos sociais e de moradia convocam um ato para esta terça-feira (20/6), às 13h, quando o colégio de líderes dos partidos na Câmara se reúne para alinhar a sessão. A manifestação tem concentração na Praça da República, de onde segue para a sede do Legislativo, no viaduto Jacareí, Centro da cidade.

A seguir, a gente aponta os principais pontos de interesse dessa revisão:

Afinal, o que é o Plano Diretor?

O Plano Diretor define como a cidade deve crescer nos anos seguintes. Ele determina como será o uso do território municipal, como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), Zonas Mistas (ZM) ou Zonas de Desenvolvimento Econômico (ZDE), Zona Rural, entre outras. Entenda.

Essas zonas têm regras próprias de ocupação, como o que será destinado à moradia, quais tipos de habitação e para quem são priorizadas; os locais reservados para comércio, serviços e equipamentos públicos; as áreas de mobilidade e de preservação ambiental; entre outros pontos.

Estação de trem (Foto: Douglas Fontes)

O PDE atual foi aprovado em 2014, quando Fernando Haddad (PT) era prefeito de São Paulo. Uma das principais características é o estímulo à construção de prédios mais altos ao longo de eixos de transporte público, como corredores de ônibus e linhas de trem e metrô, mesmo fora do Centro.

Dependendo do local, construtoras podem subir prédios em um raio de 150 a 600 metros de distância das faixas ou estações. E os empreendimentos têm limite de oferta de garagens, já que a ideia é estimular trajetos a pé e o uso do transporte coletivo, e com prioridade para famílias de baixa renda nesses locais.

Quem empreende tem uma base para construção que varia de localidade para localidade. Por exemplo, na avenida São Miguel (na zona Leste) ou em boa parte da Belmira Marin (zona Sul), o coeficiente básico é 2. Assim, em um terreno com 1.000 metros quadrados, há um potencial construtivo de 2.000 metros quadrados. A construtora pode chegar ao limite máximo de 3.000 metros quadrados, mas para isso precisa pagar uma taxa para a Prefeitura. Entenda melhor aqui.

Essa taxa, que também é cobrada para ofertar mais vagas de garagem por apartamento, é a chamada outorga onerosa. É ela que abastece o Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano de São Paulo), com recursos que deveriam ser utilizados para moradia popular, projetos para mobilidade, proteção ambiental, combate a enchentes, etc.

O que deve mudar com a revisão?

A própria lei municipal que instituiu o Plano Diretor previa uma revisão intermediária para avaliar se estava dando certo ou não. Para essa revisão, foram feitas mais de 50 audiências públicas no município, muitas em dias úteis e horário comercial.

Entre as principais mudanças apresentadas no texto do vereador Rodrigo Goulart (PSD), que é o relator responsável pela revisão, estão as brechas que ampliam a verticalização na cidade e estimulam o transporte individual. Acesse o projeto de lei aqui.

A revisão prevê aumentar o perímetro em torno dos eixos de transporte com autorização para construção de prédios mais altos, com o avanço da verticalização para o miolo dos bairros.

Avenida Hum, São José: a ciclovia é interrompida quando chega o ponto de ônibus (Foto: Thiago Borges/Periferia em Movimento)

Além disso, se uma incorporadora quiser oferecer mais vagas de garagem, ela não precisa pagar em dinheiro para a Prefeitura. Como compensação, pode destinar o recurso para uma obra que ela própria pode ser responsável por executar. Para as especialistas ouvidas, isso esvazia o Fundurb e prejudica quem está nas periferias da cidade.

Por outro lado, desde que foi instituído em 2014, o atual PDE não deu conta de oferecer habitações de interesse social (HIS) para a população mais pobre nesses eixos bem servidos de transporte, ainda que as construtoras sejam obrigadas a cumprir uma cota. A revisão deve aprofundar essa lógica.

“Os eixos foram pensados (em tese e com mil questões) pra produzir moradia com acesso à mobilidade, e portanto áreas valorizadas, e isso tá sendo entregue de bandeja para o mercado lucrar rios de dinheiro”, observa Talita.

O vereador Goulart reconheceu recentemente que o Plano Diretor não tem como garantir que a cota para Habitação de Interesse Social, destinadas a famílias com renda total de até 3 salários mínimos. Já em artigo na Folha de S. Paulo, ele diz que o texto considera fatores como sustentabilidade e incentivo ao turismo, sem deixar de levar em conta a prioridade para moradias populares.

O que o Plano Diretor tem a ver com as periferias?

Na real, o Plano Diretor regula a cidade como um todo, mas parte da ideia do que é a considerada “legal”. Nessa parcela da cidade, a terra é regularizada, há infraestrutura disponível e muito interesse do mercado para comprar, vender e lucrar com esses espaços.

Já as periferias e favelas surgiram de forma “clandestina”, sem a regularização da terra e fruto de ações e omissões do poder público no passado para favorecer o mercado na época. Milhões de pessoas da classe trabalhadora, muitas delas migrantes das zonas rurais de estados do Nordeste e de Minas Gerais e grande parte negra, teve que se mudar para áreas com infraestrutura mais precária, imóveis irregulares, sem posse da terra e com poucos serviços disponíveis perto de casa.

Cantinho do Céu, no Grajaú, Extremo Sul de São Paulo

Com o passar dos anos, muita luta da população e de movimentos sociais, esses territórios conquistaram o acesso a alguns direitos – o que também aumentou o preço dos imóveis e dos aluguéis nesses locais.

A pressão imobiliária sempre esteve presente também nas periferias, já que a terra não é infinita. Pelo contrário, torna-se cada vez mais rara. E sem a regulação do poder público, a tendência é o surgimento de novas periferias, demandando mais investimentos.

“Isso vai criando um processo de expansão e de expulsão, de afastamento. Cria uma onda de valorização da terra de toda a cidade. Se valoriza a terra na Paulista, a tendência é que aumente no Cantinho do Céu (Grajaú, Extremo Sul). E essa ‘valorização’ vai levando as pessoas para cada vez mais distante [da cidade]”, completa Gisele.

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