Com vulgo de craque e apenas 1,60 de altura, goleiro “Ronaldinho” da várzea defende os sonhos de várias quebradas

Com vulgo de craque e apenas 1,60 de altura, goleiro “Ronaldinho” da várzea defende os sonhos de várias quebradas

Apelidado com nome de ídolos do futebol, Danilo Rodrigues desiste da carreira profissional e se realiza em times de bairros periféricos da zona Norte de São Paulo. Confira no segundo perfil de atletas da quebrada que publicamos neste ano de Olimpíada!

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Por Marcelo Lino Jr. Edição: Thiago Borges. Fotos: Arquivo pessoal. Arte: Rafael Cristiano

Num cenário em que tudo é plano, as pipas enfeitam o céu azul em uma região de São Paulo em que quase não se vê prédio. Na onda de calor, o sol castiga quem está nas ruas ou no campo de futebol do Grêmio, na Favela do Pipa, zona Norte paulistana.

Reinaugurado recentemente, o novo gramado sintético queima o pé mesmo com as chuteiras calçadas. A árvore que fica atrás de um dos gols fornece a única sombra do ambiente.

Ainda assim, o goleiro amador Danilo Rodrigues encarou um dia inteiro de quentura para defender as redes de vários times locais. Das 8h às 16h, ele jogou pelo Criciúma F.C., do Jardim Brasil; Rua 1 F.F. do Jardim Julieta; e Hemp F.O.F. do Parque Edu Chaves.

Conhecido como Ronaldinho, como ícones do futebol brasileiro, o craque da várzea não tem vergonha de sair de um jogo, se trocar e entrar no próximo.

Era 1º de maio, Dia do Trabalhador.

A data também marcava o aniversário de Ronaldinho, que completou 24 anos. A agenda dele foi preenchida para garantir um bom resultado em dia de festival na quebrada, com evento lotado.

“O futebol envolve lucros e envolve coração também, tá ligado? Tem um ou outro time que paga, mas eu jogo mais pelo coração mesmo. É minha alegria, a gente sempre tem que estar no auge”, aponta.

Com a mão em cima da testa para proteger a visão do sol, Ronaldinho observava mais um bolinho de gente se formando em outro comum desentendimento, com socos no ar e gritaria dentro do campo. O término é quase sempre o mesmo: um expulso pra cada lado e a bola volta a rolar. Era a terceira briga do dia e, até o momento em que saímos do campo, seria a última.

Mesmo com esses desentendimentos, dos quais às vezes ele faz parte,  Ronaldinho viu no futebol uma maneira de viver melhor.

“Se não fosse o futebol, eu tinha me envolvido em várias paradas erradas. Então esse tempo que eu ‘perdi’ no futebol não é um tempo perdido, é um investimento!”, desabafa.

Sonho interrompido

Ronaldinho começou a carreira de atleta como lateral esquerdo na escolinha de futebol do Bahia de Feira, em Serra Talhada (PE), sua cidade natal. Lá, chegou a fazer testes e sua mãe Valdilene Maria se dedicava para pagar a mensalidade.

Porém, aos 12 anos, veio com ela para São Paulo. A troca do interior pernambucano pela maior metrópole da América Latina foi gigante. Ronaldinho teve que abandonar o sonho por ter outras prioridades: arrumar trabalho.

“Se fosse pela minha mãe, eu tinha virado jogador profissional. Até consegui passar uma fase lá no teste do Bahia de Feira, mas tive que vir morar em São Paulo na mesma época. Era questão de sobrevivência. Viemos em busca de trabalhar e ter uma vida melhor, que foi o que aconteceu”.

Mas ainda que não tenha chegado ao nível profissional, qualquer jogador de futebol se considera jogador, até os amadores. Com Ronaldinho, não foi diferente.

Trabalhando com transporte de cargas de segunda a sexta, às vezes o craque nem tem hora para voltar para casa devido aos itinerários da empresa. Mesmo na correria, treina sempre que arruma tempo e vê no futebol seus maiores objetivos: os de ser campeão e mostrar sua quebrada para a cidade toda.

“É sair do seu espaço e ir pra fora, conhecer vários lugares por aí. Mostrar nosso nome pro Centro, pra zona Leste… Jogar uma Copa grande, ver o time ser reconhecido em vários lugares”, sonha.

A dona Valdilene Maria, com quem divide um barraco na Favela do Pipa, continua sendo uma das maiores apoiadoras. Já sua namorada Thaís o cobra por mais tempo juntos – tudo normal! Mas é por meio do futebol que ele encontrou amigos e a atividade que o fazem especial.

Em busca do título

Ronaldinho circula por diferentes bairros e lida com pessoas para além de seu convívio. Ele defende times da zona Norte, Leste e em Guarulhos – e só nesse pequeno recorte da região metropolitana, ele percebe uma dimensão do tamanho do mundo.

Ronaldinho entra em campo para defender Hemp (foto: arquivo pessoal)

Ronaldinho entra em campo para defender Hemp (foto: arquivo pessoal)

Mas o “time do coração” é o Hemp F.O.F, fundado em 2019 e que tem como diretor Renan Caires, amigo desde a adolescência.

“Eu comecei a jogar com o Renan com 12 anos, quando cheguei em São Paulo, lá no Amarelo (colégio da região). Ele me ensinou a jogar”, lembra Ronaldinho.

Em 2021, o time precisava de um goleiro. Mesmo com 1,60m de altura, considerado pouco para a função, Ronaldinho não se limitou pela baixa estatura e foi para baixo das traves. Ele se preparou e assumiu a responsabilidade.

“Vários times desrespeitam pelo tamanho, mas nós mostramos na agilidade o futebol que a gente tem. Meti as caras e deu certo, graças a Deus”, conta Ronaldinho.

A equipe começou a disputar jogos de Copa esse ano. Ronaldinho está com o time na segunda fase da Supercopa da VG, em Guarulhos, e já chegou na semifinal na Copa da Portuguesa, da mesma região, sendo eliminado nos pênaltis.

Além dos campeonatos pelo Hemp, ele é vital para outros times que contam com seu talento no tradicional futebol de sábado.

O amigo e conselheiro Renan conta que já via técnica em Ronaldinho. “Profissão de goleiro é treta, quem joga bola sabe. Ele bateu no peito e falou que ia ser o goleiro do time. (…) Como jogador de linha, era um bom lateral esquerdo, mas pode mandar a bola no travessão que ele vai buscar”.

Os dois se reaproximaram depois de adultos ao virarem vizinhos. O difícil é separar a pessoa do jogador. Então, a admiração pelo goleiro vira admiração pela pessoa.

“Futebol não é só futebol. É além das 4 linhas. É a hora que a gente fica sossegado, se diverte, dá risada com os amigos. E o Ronaldinho é esse moleque lutador do dia a dia, moleque firme, com a mente séria”, ressalta Renan.

O amor pelo time e pelo futebol é tanto que influencia o cotidiano, assim como o de um torcedor chateado com uma derrota ou feliz com uma vitória.

“Se a Hemp estiver bem, eu não vou me sentir mal. Se a Hemp estiver mal, nós vamos correr atrás de melhorar”, fala com sinceridade, sem a tradicional demagogia usual de atletas profissionais.

O time da várzea é sentimento igual ao seu time do coração: “é igual ser corintiano, tá no sangue. É o time que tá correndo na veia. Vejo o bagulho com amor, né?”, declara.

Para quem está envolvido assim, o difícil é ficar longe. O futebol é a vida.

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