Estreante na Olimpíada, breaking dá “superpoder” para jovem de favela superar dificuldades

Estreante na Olimpíada, breaking dá “superpoder” para jovem de favela superar dificuldades

Igor Teixeira, b-boy e professor na zona Leste de São Paulo, vai a Paris para discursar sobre modalidade que nasce nas ruas pelo movimento Hip Hop e vira esporte olímpico. Confira na quarta reportagem da série Atletas da Quebrada

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Por Marcelo Lino Jr. Edição: Thiago Borges. Montagem de capa: Rafael Cristiano

Entre lojas de carros, prédios e estações da avenida Professor Luiz Ignácio Anhaia Mello, uma das mais extensas da zona Leste de São Paulo, fica a primeira favela da cidade de São Paulo: a Favela da Vila Prudente, que surgiu na década de 1940.

Entre aproximadamente 8 mil habitantes, está Igor Teixeira, de 26 anos, que transformou a própria vida por meio da arte e do esporte – especificamente sobre o breaking, ou break.

“Eu conhecia (o break) desde pequeno, então foi uma coisa espontânea, natural. Era aquela criança que quando vê uma coisa, já quer fazer também ”, relembra Igor, que é b-boy.

B-boy ou b-girl é o nome que se dá para quem pratica o breaking. A dança surgiu no início dos anos 1970, no Bronx, em Nova Iorque (Estados Unidos). No bairro predominantemente negro, as pessoas misturavam acrobacias de ginástica com movimentos de luta e passos de dança.

Um dos 5 elementos do movimento Hip Hop, o breaking estreia como modalidade esportiva na Olimpíada de Paris, que começa na próxima sexta-feira (26/7). O Brasil não participará da disputa por medalhas, mas Igor viaja antes para falar a chefes de estado no Festival 24.

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Organizado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), o evento conta com palestras ministradas por atletas, profissionais ou não, além de aulas e valorização do esporte e das culturas urbanas nesse período Olímpico.

“Pela nossa realidade aqui na comunidade quase ninguém tem essa oportunidade, né?” ressalta Igor, muito emocionado.

Como cultura de rua, o breaking e quem o pratica enfrentam preconceitos sociais muito antes de tentar patrocínios ou competições.

“Eu nunca liguei pra essas coisas, não. O que me incentivou mesmo foi seguir em frente. Antigamente, o pessoal não tinha a ideia de que isso é uma dança que faz bem pra saúde, que pode estar trazendo qualidade de vida”, conta. “A coisa boa da Olimpíada é que traz visibilidade. Quem não conhece acaba conhecendo, aprendendo algumas coisas”, diz o professor.

Nas ruas, mas não para dançar

Ah, é! Além de b-boy, Igor é professor da dança na ARCA do Saber, ONG franco-brasileira que realiza projetos de formação e qualificação estudantil e profissional para quem mora na favela.

Igor conheceu a ARCA aos 6 anos, quando morava com a mãe perto do projeto. A trajetória com a organização, entretanto, teve várias interrupções.

Aos 7 anos, Igor fugiu de casa com a irmã e o irmão mais velhos. Até os 10, sobreviveu como dava nas ruas, passando de abrigo em abrigo.

“Depois de uma briga, a gente tentou  ir para a casa de uma tia nossa, só que acabamos pegando um ônibus errado e fomos parar num terminal bem longe. A gente queria ir lá pra Iguatemi (zona Leste), mas estávamos no lugar errado e chamaram a polícia”, relembra.

Igor não conheceu o pai, que era traficante e morreu antes de ver o filho nascer. A mãe enfrentava problemas com drogas, mas não deixou de ir atrás das crianças durante os 3 anos de separação.

Igor Teixeira, b-boy e professor (foto Gublic Filmes – Faixa | Audiovisual)

Nos abrigos, era um pouco perigoso. Você não conhecia ninguém, batiam na gente. Não tinha ninguém pra nos proteger”, recorda-se.

Em 2008, quando ele tinha 10 anos, a mãe o encontrou com os demais num abrigo do centro de São Paulo e levou a família de volta para casa.

“No abrigo, a gente sempre tinha a hora de ficar tranquilo lá, vendo MTV e outras coisas. Eu ficava olhando, assistindo [os vídeos de breaking] e eu gostava das batidas, né? E aí eu vi que a gente tinha talento pra isso!”, lembra, animado.

Não demorou muito e Igor já estava de volta às ruas. Dessa vez, foi só com o irmão ao centro da cidade. Dos 10 aos 12, ficou longe da família e da educação mais uma vez.

O perigo era constante.

Certa vez, Igor chegou a roubar um celular, mas se sentiu tão mal que tentou devolver, sem sucesso. Os amigos gritavam, corriam e o caos só atrapalhava.

“Naquele dia, a gente foi dormir debaixo de um negócio de papelão e eu pensei ‘cara, por que eu tô dormindo aqui, passando frio?’”, relembra.

Esse sentimento tão ruim se contrapôs à sensação de liberdade da dança. A criança sentiu saudade de casa, da mãe e da ARCA.

“Depois que minha mãe conseguiu tirar a gente do abrigo, ela vendeu o barraco dela e voltamos a morar na favela, perto da ARCA”, diz. “Eu comecei a ficar mais com a minha mãe e com a família. E estudar também”. Aos 12, Igor estava de volta em casa.

Movimento

Desde aquele momento, o dançarino buscou o estudo, a dança e o trabalho, e foi morar só aos 16 anos. “Eu tinha que me virar. Muita gente me chamava pra fazer coisa errada, mas eu não ia”, conta.

Igor lembra de um amigo que estava nessa vida. “Ele via que aquilo [o crime] não era pra mim. Eu era um cara da dança, da arte. Ele me perguntou se eu não tinha coragem de ir vender água e comprou tudo pra eu vender”, diz. “Depois, arrumei uma oportunidade numa cooperativa de reciclagem e me levantei”.

Igor Teixeira, b-boy e professor (foto Gublic Filmes – Faixa | Audiovisual)

Ao voltar para a Vila Prudente, Igor passou a frequentar um equipamento social da quebrada, um Centro para Crianças e Adolescentes (CCA), onde estudava e também começar a dar aulas de breaking.

Quando fez 16 anos, teve que sair do CCA e passou a só trabalhar. As esperanças com a dança já tinham se esvaído, mas uma nova mudança aconteceu.

Aos 20, em 2018, finalmente voltou à ARCA, dessa vez como professor. “Eu apareci (na ONG) e eles me deram uma oportunidade. Eu fiquei muito feliz, foi uma grande vitória!”, conta.

Depois de toda essa caminhada, do trabalho, das desesperanças e dificuldades, além da dedicação a ensinar quem um dia foi como ele, Igor agora vai contar sua história para 150 chefes de Estado de todo o mundo, além de ministrar e participar das aulas na França.

“A gente não imagina onde a gente pode chegar. Eu nunca viajei de avião e logo vou estar do lado da Torre Eiffel…”, completa.

Companheira de viagem

Igor não estará só em Paris. Ao todo, são 500 jovens de todo o mundo vão participar do Festival.

Rayssa Lima, 18, praticante de rúgbi também na Favela da Vila Prudente

Rayssa Lima, 18, praticante de rúgbi também na Favela da Vila Prudente

E da Favela da Vila Prudente, ele será acompanhado por Rayssa Lima, 18. A jovem vai discursar a respeito dos valores e referências que aprendeu no rúgbi e que carrega para a vida.

O rúgbi também entrou em sua vida por meio da ARCA, que realiza o projeto esportivo e tem uma equipe para disputar campeonatos regionais.“Eu comecei a jogar com 9 anos. Com o esporte, a gente começa a criar maturidade, além de aprender as integridades do esporte”, diz ela.

A jovem já viajou ao interior de São Paulo – Jacareí, São José dos Campos –  para participar de disputas e campeonatos. Hoje, a atleta, além de ter conseguido a participação no Festival 24, sonha com a faculdade de Fisioterapia. Sua referência é a fisioterapeuta do time, a quem ela vê sua maior inspiração.

“Eu me sinto muito feliz. Eu gosto de ver bastante ela fazendo as bandagens, explicando as coisas… Cheguei a machucar o tornozelo e ela me ajudou bastante”, conta. Rayssa.

Para além do profissionalismo, o esporte ensina o que a rua nem sempre é capaz. Enquanto na Selva de Pedra o “cada um por si” é a lei vigente, no esporte isso é quase impossível.

“A gente joga em equipe mesmo, né? Tem que ter muita comunicação e tem que praticar as integridades do rúgbi, que são solidariedade, inclusão, a paixão pelo esporte, o respeito pelo outro”, aponta Rayssa.

Para Raýssa e Igor, do breaking, o sonho e o espírito olímpico são muito maiores do que ganhar medalhas.

– Vou contar minha história de vida e a minha maior conquista – diz Igor.

– E qual é a sua maior conquista? – pergunto eu.

– Minha maior conquista mesmo é estar lá! As primeiras vezes que dancei e consegui fazer um movimento, senti como se fosse um superpoder – termina.

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