Por Paula Sant’Ana*
Orientação de reportagem: Gisele Brito. Edição: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano
Driblar o desemprego é uma das tarefas recorrentes para a maioria das pessoas no Brasil. Pra piorar, a pandemia surtiu efeitos na vida de milhões de famílias e, consequentemente, trouxe sentimentos negativos, falta de perspectiva e de sonhos. Após a perda de um emprego, se enxergar sem valia pode causar desconforto social, doenças como ansiedade e depressão, além da vulnerabilidade para se manter financeiramente.
É um processo. Apesar de muitas pessoas não compreenderem a perda de um emprego como um luto, a intensidade das emoções pode evidenciar os ciclos vividos, principalmente pela incerteza.
“O luto nos mobiliza emocionalmente tanto quando temos a perda real de alguém importante para nós, como de algo que é importante para nós, como emprego, segurança financeira, relacionamentos, objetos materiais e planos de vida”, comenta Giovanna Moura, psicóloga clínica e redutora de danos, que atende adolescentes e pessoas adultas.
As estatísticas podem dar uma dimensão desse buraco.
A taxa de pessoas desocupadas no segundo trimestre de 2021 atingiu a marca de 14,4 milhões, totalizando cerca de 14,1% da população economicamente ativa, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O dado abrange as pessoas com idade para trabalhar que, apesar de não estarem trabalhando, estão disponíveis e aptas para iniciar em um emprego. Estudantes e donas de casa, por exemplo, não contabilizam, visto que ambas são consideradas ocupações não remuneradas e fora da força de trabalho, de acordo com a sistematização da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD).
Sem perspectivas
J.T., de 23 anos, foi demitida do setor de marketing de uma loja de confeitaria em que atuou entre janeiro e agosto deste ano. Segundo a moradora da zona Leste de São Paulo, o motivo apresentado para seu desligamento foram “mudanças na empresa”. J.T. questiona essa demissão que, além do impacto financeiro causado, tirou dela as perspectivas.
“Eu poderia ser realocada de setor, poderia fazer parte dessa mudança. Então, pra mim acaba sendo complicado até pra eu falar o motivo da minha demissão em outras entrevistas de emprego e o recrutador não aceitar esse motivo como um motivo válido”, observa.
Para R.G., 55, a sensação é de “inutilidade” para o mercado de trabalho atual. A moradora da zona Norte paulistana trabalhava como analista fiscal em uma assessoria contábil até ser demitida em abril, repentinamente.
“Fico à espera de uma oportunidade. É um sentimento, assim, meio depressivo. Um sentimento de que você é inútil, que você já não serve mais. Mas assim, eu tenho trabalhado muito esse lado meu de não poder, não tem que se sentir inútil”, conta.
De acordo com o IBGE, no 2° trimestre de 2021, a taxa de desocupados por idade foi de 33,9% entre os 25 e 39 anos, 29,4% entre os 18 e 24 anos e 27,9% entre os 40 e 59 anos. A taxa de desocupados para os menores de idade com idade para trabalhar, 14 a 17 anos, foi de 5,7% e entre os da melhor idade, com 60 anos ou mais atingiu 3,0%.
Já J.C., 21, partiu para o autoemprego. Moradora da zona Leste, ela apostou em trançar cabelos após o último desligamento, que ocorreu antes mesmo de ter a carteira assinada. O trabalho por conta própria já representa 28% de toda a população ocupada – cerca de 24,8 milhões de pessoas.
Apesar do desânimo que bate de vez em quando, ao trabalhar por conta própria a trancista entende que há uma trilha para conseguir crescer profissionalmente, se manter e dar um futuro a sua filha.
“Tenho minha filha que tem a necessidade dela, essas coisinhas que eu tenho que comprar para ajudar aqui em casa. Aí tem dia que é pior que o outro. Tem dias que dá vontade de fazer nada, mas tem outros em que eu acordo disposta a fazer dar certo. Só que isso aqui é um processo, né? Eu tenho que entender que nada é da noite pro dia, aí eu estou tentando fazer dar certo. E com as tranças, é bom que eu teria mais tempo pra ela”, reflete J.C.
O homem “provedor” no desemprego
O conservadorismo traz princípios difíceis de serem quebrados na sociedade, como papéis de gênero que são direcionados, a “moral” e os “bons costumes” e a ideia de que o homem é responsável por pagar as contas mais pesadas e manter financeiramente a família.
Parece algo secundário, mas a longo prazo isso pode afetar os homens caso percam sua fonte de renda. No mais, tem ainda a vergonha de falar sobre como se sentem. A distribuição por gênero de pessoas desocupadas atingiu cerca de 45,5% dos homens e 54,5% das mulheres (IBGE).
“Esse lugar de papel de homem é colocado muito fortemente como esse lugar da masculinidade, de provedor e tudo mais. E os homens têm muito mais vergonha de verbalizar que estão desempregados, até por esse lugar da habilidade de ser provedor ou até dessa negação, de um apoio mais igual com as da sua companheira. Então, é bem comum isso dos homens terem mais essa dificuldade de falar com as pessoas”, explica a psicóloga Giovanna Moura.
Isso bateu forte em G.L, 24, morador de Taboão da Serra (região metropolitana de São Paulo). Bacharel em Ciências Contábeis, ele não teve oportunidade de atuar em sua área na empresa de radiologia em que trabalhou por 5 anos. O desemprego veio em outubro de 2020. E para G.L., além das finanças, sua masculinidade foi afetada pela perda do trabalho fixo.
“Eu fui criado com o discurso de que ‘o homem que é o provedor da casa, tem que segurar as pontas. Tem que deixar, por exemplo, o salário da mulher sossegado e o homem se virar com o restante’. Então, como fui criado dessa forma, pra mim foi um negócio estranho porque não fazia sentido. Eu sou homem e não tô conseguindo arcar com as minhas responsabilidades?”, questiona.
Agora G.L, tem um emprego informal em uma adega a poucos minutos da casa em que vive com a sua companheira. Apesar de ainda não ser o que ele almeja para sua carreira, além de não ter os direitos previstos pela CLT como 13° salário, férias, entre outros, ele confessa que a tranquilidade veio a calhar, depois de sair de um emprego exaustivo.
“Uma rotina totalmente diferente. Trabalhava atrás de uma tela de computador e num dia eu tô numa loja física mesmo. É uma diferença grande”, explica G.L. “Na semana, de segunda a quinta-feira, é uma rotina tranquila, posso dizer que eu mesmo pedi isso depois que eu saí. Um lugar que eu não tivesse aquela pressão do chefe estar toda hora ali, que eu pudesse exercer minhas atividades tranquilamente, pra não ser um peso”, completa.
Procurar ajuda e novas alternativas pode auxiliar a superar esse sentimento de luto que a perda de um emprego pode gerar em nós.
“Do ponto de vista prático, procurar serviços da assistência social para auxílios e reestruturação, pensar nas suas qualidades e procurar trabalhos em que possa se destacar, pensar em alternativas de trabalho que tenha certa facilidade como uma segunda via de retorno financeiro, dependendo da área que irá seguir usar as redes sociais como uma plataforma do seu serviço e visualização do seu trabalho”, exemplifica a psicóloga.
*As trabalhadoras e o trabalhador entrevistades para essa matéria pediram para não ter a identidade revelada
*Paula Sant’Ana faz parte do “Repórter da Quebrada – Uma morada jornalística de experimentações”, programa de residência em jornalismo da quebrada realizado pela Periferia em Movimento por meio da política pública Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo
Paula Sant'Ana, Gisele Brito, Thiago Borges, Rafael Cristiano
2 Comentários
[…] situação se torna ainda mais problemática quando analisamos o quadro de desemprego no Brasil. Hoje, são cerca de 13,2% da população, que em números brutos representam 13,7 […]
Eu queria morrer, esta vida é tão cruel com os pobres. Para mim a impressão que dá é que agente veio pra sofrer e depois morrer, então porque não diminuir o tempo de sofrimento nesta terra.