Por Aline Rodrigues
Quem não conhece sua história tem o perigo de repeti-la. Apoiado nessa frase, o músico e pesquisador sul-africano Neo Muyanga, nascido em Soweto, bairro periférico da cidade de Johannesburgo, resgatou músicas que retratam a história de luta na África do Sul e as apresenta para o mundo na intenção de valorizar a força de protesto e resistência de seu povo.
A mais recente apresentação de seu trabalho foi feita nesta semana, de 7 a 12 de junho, dentro da programação do Massa Revoltante, uma série de atividades promovidas pelo Goethe-Institut em São Paulo e com curadoria dele.
Com canções em idiomas como zulu e soto, dois dos onze oficiais da África do Sul, Muyanga compartilhou retratos de protestos dos sul-africanos.
Desde grupos que combateram o Apartheid, militarizados ou pacíficos, até história de heróis que surgiram nesse período e em outros conflitos. “Foram vários heróis que ficaram pelo caminho e fizeram muitos hinos para eles”, conta o músico.
Foi o caso de uma música sobre um escravo indiano que levado para a África do Sul assume a liderança de um bando e foge para as montanhas perto da Cidade do Cabo. Capturados e condenados à morte por tortura, o escravo, para resistir a esse castigo, preferiu o suicídio.
Abusos na abordagem policial ou sobre a vida de exilados que passaram décadas longe de sua terra. São histórias as vezes cantadas por ministros, parlamentares que são do grupo de libertação de seu país e utilizavam a música que atingia todo o povo para fortalecer a luta.
“A origem da música de protesto na África do Sul é desconhecida. Todo mundo que cresceu comigo ouve as mesmas músicas. Ninguém precisou aprender, simplesmente sabe, pois eram cantadas em campos de treinamento pelos soldados que lutavam a favor do movimento de libertação. Não se trata de um gênero, mas de uma forma de viver”, define o sul-africano.
Ouça algumas das canções que fazem parte do arquivo de Neo Muyanga e foram apresentadas no Massa Revoltante.
O histórico de música de protesto no Brasil
Neo Muyanga, no dia 8 de junho, apresentou os exemplos de música de protesto dentro da programação do Massa Revoltante seguido de Naíra Marcatto, cantora e pesquisadora da história da música no Brasil. Juntos puderam refletir sobre as particularidades dos países e as semelhanças de suas lutas por meio da música.
“A violência, a criminalidade e a brutalidade policial daqui [São Paulo] são muito similares ao que acontece em Johannesburgo”, observa Neo que pesquisou sobre a música de protesto na cidade de São Paulo.
Baseado em conversas com artistas brasileiros chama a atenção dele o rap. “Assim como em outras partes do mundo, o rap representa uma forma de resistência dos jovens, principalmente, contra o sistema. É uma plataforma importante de protesto. Ele tem essa representação autêntica e válida”, mas alerta que não é qualquer música do gênero que cumpre esse papel. “Temos que pensar no conteúdo da música para definir como de protesto, porque alguns raps têm outros objetivos”.
Naira reforça a fala de Muyanga afirmando que para ela “a única música urbana de protesto [no Brasil] que está no mainstream [acessada por grande parte da população] é o rap, específico da Zona Sul de São Paulo, representado principalmente pelo Racionais Mc´s”.
A cantora acredita em música de protesto como ouviu Neo falar. “São como pedras, armas, paus que as pessoas usam para lutar”. E critica que a música de protesto na África do Sul é mais genuína. Surge e é cantada com a apropriação do povo. Diferente de como acorreu no Brasil. As músicas que ganharam visibilidade no país lá trás foram inspiradas na realidade brasileira, mas seguindo uma moda mundial de ativismo musical.
A música de protesto só é feita genuinamente e forte no país em ambientes restritos, pouco acessados e que Naira define mais como música de resistência. Exemplo disso é a preservação das músicas dentro de culturas tradicionais como indígenas e de matrizes africanas.
Durante a ditadura militar, as músicas usadas para protestar ganharam espaço de exibição na TV, por conta dos festivais de música popular entre 65 e 85. A cantora comenta que muitas canções tinham em suas letras críticas ao regime e até chamavam para a luta armada que para ela fica bem claro na música “Pra não dizer que não falei de Flores”, também conhecida como “Caminhando”, de 68, de Geraldo Vandré.
Mas para a pesquisadora de música brasileira, em todo esse período o movimento da Tropicália foi o que mais gerou efeito de mudança sem ter a pretensão inicial de assumir esse papel.
Sua fala é justificada pelo fato de achar que as letras apresentadas nos festivais de música popular brasileira não atingiam a compreensão de todos. As mensagens não eram diretas. Ficavam geralmente nas entrelinhas.
Sobre a oportunidade de falar sobre o papel das músicas de protesto, Neo Muyanga resume “Eu percebo que tem acontecido encontros extraordinários e muito raros no mundo inteiro. A mudança só vem quando um percebe que necessita do outro e vem de baixo, do povo. E eu tenho visto isso aqui. O que acontece hoje na Europa é que os insatisfeitos acabam formando organizações, partidos políticos. E aqui, as organizações e os partidos não estão no nível de saber o que nós, de baixo, queremos”.
Leia a opinião de artistas brasileiros sobre a música de protesto na reportagem Das periferias ao centro, por uma arte que transforma.
E participe do último evento do Massa Revoltante, hoje (12), às 18h.
Redação PEM