Reportagem de Luara Angélica e colaboração de Fábia Medeiros. Apoio: Camila Lima e Victor Frazão
Por trás da paisagem verde que cerca Parelheiros, no Extremo Sul de São Paulo, está uma população que precisa lidar diariamente com os impactos de um transporte público precário, demorado e insuficiente.
As histórias de Karina Tigre, Gabriel dos Santos e Jullyana Kariri revelam como a distância e a má qualidade da mobilidade urbana afetam a vida cotidiana de quem vive na região.
O deslocamento até bairros mais centrais, onde estão concentradas as principais oportunidades de emprego, educação, cultura e saúde, é um desafio que consome não apenas tempo, mas também energia física e emocional.
Karina, moradora do bairro Álamos, relata que gasta em média 2h30 para chegar ao trabalho na Vila Olímpia. “Enfrento ônibus superlotado, ar-condicionado quebrado, atrasos. Isso impacta minha rotina profissional e até mesmo o lazer. O cinema mais próximo está a pelo menos uma hora e meia de distância”, conta a analista de mídias sociais.
Essa sensação de estar sempre correndo contra o tempo também aparece no relato de Gabriel, estagiário farmacêutico de 20 anos. Morador de Parelheiros, ele passa pelo menos 6 horas por dia dentro de ônibus, trens e metrôs para cumprir os compromissos entre trabalho, faculdade e cursos.
“É um tempo que conseguiria estar usando ele muito melhor em outras áreas da minha vida. Podendo estudar mais, podendo me desenvolver fisicamente. Cansa muito!”, desabafa Gabriel.
Jullyana, arte-educadora e moradora da Vargem Grande, vive a mesma rotina exaustiva. Segundo ela, as más condições do transporte afetam diretamente a saúde das pessoas.
“É uma corrida contra o tempo. Quando saio para o centro, sei que só volto à noite, depois de muito trânsito, lotação, estresse. Já perdi shows de amigos, oportunidades de trabalho. E isso é muito comum aqui.”
Além do tempo excessivo nos deslocamentos, há ainda o medo.
Karina se sente vulnerável ao sair de casa ainda de madrugada e voltar tarde da noite por ruas mal iluminadas. “Esperar o ônibus sozinha num ponto escuro é angustiante. Quando posso, peço um Uber da última estação, mesmo pesando no bolso”, explica
Falta de acesso que aprofunda desigualdades
Os depoimentos apontam para um problema maior: a falta de planejamento e investimento público em regiões periféricas.
Parelheiros está a mais de 30 quilômetros do centro da capital paulista. Nessa região central concentram-se o maior número de empresas e, consequentemente, as vagas de trabalho, além de um número considerável de faculdades, universidades e escolas de ensino médio.
De acordo com o censo do IBGE de 2022, Parelheiros possui uma população de aproximadamente 153 mil habitantes, sendo que 48,2% têm até 29 anos de idade.
Para além da distância, há a dificuldade no acesso.
O tempo médio gasto no transporte público no horário de pico da manhã chega a 64 minutos por dia em Parelheiros, acima da média da cidade, que é de 42 minutos, segundo o Mapa da Desigualdade de São Paulo. Isso pode contribuir para o desestímulo, estresse, abandono de cursos, desistência de oportunidades de trabalho e até mesmo prejuízos à saúde mental desses indivíduos.
O distrito sofre com a ineficiência da infraestrutura de transporte. Os ônibus, em geral, são insuficientes e demorados, dificultando a mobilidade da população.
A Linha 9–Esmeralda de trens administrada pela empresa privada ViaMobilidade é a mais próxima, com a estação Varginha.
A extensão demandou um investimento total de aproximadamente R$ 952 milhões, de acordo com dados divulgados pelo Governo do Estado de São Paulo.
Os recursos foram oriundos dos repasses do Governo Federal, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) da Mobilidade, no montante de R$ 500 milhões, e o restante, R$ 452 milhões, foram financiados pelos cofres do Estado.
Com expectativa de atender 50 mil pessoas por dia, a estação Varginha está a 8,3 quilômetros da área central de Parelheiros. A estação, que demorou 12 anos para ser entregue, ainda opera em testes.
Em entrevista ao portal G1, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) declarou que, em breve, os trilhos chegarão ao distrito mais ao Sul da capital. “Temos a obrigação de pensar nos próximos passos, e nós solicitamos que fosse feito o estudo da extensão da linha até Parelheiros”, afirmou.
Porém, crescem as expectativas da comunidade em ter mais acesso a direitos com a promessa de estender a Linha 9 até a região. Procurada pela reportagem para informar sobre os estudos de viabilidade e prazos, a Secretaria de Transportes Metropolitanos do Estado não respondeu até o momento.
Luta pelo básico
Para quem vive em Parelheiros, as propostas para melhorar essa realidade não são utópicas. Pelo contrário. Querem o básico.
“Eu gostaria que existissem mais estações de trem ou metrô, quantidade de ônibus próximo à localidade onde eu moro. Isso facilitaria muito o deslocamento, para poder comportar toda a população também porque é uma problemática você sair de casa descansando e já passar estresse dentro do metrô, do trem, do ônibus, por pegar lotação”, aponta Gabriel.
“Gostaria de ver mais linhas de ônibus e maior frequência, principalmente em horários de pico e nos finais de semana, quando a espera é ainda mais longa. Também é fundamental que os veículos estejam em bom estado, com ar condicionado funcionando. Já na CPTM, ter maior segurança em horários de pico nas plataformas”, completa Karina.
Enquanto essas mudanças não chegam, a população de Parelheiros segue resistindo — muitas vezes em silêncio — enfrentando distâncias que não se medem apenas em quilômetros, mas em cansaço, oportunidades perdidas e sonhos adiados.
*Esta reportagem produzida por participantes do projeto “Repórter da Quebrada – Gerações Periféricas Conectadas”, realizado pela Periferia em Movimento com apoio da 8ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo
Edição de texto: Thiago Borges. Arte de capa: Rafael Cristiano. Equipe Educação Midiática: Aline Rodrigues, Ana Rodrigues e Pedro Salvador