Por André Santos. Edição: Thiago Borges. Design: Rafael Cristiano
“[A apropriação da pauta] vem da necessidade e do medo do futuro. Medo de não ter oportunidade de cursar um ensino superior. Então, alunos e jovens de todas as partes procuram se virar para estudar de forma minimamente organizada”.
A fala acima é de Valentina Hadana, de 19 anos, que estuda no Núcleo São Mateus em Movimento, cursinho popular na zona Leste de São Paulo que compõe a rede Uneafro Brasil. Ela é a representação de uma juventude cada vez mais articulada e engajada com a macroeconomia, que geralmente é lida como um assunto complicado e pouco atrativo.
O interesse pelo tema se deve ao trabalho de formação acadêmica e política desenvolvido nos núcleos de educação populares, que têm um papel importante na organização e amadurecimento do pensamento crítico de estudantes, que a partir disso passam a entender e participar mais ativamente de debates antes entendidos como distantes.
A jovem foi uma das mais de 150 pessoas, entre estudantes e docentes da rede em São Paulo e no Rio de Janeiro a se deslocarem até a capital federal, em junho deste ano, para a 1ª Jornada Pela Equidade Racial na Educação.
“Foi surreal em todos os sentidos, desde a viagem de avião até às atividades em locais tão importantes de Brasília, que eu acreditava ‘não ser espaço para mim’, já que a gente tem esse imaginário de que ‘só pessoas relevantes para o país’ podem ir e ocupar lá”, conta ela.
Em Brasília, o grupo se reuniu com importantes representações, como Anielle Franco, Marina Silva, Camilo Santana e Paulo Paim, para dialogar sobre as pautas do movimento negro em defesa da educação.
Também reivindicaram a redução da taxa básica de juros e promoveram uma aula pública em frente ao Banco Central com o intuito de ‘protestar e informar’, onde detalharam e discutiram quais os principais impactos e de que forma a alta da taxa afeta negativamente a vida cotidiana da população brasileira, sobretudo a negra e periférica.
“Além de sair de lá com certa dose de esperança e ter conhecido e me aproximado de pessoas incríveis, conhecer a capital federal do Brasil me fez perceber o quão importante é compartilhar com nossos próximos a possibilidade e importância de ir lá, acompanhados de movimentos sociais, para defender nossos direitos e interesses”, comenta a estudante.
Afinal, o que é a taxa de juros?
Determinada pelo Banco Central do Brasil, a taxa básica de juros da economia, conhecida como Selic (Sistema Especial de Liquidação de Custódia), é o valor que norteia todas as outras taxas de juros que afetam o dia a dia da população brasileira. É através dela que se calcula, por exemplo, as taxas de empréstimos bancários e qualquer outro meio de acesso a crédito.
No último dia 2 de agosto, o Banco Central diminuiu a taxa para em 13,25% ao ano, primeira queda depois de 3 anos. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva vinha criticando a possibilidade de manutenção da taxa de juros, o que classificou como “irracional” e “uma briga com a sociedade brasileira”.
Mas como essa taxa afeta o dia a dia da população?
De acordo com Júnior Rocha, coordenador da Uneafro, a taxa de juros tem impacto direto e indireto na vida das pessoas.
“De forma direta, é no endividamento. A partir da taxa alta de juros, o cartão de crédito, os empréstimos e financiamento de bens básicos acabam tendo um custo muito alto para a população que vai deixar de comprar esses bens ou vai se endividar, e por vezes não conseguir pagar”, explica.
Segundo a Pesquisa Nacional de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), elaborada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e divulgada em 5 de setembro, o índice de endividamento das famílias teve uma redução pelo segundo mês consecutivo, atingindo 77,4%, o menor desde junho de 2022.
Em contrapartida, o índice de inadimplência preocupa, uma vez que cerca de 30% da população brasileira tem alguma conta em atraso. Além disso, 12,7% não têm condições de quitar seus débitos. A maioria das dívidas são contraídas com gastos com cartões de crédito, que correspondem a 85,5%. Em seguida, as principais modalidades são os carnês (17,1%), crédito pessoal (9,2%) e os financiamentos de carro (7,9%) e casa (7,5%).
Ainda de acordo com Júnior, a dificuldade no acesso ao crédito também é um impeditivo na criação de novas vagas de emprego, uma vez que limita o crescimento dos setores de comércio e serviços, com efeito indireto da taxa alta.
“A maior parte dos empregos gerados hoje no Brasil são por pequenos e médios empreendedores, e sem o acesso a crédito ou a juros muito altos, eles deixam de pegar crédito para investir no crescimento e na criação de novas empresas. Isso impacta na criação de empregos no Brasil”, afirma.
Participação popular e ações educativas
Apesar de tão importante em nossa vida, a discussão geralmente não faz parte do dia a dia de uma grande parcela das pessoas. No entanto, de acordo com Júnior, a participação popular nessa discussão é de suma importância para que os interesses públicos sejam atendidos – e não somente os de bancos e grandes empresas, que são os maiores beneficiados com os altos valores praticados.
“As quebradas precisam se apropriar do debate da macroeconomia, porque no final do dia é isso que vai decidir quem come e quem não come, se você vai ter emprego ou não, se você vai ter acesso a geladeira, celular, energia elétrica, água e saneamento básico, educação e qualidade de vida como um todo”, diz Júnior.
Para contornar essa distância, a Uneafro promove ações de educação financeira a fim de fomentar o debate. Além do trabalho de formação desenvolvido nos 31 núcleos de educação popular e o aulão promovido durante a Jornada Pela Equidade Racial na Educação, é produzido mensalmente o Jornal Identidade. Também está previsto o lançamento de uma pesquisa e um e-book informativo nas próximas semanas.
Existe também um trabalho com uma equipe de profissionais, como Gabriela Chaves e Nath Finanças, influenciadoras que buscam explicar as “complicações financeiras” de maneira simplificada para a população em seus canais de comunicação na internet.
“Os resultados práticos são cada vez mais jovens negros, periféricos, estudantes e trabalhadores se apropriando do debate da taxa de juros, como de outras discussões da macroeconomia no Brasil como taxação de grandes fortunas. A gente tem conseguido estimular esse debate nas quebradas onde estamos inseridos”, comenta Júnior.
Vale lembrar que, em 7 de julho deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou a primeira fase da reforma tributária, prevista na Constituição Federal desde 1988 mas que nunca saiu do papel. Agora, a proposta passará por avaliação do Senado Federal. A taxação de grandes fortunas, por exemplo, que é um dos principais pilares da reforma, possui aprovação popular de 62% da população, segundo levantamento do Panorama Político, divulgado pelo Instituto de Pesquisa DataSenado.
“Eu acredito que se apropriar do debate da macroeconomia seja o primeiro passo para a classe trabalhadora negra e periférica se apropriar do poder. (É uma forma) de a gente estar cada vez mais próximo dos grandes debates da sociedade, para que a gente se prepare para ocupar e tomar esses espaços para nós, porque eles decidem grande parte da nossa vida”, conclui Júnior.
André Santos, Thiago Borges, Rafael Cristiano