Texto e fotos por Nathalia Ract (colaboração para Periferia em Movimento). Edição de Thiago Borges
Dona Cecília Nascimento carrega nas mãos e na memória uma vida no campo. Ela começou a trabalhar na roça, aos 6 anos, em Presidente Prudente (SP). “A gente teve plantação de arroz, melancia, feijão, milho, mandioca, batata doce e tudo isso aprendemos com o meu avô”, recorda-se ela, que é conhecida como Bisa. “De plantação, eu entendo”.
Hoje, aos 78 anos de idade, ela revive tudo isso na ocupação por moradia dos Queixadas, na divisa da capital paulista com o município de Cajamar (região metropolitana de São Paulo). Em seu quintal, a Bisa planta coentro, guaco, boldo, hortelã e manjericão. Dominar o cultivo de alimentos, mesmo que seja o mínimo, já ajuda nas economias de casa. “Isso me preocupa muito porque hoje se você pagar aluguel, você não come. Se come, não paga o aluguel”, aponta a Bisa.
Vítimas de trabalhos análogos à escravidão ao longo da vida, em que o dono das terras mal pagava o salário, ela e sua família nunca tiveram condições de comprar uma casa própria. Por isso, dona Cecília é uma das 200 residentes que há 2 anos vivem na ocupação. E é da luta pelo direito à habitação que os moradores buscam soluções para garantir outros direitos, entre eles a alimentação.
O movimento Luta Popular começou com o “Projeto de Geração de Renda, Alimento e Profissionalização” no interior de ocupações e bairros periféricos. Isso inclui uma formação sobre o aproveitamento desses territórios com o ensino de técnicas agroecológicas e produção de alimentos em maior escala para auto sustentação das comunidades.
“[A horta nos Queixadas surgiu] para produzir alimento para as famílias que estão no dia a dia da ocupação”, explica Vanessa Mendonça dos Santos, 33, que também vive na comunidade e nota uma vulnerabilidade maior da população com a situação da pandemia, o aprofundamento do desemprego e os cortes no auxílio emergencial. “Nós sabemos que está tudo muito caro e que as pessoas estão passando muitas dificuldades neste momento”, continua. Em todo País, estima-se que mais de 38 milhões de pessoas estejam passando fome.
Da terra ao prato
No quintal de Marinalva Silva, 44, germinam plantas e mudas de árvores frutíferas como jaca, caju e pitanga. “Tenho a fruta que a maioria das pessoas aqui não conhece, que é a Pitomba, da minha terra na Paraíba”, conta ela, que também planta um pé de feijão andu, bom para refeições e para tratar bronquite ou problemas intestinais; e açafrão, muito usado como tempero e como chá para limpar o pulmão.
Mari também cultiva algumas plantas alimentícias não convencionais (PANCs), como peixinho e capuchinha. “A capuchinha é uma plantinha que você usa na salada, além de ser muito gostosa, você pode decorar o prato”, explica.
Além do plantio nos lotes dos próprios moradores, a Ocupação dos Queixadas tem uma plantação em um espaço de aproximadamente 30 metros onde crescem diversas espécies, como: alface, batatas, berinjela, cebolinha, salsinha, espinafre, jiló, inhame, mandioca, pimentas, pepino, pimentão, quiabo, rabanete e PANCs como capuchinha, mastruz, peixinho entre outras.
O projeto começou em novembro do ano passado e está dividido em 4 partes: troca de conhecimentos sobre agricultura familiar entre moradores; práticas de cuidado, manuseio do solo e montagem de canteiros; plantação, acompanhamento e rega; e, por último, a colheita e avaliação do processo.
“Para alcançarmos esse objetivo de alimentar as famílias aqui dentro, nós precisamos de um espaço maior. Mas a horta já ajudou bastante. Tem muitas pessoas que precisam de uma verdura, de um vegetal, de um tempero e não têm como comprar”, explica o Mari, 44.
Junto a um grupo de trabalho formado por moradores, o agricultor familiar Daniel Querino, 40 anos, planeja mudanças na horta. Para isso, o Luta Popular lançou uma campanha para arrecadar fundos para a compra dos materiais necessários para a horta, como caixa d’água, ferramentas de manuseio, mudas, sementes, adubo, cercas e também para ajuda de custo do instrutor.
Como doar? Por depósito bancário para a Daniela Almeida Embon CPF: 318.051.508-20 Conta Banco do Brasil (agência AG 4752; CC: 12101-0) Telefone para contato: Avana (11) 98541-3914. Mais informações aqui.
Luta pelo básico
Garantir a alimentação é mais uma frente de quem vive na ocupação dos Queixadas. No dia 20 de maio, moradores entregaram um Pedido de Regularização Fundiária de Interesse Social na Prefeitura de Cajamar (SP). Desde o final de 2020, as famílias estão sendo ameaçadas de despejo em plena pandemia. Além de permanecer no território, os moradores exigem que o prefeito Danilo Joan escute as necessidades da comunidade.
“Se a gente tiver um despejo aqui, pra onde a gente vai? O que vai acontecer com as famílias? O prefeito precisa dar uma alternativa do que a gente poderia fazer”, aponta Vanessa.
A inspiração para seguir vem de longe.
“Queixada” é uma espécie de porco do mato bastante temido por caçadores, pois quando está ameaçado juntam-se em bando para avançar com força sobre o inimigo. Não por acaso, foi o nome escolhido por trabalhadores que participaram da histórica greve da fábrica de cimento Portland Perus. Iniciada em 14 de maio de 1962, essa greve deu origem ao movimento operário que lutou por direitos nos corredores do Tribunal Regional do Trabalho na cidade de São Paulo, em plena ditadura militar.
A resistência está na raiz da ocupação.
Redação PEM
2 Comentários
[…] iniciativa é do Luta Popular, que durante a pandemia fomentou a produção de alimentos dentro das ocupações em São Paulo – uma solução que o movimento encontrou para enfrentar a fome. Dona Jilvanete […]
[…] mora na Ocupação Queixadas, em Cajamar (região metropolitana de São Paulo), finalmente vai poder montar a árvore de Natal […]