“É importante a vinda das pessoas para entender a nossa luta que nunca vai acabar”, diz Elias Honório dos Santos ou Verá Mirim, em guarani, cacique das aldeias guaranis Tenondé Porã e Tekoa Eucalipto.
O cacique e algumas famílias guaranis receberam visitantes na última quarta-feira dentro da programação do Estéticas das Periferias, durante o percurso coordenado pelo Sarau do Binho.
O trajeto feito começou na sede do sarau, localizada no Parque Esmeralda, Campo Limpo, e fez duas paradas para pegar passageiros. Uma na escola EMEF Ministro Synésio Rocha, no Jardim Umarizal, e outra na sede do Bloco do Beco, no Jardim Ibirapuera. De lá, partiram destino à Parelheiros, aldeia guarani Tekoa Eucalipto.
No caminho, feito por quase quatro horas por causa das paradas, da distância e do trânsito, já era possível uma reflexão sobre as distâncias geográficas e culturais que aquele grupo se propôs a percorrer.
E essas são algumas das dificuldades enfrentadas pelos indígenas que vivem ao extremo sul da cidade e tem o desafio diário de provar seu valor e seus direitos, assim como, em alguns aspectos ocorre com os moradores de diferentes periferias de São Paulo.
Recepção com lição de história
Ao chegarem na aldeia, a primeira conversa dos visitantes com os nativos da terra foi com a professora Poty Poran Turiba Carlos. Ela já inicia com uma afirmação “as pessoas ouvem que o Brasil foi descoberto, mas foi uma invasão planejada. E de lá pra cá o que acontece é uma luta por terra”.
De acordo com a professora, no começo foi o extermínio mesmo. Etnias foram eliminadas. “línguas e culturas que nunca vamos saber”, lamenta ela. Depois, davam roupas com varíola para eles. Muitos morriam com garganta inflamada, por não terem resistência às doenças do homem branco.
Na época da ditadura, um documento chamado “Relatório Figueiredo” comprova as ações militares feitas contra os povos indígenas. “Os militares tiveram um grande papel no genocídio indígena. Aldeias que não tinham contato com os não índigenas foram bombardeadas”, garante Poty Poran.
Hoje, o inimigo indígena são os parlamentares da bancada ruralista que se junta com os evangélicos e se tornam um grande grupo. “A guerra de território continua”, reforça indicando o documentário “A Sombra de um delírio verde”, que mostra como a mídia usa o discurso ambiental a favor do agronegócio e contra os índios.
Mas uma nova relação é possível
O convívio entre indígenas e não-indígenas pode ser positivo, prova disso foi o que aconteceu com a ida do Sarau do Binho para lá. Guaranis e os chamados “homens brancos” promoveram juntos diversas formas de poesia. Entre elas, uma com versão nos dois idiomas.
As meninas guaranis Jéssica (Potyju) e Keryn (Kereju) receberam um pedido especial do poeta Wedson Caruru. Depois de cantar sua música “Mataram um boi” para as jovens, ele quis saber como ficaria em guarani. As duas atenderam o compositor traduzindo um trecho da canção. Veja o resultado:
“O que que foi menino, o que que aconteceu. Mataram o boi que vovô me deu”
“Mba´e tu ava´i, maba´e tu oî ha´e vaka o juka xamoî o me´e va´e kue”
Influência por proximidade e identificação
Um grupo de jovens da aldeia aproveitaram o formato do sarau e assumiram o microfone com o rap do grupo indígena “Brô MC´s. Perguntados quais outros grupos eles gostavam de ouvir, eles citaram Racionais MC´s e Realidade Cruel.
Os adolescentes guaranis explicam que curtem os grupos porque na música deles é cantada a realidade das periferias e também das aldeias, como é o caso da música que apresentaram “Terra Vermelha”.
Diferente de algumas aldeias que conseguem manter distância da cultura não-indígena, as guaranis de Parelheiros estão em contato direto e frequente com a cultura da cidade. E inclusive, por uma questão de sobrevivência precisam interagir.
Seja pela luta para demarcação de terra ou para garantirem seu sustento, porque há muito tempo não conseguem viver do que a terra oferece e precisam comprar seu alimento. “Hoje, é importante a convivência entre índios e não-índios, mas um respeitando a cultura do outro”, reforça cacique Elias.
Na tentativa de conscientizar a juventude da aldeia da importância de preservar seus costumes, a professora Poty Poran leu uma de suas poesias que expressa sua preocupação.
As crianças da minha aldeia
As pequenas crianças
Que correm na aldeia
Dão-nos um futuro de esperança.
É nelas que estarão
Guardada a essência da cultura
Enraizada nos corações
Das lideranças futuras.
Não desanime crianças,
Não se entreguem,
E não se iludam
Com as coisas belas
Do mundo juruá
Pois são elas
Que nossa identidade
Pode minar.
Videogames, DVDs
Músicas e novelas
São todas diversão
Mas não se enganem
Essas coisas não são guaranis
E podem fazer vocês querer ser
Aquilo que nunca serão
E não devem ser.
Aline Rodrigues