Fotos André Bueno, Guaíra Maia e Thiago Borges
Rios de água limpa, cachoeiras, remanescentes de Mata Atlântica, animais silvestres e até mirantes para observar o mar. Inimaginável para muita gente, essa São Paulo existe: fica na região Extremo Sul, sob o cuidado de comunidades indígenas da etnia guarani e do povo de santo de diversos centros religiosos de matriz afro.
E o significado sagrado das plantas é o que une as duas culturas.“As similaridades que notamos é a do mundo invisível. São comunidades muito espiritualistas e as plantas têm um papel fundamental, porque são utilizadas em rituais”, diz Guaíra Maia, arquiteta, urbanista, educadora e fotógrafa.
Em 2012, ela e mais sete pessoas do Instituto Refloresta se envolveram no projeto “Entre a Cidade e a Floresta” com objetivo de analisar a sociobiodiversidade de comunidades tradicionais nas duas áreas de preservação ambiental (APAs) locais – Bororé-Colônia e Capivari-Monos, território verde que ocupa 40% do município e responde por 30% da água de nossas torneiras.
Por um ano, eles conviveram com indígenas da aldeia guarani Tenondé Porã e membros do terreiro Asé Ylê de Hozoouane. Alguns registros feitos nesse período compõem a exposição fotográfica que leva o nome do projeto e estreia nesta quinta-feira (28 de agosto), na Casa de Cultura Palhaço Carequinha, no Grajaú. O evento faz parte da programação da Virada Sustentável no Extremo Sul.
De travessia a permanência
Ao longo dos séculos, Parelheiros foi rota de passagem entre o planalto e o litoral. Primeiro, dos guaranis, que seguiam o curso dos rios para transitar entre as aldeias em Santo Amaro e Itanhaém. Depois, pelos colonizadores portugueses, que se apropriaram do conhecimento indígena.
Na década de 1950, alguns desses índios se fixaram no local, à margem da represa Billings. Hoje, existem três aldeias na região – a Tenondé Porã, a Krukutu e, mais recentemente, a Tekoa Eucalipto.
Atualmente, a luta guarani é pela demarcação de um território de 15 mil hectares na Serra da Mar, que integraria as aldeias em São Paulo e Itanhaém. Enquanto isso, mais de 1,5 mil pessoas vivem em uma área de apenas 26 hectares.
“Nós não temos espaço para fazer uma plantação e um bom projeto porque a terra é pequena. Cada vez mais está crescendo a população indígena e não temos mais espaço para morar”, explica o Elias Honório dos Santos, ou Verá Mirim, cacique da Tenondé Porã.
A terra é essencial para a manutenção da cultura guarani. É de onde eles retiram o sustento para o corpo e para a alma. Entre os rituais realizados na Casa de Reza, no centro da aldeia, estão a consagração do milho e da erva mate.
Porém, com um tamanho limitado para plantar e um solo infértil, essas tradições estão ameaçadas. “Muitos falam que o índio não precisa de terra, mas na verdade todos nós seres humanos precisamos de terra”, completa Verá.
A proximidade com a cidade influencia o cotidiano na aldeia. Sem terra de onde tirar alimento, os guaranis recorrem a produtos industrializados. “Eles produzem muito resíduo, mas não têm coleta de lixo”, diz Guaíra.
Bordas da cidade
E a mancha urbana avança cada vez mais, enquanto a floresta resiste. “Quando chegamos aqui, não havia água, luz nem transporte, e só algumas casinhas”, explica Luiz Antonio Katulemburange Amorim, 62 anos, pai de santo do terreiro Asé Ylê do Hozoouane, que se mudou para Parelheiros em 1980.
Desde então, a população da subprefeitura de Parelheiros aumentou quase 400%. Hoje, cerca de 150.000 pessoas vivem na região. O impacto é visível no dia a dia dos povos de terreiro – isso porque, nas religiões de matriz afro, os orixás são divindades da natureza e elementos como a terra, a água e o ar são fundamentais para realizar os ritos.
“Temos que ir cada vez mais longe para encontrar um local adequado para fazer nossas oferendas ou buscar as plantas que precisamos”, explica Katulemburgange, cujo orixá é Obaluaiê.
Natural de Itabuna (BA), ele foi iniciado no candomblé aos 12 anos de idade. Aos 20, veio para São Paulo acompanhar a mãe em uma cirurgia do coração e nunca mais voltou. Aqui, passou a atender pessoas em uma casa alugada no Jabaquara. Entretanto, precisava viajar até Mongaguá para buscar folhas ou fazer rituais em cachoeiras.
“Se mudar para cá foi uma exigência de Obaluaiê. Meu orixá é o senhor da terra, o princípio e o fim. Por isso viemos para cá, pois aqui está a natureza”, diz ele, que foi atraído pelos recursos naturais existentes em Parelheiros. Com a ocupação crescente, isso se tornou mais escasso, então Katulemburange cultiva mudas de romã e cânfora, entre outras.
A chegada de novos moradores (e surgimento de novos problemas) também motivou a ampliaçnao a atuação Asé Ylê para além do campo religioso. Hoje, o espaço realiza distribuição de leite, cursos profissionalizantes em diversas áreas, ensino de idiomas e pré-vestibular, entre outros.
E, como a região abriga pelo menos outros dez terreiros de umbanda ou candomblé, o pai de santo promove cursos de educação ambiental para conscientizar outros sacerdotes sobre a preservação dos pontos onde realizam as oferendas.
“É regra do candomblé que você tem que festejar pelo orixá”, ressalta Katulemburange, que no próximo sábado, 30 de agosto, comemora 50 anos de sacerdócio com uma cerimônia religiosa. “Mas eu devo recolher as sacolas plásticas e, se vou usar a bebida lá, posso colocar em um recipiente biodegradável e trzer a garrafa de vidro”.
Nesse sentido, os “ebós ecológicos” de Katulemburange e a luta por demarcação de terras do cacique Verá Mirim dão uma importância ainda maior para o equilíbrio ambiental da cidade de São Paulo. Afinal, como eles nos ensinam, a terra é sagrada.
Anotaí!
Exposição fotográfica “Entre a Cidade e a Floresta”
Quando? Dia 28 de agosto, quinta-feira, às 19h
Onde? Casa de Cultura Palhaço Carequinha – Rua Professor Oscar Barreto Filho, 50 – Pq. América – Grajaú
Rolê no Extremo Sul com Imargem
Quando? Domingo, 31 de agosto, das 08h30 às 18h
Onde? Ponto de encontro: Casa de Cultura Palhaço Carequinha – Local: Rua Professor Oscar Barreto Filho, 50 – Grajaú
O quê? Saída de ônibus por pontos estratégicos de grande relevância aos aspectos sustentáveis da região. Roteiro passará por Aldeia Indigena Tenondé Porã, Produção de Agricultura Orgânica, Parques Naturais de compensação do Rodoanel, Ilha do Bororé (Igrejinha de São Sebastião 1904, Bar antigo da Dona Nadir e mural produzido pelo Imargem), Casa Ateliê Galeria Daki, Aniversário do Pagode da 27.
Inscrições aqui
Cinquentenário de Hozoouane – Katulemburange
Quando? Sábado, 30 de agosto, às 20h
Onde? Terreiro Asé Ylê de Hozoouane: Rua Conde de Fontalva, no 100 – Jardim Santa Fé – Parelheiros – Extremo Sul de São Paulo – SP
Informações: (11) 5920 2362 / (11) 3455 0843
Thiago Borges