Com arenas e sócio-torcedor, “futebol moderno” dificulta acesso a ingressos e afasta torcida periférica das partidas

Com arenas e sócio-torcedor, “futebol moderno” dificulta acesso a ingressos e afasta torcida periférica das partidas

Conversamos com quem torce para Palmeiras e Corinthians, dois times populares e que detêm as arenas paulistanas

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Por Paula Sant’Ana. Edição: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano

Palmeiras e Santos duelam pelo título do Campeonato Paulista deste ano. A final, disputada em partidas no último e no próximo domingo (dias 31 de março e 7 de abril, respectivamente), atrai grande público aos estádios. O primeiro jogo, vencido pelo Peixe, foi na clássica Vila Belmiro. Já a volta será na casa do Verdão, o moderno Allianz Parque. Neste clássico decisivo que mobiliza corações, sempre cabe a pergunta: afinal, quem consegue acompanhar de perto o esporte mais popular do País?

Denis Rocha, torcedor do Palmeiras (foto: arquivo pessoal)

Morador de Osasco (Região Metropolitana de São Paulo), o palmeirense Denis Rocha, de 21 anos, começou a ir com frequência aos jogos do Palmeiras em 2022, no pós-pandemia. De lá pra cá, ele faz malabarismos para seguir o alviverde. Afinal, os gastos do torcedor para acompanhar o time giravam em torno de R$ 260 por mês, entre condução, alimentação e programa sócio-torcedor do clube.

Operador de loja em uma rede de supermercados e estudante de Psicologia, Denis decidiu cancelar a assinatura em janeiro deste ano. Além de pesar no orçamento, não estava compensando. Só com o plano ouro, ele desembolsava R$ 145 por mês.

Em geral, o pacote coloca o sócio na terceira pré-venda de ingressos e concede descontos que variam de 25% a 100% do valor do tíquete. Quanto mais jogos a pessoa comparecer, maior é a prioridade que ela tem na compra dos ingressos e a possibilidade de conseguir descontos melhores.

“Quando a gente faz a assinatura do Avanti, paga com o objetivo de ir no Allianz e quando o jogo é mudado para Barueri, a gente não tem vantagem nenhuma e ainda perde a prioridade [na compra] se não for em um jogo”, aponta Denis.

Neste ano, o Palmeiras só jogou 3 partidas no Allianz Parque, localizado na Barra Funda (zona Oeste). O estádio foi interditado provisoriamente por conta das más condições do gramado sintético e liberado pela Federação Paulista no dia 19 de março.“Então, diversas partidas aconteceram na Arena Barueri, a cerca de 30 quilômetros de distância.

Se antes parte de assinantes do programa de sócio-torcedor dava um jeitinho para passar ingressos a outras pessoas a manter a pontuação, agora não é mais possível.

Em janeiro de 2023, o Palmeiras começou a implementar o sistema de reconhecimento facial no Allianz Parque. Em maio, a medida passou a funcionar em todos os setores. Segundo o clube, o uso da tecnologia visa conter a venda irregular de bilhetes. Inclusive, a partir de 2025, o reconhecimento facial será obrigatório em todo o País pela Lei Geral do Esporte.

Elaine Gomes, torcedora do Palmeiras (foto: arquivo pessoal)

“Ajuda, mas também prejudica o próprio palmeirense. Não é todo jogo que a gente vai conseguir ir. É um trabalho do cacete para conseguir uma ‘estrelinha’ [na pontuação]. Se você não vai em um jogo, você já perde”, diz Elaine Gomes, 34, do Grajaú, no Extremo Sul.

Para manter a frequência nos jogos, a empreendedora utiliza o plano ouro. Integrante da Torcida Uniformizada do Palmeiras (TUP), Elaine vai praticamente em todas as partidas. Além da distância (até Barueri, cerca de 60 quilômetros e mais de 2 horas de transporte), ela tem dificuldade de levar o filho Benício, de 5 anos.

“É absurdo uma criança ter que pagar o mesmo ingresso […] Queria ter muito mais oportunidades de levar ele”, conta.

Quem pode entrar?

Entende-se como “arenização” uma forma de consumir o esporte. Na cidade de São Paulo, Corinthians e Palmeiras possuem arenas multiuso.

Além de servirem para o futebol, os espaços recebem grandes eventos como shows de artistas de renome. Assim, o futebol ganha um status de produto, trazendo elitização e influenciando no acesso.

“A forma de lutar contra isso é protestar, é pedir o ingresso popular. Mas o que se percebe é que quem tá no poder, e quem tem a palavra final, quem pode decidir isso, não dá ouvidos para quem tá falando de fora”, diz o escritor e cineasta Alessandro Buzo, 51, que alterna a moradia entre o Itaim Paulista (zona Leste) e a praia de Camburi, no litoral paulista.

Autor de “Maior Campeão do Brasil”, Buzo diz que a arenização é a “modernidade” e destaca ser algo permanente:

“Seja as arenas, seja SAFs, tudo isso veio pra ficar, não vai ter volta. Ninguém vai derrubar o Allianz Parque e construir o Parque Antártica de novo”.

O Allianz foi inaugurado em novembro de 2014. De lá pra cá, a elitização é sentida por palmeirenses não apenas dentro do estádio, mas também no entorno.

Em 23 de outubro de 2016, a torcida foi surpreendida por um tipo de “cerco”, com um bloqueio que impedia pessoas sem ingressos de acessar as ruas Palestra Itália, Caraíbas e Padre Antônio Tomás.

“O Palmeiras deixa bem claro: ‘Não, não é para vocês virem aqui. É para você ficar na sua periferia. Vai ver o jogo daí do bar do seu Paulo, não é para você vir para cá’”, desabafa o atendente de bar Wanderlei Laurino, 54, morador da Brasilândia (zona Norte). Ele é integrante do Ocupa Palestra, coletivo que luta por um clube mais inclusivo, transparente e democrático.

Do outro lado da cidade, em Itaquera (zona Leste), o Corinthians também possui uma arena. Os clubes são rivais históricos, mas para quem torce existem sentimentos em comum quando o assunto são as dificuldades de pessoas mais pobres acompanharem o time (confira infográfico no final da matéria).

“É produto da política do Fiel Torcedor de acúmulo de pontos, né? Tem ali também uma lógica de competição, talvez até mesmo meritocrática”, destaca Danilo Pássaro, 31, assessor político, fundador do instituto Periferia Sem Fronteiras e membro dos Gaviões da Fiel.

No momento, o alvinegro passa por um período de reestruturação política. A antiga chapa governou o clube por cerca de 16 anos. Agora, a torcida almeja mais oportunidade para o povão.

Cria da Brasilândia, Danilo consegue acessar a Neo Química Arena por ser integrante da torcida organizada e destaca os focos de resistência no estádio.

“A gente ainda consegue ter alguma manutenção do que era no Pacaembu no setor das organizadas. É um valor que é mais popular também, então o setor norte segue sendo a resistência do povo na arena” – Danilo Pássaro, corinthiano

Antes da Arena Corinthians, inaugurada em maio de 2014, o clube mandava grande parte dos seus jogos no Pacaembu, na zona Oeste da capital. O processo de arenização segue crescendo e o ‘Paca’, que era administrado pela Prefeitura, foi concedido à iniciativa privada e será reinaugurado como Mercado Livre Arena. A empresa pagou R$ 1 bilhão para colocar seu nome no estádio.

Reabrir os portões

Amanda Zanotti e o filho Miguel Corinthians (foto: arquivo pessoal)

Amanda Zanotti e o filho Miguel Corinthians (foto: arquivo pessoal)

Assim como o rival Palmeiras, o Corinthians não disponibiliza mais ingressos na bilheteria física. Para Amanda Zanotti, 32, líder comunitária e presidente nacional da União da Juventude Brasileira (UJB), é preciso repensar essa questão.

“Acho que precisa existir uma política. ‘Ah, beleza, libera 5 mil ingressos no Parque São Jorge para o povão’. Precisam entender que tem muita gente que não tem acessibilidade, que não tem acesso à internet, que não sabe mexer nessas coisas”, comenta a moradora de Perus, na zona Noroeste.

Amanda também chama a atenção para uma melhor inserção de mulheres no espaço: “Acho que abrir mais esse espaço de acessibilidade, de questão do idoso, questão da criança. Quando você tá inserindo essas pessoas, tá ajudando as mulheres indiretamente a também estar participando desse espaço, porque para o homem sempre foi muito fácil”, diz a mãe do pequeno Miguel Corinthians, de 5 anos.

Relato da repórter-torcedora Paula Sant’Ana

Uso o plano Ouro do Avanti para ir aos jogos. Antes, ia esporadicamente, pois não sobravam os ingressos mais baratos e ficava muito salgado o valor. Para acompanhar o Palmeiras com frequência, o sistema nos leva a ter o sócio e ter uma boa frequência. Ajustando a rotina aqui e ali, agora consigo ir a praticamente todas as partidas do ano e acompanhar ainda mais o meu time do coração. Sonho com o dia que verei mais pessoas periféricas presentes no Allianz, pois o futebol reflete a paixão de milhões.

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