Favela Drag: Os bastidores de um reality show na periferia de São Paulo

Favela Drag: Os bastidores de um reality show na periferia de São Paulo

A cultura drag periférica brasileira é desmistificada pelo corre de artistas independentes, que inovam em formatos para divulgar a arte. Confira como foi a gravação do último episódio da série, que será exibido neste sábado (9/9)

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Por Elisabeth Botelho. Edição de texto: Thiago Borges. Fotos: @vineomkr

“2 votos! Só faltaram 2 votos”, diz a placa segurada por Cilindra, que chora por ser desclassificada da grande final do Favela Drag, um concurso de drag queens na periferia de São Paulo. A plateia ri e aplaude, afinal tudo faz parte de uma performance da artista. As lágrimas falsas saíam pela máscara que ela estava utilizando.

E performance é o que não faltou na Casa de Cultura Vila Guilherme, o Casarão (zona Norte de São Paulo), no fim de tarde daquele sábado, dia 19 de agosto. A sala principal do espaço estava decorada com uma estética glamourosa, colorida e cheia de personalidade. No centro, havia uma painel com cores vibrantes, azul, rosa e verde, e o nome da atração.

A gravação do episódio final do reality show de quebrada reuniu equipe, participantes e pessoas convidadas. A produção andava de um lado para o outro, de olho nos equipamentos de som e imagem. Em outras salas, as drags se montavam para o grande evento. De tempos em tempos, alguém entrava no recinto para acompanhar o desenrolar. No palco onde tudo aconteceria, bancos estavam dispostos como num desfile de moda.

“É a primeira vez que a Casa de Cultura está recebendo drags queens, então isso já é muito potente. Uma casa desse jeito, que tem muitos anos, está recebendo drags pela primeira vez somente em 2023. Então é um impacto que a gente traz, mostrar que a gente existe, resiste e que precisamos falar sobre, precisamos nos exibir” – Avante, apresentadora do Favela Drag

Contribuição artística

O Favela Drag é uma websérie veiculada no youtube em formato de reality show em que as drag queens participantes realizam desafios e falam das suas vivências enquanto pessoas LGBTQIAPN+ e periféricas. O projeto foi viabilizado por um edital público da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Apresentado pelas drags Avante e Felippa, o programa foi criado na pandemia como alternativa para dar visibilidade e garantir o trabalho de artistas em um momento em que vários espaços tiveram que fechar as portas.

“Artistas periféricos já não têm tanta oportunidade, e aí quando fecha tudo são os primeiros que sentem esse impacto” – Henrique Binatto, uma das pessoas que idealizaram o Favela Drag

A primeira temporada teve vídeos gravados em casa por participantes e enviados para Neyson Cezar, Henrique Binatto e Felippa, que idealizaram o projeto. Já na segunda temporada, após a pandemia, as gravações foram feitas no Casarão da Vila Guilherme. Na criação do Favela Drag, as inspirações foram programas conhecidos como RuPaul’s Drag Race e Nasce uma Rainha. A ideia de fazer um programa de televisão é marcante na construção do projeto, a fim de atingir um público maior.

O episódio final de Favela Drag estará disponível a partir deste sábado, dia 9 de setembro, no canal do programa no YouTube. Clique aqui para se inscrever e acompanhar. Além do reality, o coletivo lançou o curta-metragem “Memórias Drag” e já idealiza a terceira temporada do programa, mas agora feito em alguma favela de São Paulo. Todas as informações serão divulgadas no instagram do grupo: @faveladrag.

Criando referências

Em toda comunicação há uma estética periférica com colagens, grafittis e referências LGBTQIAPN+, como conta Ailik Uranus, que esteve presente no Casarão para a gravação da final e destaca o quanto são importantes movimentos como esse para evidenciar trajetórias e que de alguma maneira acaba protegendo suas vidas.

“A partir de eventos assim, trazendo visibilidade na internet, a gente consegue se sentir mais segura de se montar, de conseguir sair na rua, de exercer nossa sexualidade, nossa arte, ver nossa arte na rua, na nossa quebrada.” – Ailik Uranus

A responsabilidade de dar visibilidade às drags queens vai além da comunidade LGBTQIAPN+. Assim como toda arte, a disseminação cabe ao todo.

“A gente sabe que as pessoas nos olham, né? A gente sabe que as pessoas nos percebem e que aquilo é novo, causa estranhamento”, conta Heitora, finalista desta temporada.

E por inúmeras vezes esse olhar acaba virando preconceito, LGBTQIA+fobia e apagamento da arte drag como importante contribuição artística para a cultura na periferia.

“Só pelo fato da gente sair maquiada, colocar uma peruca, colocar uma calcinha, já é um ato muito político”  – Felippa

Quando Felippa fala que a periferia tem melhores artistas e o seu próprio show, reflete também na importância de saber quem são esses talentos que podem inspirar na arte e na vida. Essas referências mudam a perspectiva da busca dos espaços mais centrais da cidade para a própria quebrada.

“Eu faço parte da periferia e onde eu moro eu não tenho nenhuma referência artística”, compartilha Heitora.

Moradora na Vila Primavera, em Sapopemba (zona Leste), ela destaca a importância de demarcar a presença drag no imaginário das pessoas. Contudo, ressalta que nem toda quebrada vê a arte drag como parte da cultura periférica, inclusive quando ela é preta.

“Conversando com as meninas e menines, a gente entende que existem várias periferias. Existe aquela periferia que é mais pacífica, mas existe aquela periferia que é muito mais violenta. E isso traz recortes, porque a gente vai entendendo que apesar do nosso tom de pele ou do nosso nível de privilégio, existem recortes de privilégios. É muito doido, porque todo mundo mora numa periferia … São histórias que só o Favela Drag conseguiu juntar”, conta Heitora.

Reality da desconstrução

Algo feito da quebrada para quebrada traz diversos impactos positivos para quem participa, produz e assiste, além de mostrar outra realidade do corre drag periférico brasileiro. A proposta desconstrói o cenário glamouroso norteamericano e traz as pessoas mais pra perto de uma referência da cultura drag próxima da sua realidade, tornando-a possível.

“Quando a gente traz o reality de favela, a gente mostra como é um corre de verdade, né? Tipo, pegando promoção de maquiagem na 25 de Março, sabe? Pegando roupas emprestadas de outras gatas styles, fazendo permuta. A gente faz permuta entre nós também. Então, é mostrar essa realidade que não tem nada de glamour. Tem glamour, óbvio! Mas não é nada como as outras pessoas veem”, explica Júpter, finalista da segunda temporada.

“É um outro feeling [percepção], sabe? É um outro approach [abordagem]… A gente recebeu alguns kits de maquiagem, coisas básicas, que se fosse uma drag que tivesse começando e quisesse se aventurar no Favela Drag, ela iria conseguir se montar com tudo que a gente ganhou”, divide Heitora.

Cada participante do Favela Drag recebeu um kit com itens de maquiagem e acessórios para auxiliar na construção dos seus personagens. O cuidado com o transporte e em ter uma ajuda de custo também foram diferenciais na websérie.

“Tem uma coisa de acolhimento muito forte. Eu acho que é por a gente entender a nossa realidade mesmo.” – Júpter

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