Por André Santos. Edição: Thiago Borges. Fotos: Alesp
Uma estudante negra de 12 anos sofreu agressões e xingamentos racistas em uma escola municipal de Novo Horizonte, no interior de São Paulo. A família registrou boletim de ocorrência, mas a escola Hebe de Almeida Leite Cardoso negou que se tratava de um caso de racismo.
Por isso, na última quinta-feira (21/3), Dia Internacional de Combate a Discriminação Racial, um coletivo de educadoras agiu para mudar essa situação. O grupo articulou uma audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) para definir um conjunto de práticas para aplicação no cotidiano.
Hoje, não existe um protocolo comum para lidar com situações como essa. Cada escola adota as próprias medidas de combate e conscientização, fator que dificulta que ações práticas e eficientes de enfrentamento sejam tomadas no dia a dia.
“O Coletivo Antonieta de Barros chegou ao nosso mandato para que a gente de fato construa um protocolo, para que a escola não seja um lugar de reprodução do racismo, mas sim de conscientização”, diz a deputada estadual disse Ediane Maria (PSOL), que acolheu e convocou o encontro na Alesp. durante sua fala de abertura na audiência pública.
A agenda foi solicitada pelo Coletivo Antonieta de Barros, que inclui professoras, coordenadoras, pesquisadoras e bibliotecárias ligadas à rede municipal de ensino da cidade de São Paulo, que procuraram pela parlamentar após duas integrantes denunciarem casos em que sofreram discriminação racial nas escolas onde atuavam.
Segundo pesquisa realizada pelo Ipec, Instituto de Referência Negra Peregum e Projeto SETA, a escola é apontada por 64% da população brasileira entre 16 e 24 anos como o lugar onde mais sofrem racismo.
O Coletivo Antonieta de Barros propõe uma série de ações pedagógicas com o intuito de evitar novos casos como esse no ambiente escolar. Entre elas, estão formação constante de profissionais da unidade para agirem contra os casos de discriminação, a criação de comitês antirracistas dentro das escolas e o incentivo a docentes e estudantes para criarem projetos com ações afirmativas. Para conferir todas as propostas defendidas pelo Antonieta de Barros, acesse e assine o manifesto do coletivo.
“(Com a audiência pública) Estamos demarcando e ocupando um espaço importante, fazendo um movimento que é essencial, absolutamente necessário e, infelizmente, pioneiro. Não queríamos que fosse porque gostaríamos que isso já tivesse acontecido”, disse Ana Koteban (na foto em destaque), professora da rede municipal de ensino e integrante do coletivo.
500% de aumento das denúncias
Ana Koteban foi uma das vítimas de discriminação racial em sala. Após ser insultada por alguns estudantes, a professora não recebeu amparo da gestão da Escola Municipal de Ensino Fundamental Linneu Prestes, em Santo Amaro (zona Sul da capital), onde os fatos aconteceram.
A professora ficou afastada por mais de um ano devido a uma licença psiquiátrica. Hoje, busca por uma transferência de unidade por não se sentir em um ambiente seguro e pela sensação de impunidade, uma vez que o fato sequer foi registrado pela gestão da unidade escolar, tampouco reportado a outras instâncias competentes. Além disso, não houve qualquer iniciativa que demonstrasse repúdio ao fato por parte da instituição de ensino.
De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, a Delegacia de Repressão a Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Dcradi) apurou o incidente e concluiu o processo em fevereiro de 2023. Depois de ouvir depoimentos de estudantes e pessoas que trabalham na escola , o caso foi encaminhado à corte, que deliberou pelo arquivamento.
Só em 2023 foram registradas 3.330 denúncias de discriminação racial nas escolas estaduais de São Paulo, aumento exponencial de mais de 500% em relação a 20192019, quando foram registradas 599 denúncias.
Já a pesquisa “Sua escola é (anti)racista?”, conduzida pela Quero na Escola em 2023, 7 de cada 10 docentes afirmam que apelidos e piadas racistas são comuns em suas respectivas instituições de ensino.
Entre 624 participantes de 21 estados e do Distrito Federal, 23% mencionaram ter sofrido atos de discriminação racial. Entre as pessoas que se declaram pretas, este número supera 90%, enquanto entre as que se dizem pardas é de 39%.
“O racismo impossibilita que um professor ou uma professora possam trabalhar, porque é um trabalho que exige afetividade e relação. Se essa pessoa sofre com isso, não tem como ela exercer o trabalho dela da mesma forma”, comenta Cinthia Rodrigues, diretora da Quero na Escola.
Maior presença nas escolas
Durante a audiência, a geógrafa, professora e pesquisadora Fabiana Luz, que integrou a mesa de discussões, divulgou os dados de sua pesquisa “Perfil Racial da Rede Municipal de Ensino de São Paulo”. Por meio da Lei de Acesso à Informação, reuniu informações étnicas raciais de diretores, docentes e estudantes das escolas da capital paulista.
A pesquisa aponta que, de 2016 até 2023, houve um crescimento de mais de 70% de docentes que se autodeclaram pessoas pretas, passando de 7% para 12,5% do magistério nas escolas municipais de São Paulo. Entre as pessoas que se autodeclaram pardas, que anteriormente eram 15%, subiram para 23,4% em 2023.
Os números indicam uma mudança na representatividade nas escolas, segundo a geógrafa, professora e pesquisadora Fabiana Luz, que obteve dados por meio da Lei de Acesso à Informação e divulgou em sua pesquisa “Perfil Racial da Rede Municipal de Ensino de São Paulo”.
De acordo com Fabiana, isso estimula que cada vez mais estudantes tenham a percepção racial mais apurada. Ainda assim, a professora alerta que são necessárias outras medidas, como a aprovação do protocolo, para combater o racismo de forma mais efetiva.
“Ainda é pouco. Isso gera para nós que estamos nas escolas uma demanda extra, inclusive de saúde mental, porque toda questão racial, por não existir um protocolo, vem pra gente. Se houver um caso de racismo em uma turma que você sequer conhece os estudantes, eles falam ‘Fabiana, você pode ir lá mediar? ’. É como se fosse uma demanda nossa, e não é. É muito importante que a gente olhe para esses casos e entenda que a gente precisa de um protocolo porque existe também uma sobrecarga de trabalho nas pessoas que estão dentro dos espaços escolares”, comenta Fabiana.
André Santos, Thiago Borges