Com 10 mil famílias ameaçadas de despejo, ocupações e favelas da zona Sul se articulam por direito à moradia

Com 10 mil famílias ameaçadas de despejo, ocupações e favelas da zona Sul se articulam por direito à moradia

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Por Thiago Borges (texto e foto de capa). Fotos: Vitori Jumapili

Há mais de 20 anos, milhares de pessoas constroem casas e vidas em um loteamento no Jardim Herplin (Extremo Sul de São Paulo). Nos últimos 4 meses, a rotina dessa população ficou menos tranquila: 2 mil famílias correm o risco de despejo da comunidade, que abrange um terreno municipal e uma área pertencente à CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Apesar das notificações judiciais começarem a chegar recentemente, o processo movido pela Prefeitura de São Paulo foi aberto em 2004. Agora, lideranças locais correm para evitar a remoção.

“Eu sou nascido e moro nessa comunidade, e nunca houve uma ‘informativa’, uma comunicação direta de nenhum órgão público”, denuncia Alenildo de Almeida, de 36 anos. Em dezembro do ano passado, Alê (como é conhecido) representou a comunidade no terceiro Encontro de Favelas e Ocupações da Zona Sul no Grajaú. “Se eles não podem com uma formiga, não atiçam o formigueiro. E o formigueiro é exatamente os movimentos sociais”, diz.

Realizado em dezembro de 2022 por movimentos sociais, organizações de direitos humanos, universidades e representantes de órgãos públicos, o Encontro busca aproximar e fortalecer ocupações, favelas e comunidades na luta pela garantia de direitos. Afinal, mais de 10 mil famílias da zona Sul paulistana estão ameaçadas de despejo, segundo Benedito Barbosa, o Dito, que é militante e advogado da União dos Movimentos de Moradia (UMM).

“São comunidades em extrema pobreza, especialmente impactadas pela pandemia, pelo desemprego. Nesse período, muita gente perdeu o emprego e não teve outra alternativa que não seja ocupar, infelizmente”, explica Dito.

Ele observa que muitas ocupações e favelas são criminalizadas e viram alvos de ações de subprefeituras, do Ministério Público e, em especial, por projetos de intervenção nas áreas de preservação ambiental. Por isso, a luta é para que os despejos não aconteçam e que o poder público encontre soluções para essas famílias ao mesmo tempo em que garante a preservação ambiental.

“Ninguém quer morar dentro do rio, em cima da represa, muitas vezes como acontece aqui na zona Sul. O que o povo quer de verdade é moradia digna”, salienta Dito, que reforça a importância desses territórios se organizarem pelo direito à moradia.

Na pauta desses grupos, um assunto que entra na discussão é a crise climática e como ela afeta diretamente na vida das populações periféricas. “Muitas vezes, as pessoas acham que são culpadas porque estão na área de proteção ambiental, que estão provocando danos à natureza, mas isso é impacto das mudanças climáticas. Não está associado às ocupações das periferias urbanas, que aliás são vítimas dessas mudanças, impactadas com as enchentes”, complementa.

Para Ana Paula Pimentel Walker, professora de planejamento urbano na Universidade de Michigan (EUA), é importante relacionar a crise climática à realidade das periferias porque a defesa da preservação ambiental pode ser utilizada para justificar despejos.

“O impacto da mudança climática é muito maior numa num bairro que não tem infraestrutura básica, que não tem acesso à água, em que a drenagem é precária. Por outro lado, existe um perigo da forma como se fala (…) A política de ação climática periga provocar a insegurança da posse”, diz ela, que junto a docentes e estudantes atua com movimentos sociais e organizações para auxiliar na luta pelo direito à moradia.

Pedagogia da luta

Além de revisitar velhas demandas e se antenar às novas urgências, encontros como esse permitem que militantes há mais ou menos tempo troquem experiências entre si. É a pedagogia da luta, que possibilita “passar o caminho das pedras” para alcançar os objetivos de quem está reivindicando direitos.

Despejada em 2007 de um terreno que comprou no mesmo de um grileiro no Jardim Gaivotas (Grajaú, Extremo Sul de São Paulo), Ana Maria Gomes Santos, 47 anos, entende que a situação seria bem diferente se tivesse o conhecimento que tem hoje.

“Em 2007, eu acabei caindo no conto dos grileiros, né? Quando fez um ano que a gente tava morando, a Subprefeitura [da Capela do Socorro] veio com a reintegração e removeu todos nós. Éramos em 104 famílias”, diz Ana Maria, que por 8 anos viveu com auxílio aluguel à espera de ser encaminhada para uma habitação.

Com o corte do benefício e sem moradia, em 2015 ela voltou para a mesma ocupação de onde havia sido despejada anos atrás – e foi aí que teve contato com movimentos de moradia. “Hoje, a gente está lutando. O Centro Gaspar Garcia [organização de direitos humanos] entreou com um pedido de regularização”, continua. Atualmente, cerca de 250 famílias vivem no terreno.

“Tem muita comunidade aqui na zona Sul passando por um período de reintegração de posse, tem umas que já estão com a casa sendo seladas, outras em que a Prefeitura já removeu”, diz Mara Souza, 45, articuladora da UMM e ela própria vitoriosa na luta por moradia.

Em 2008, Mara e cerca de 100 famílias da Comunidade Pantanal, no Socorro (zona Sul), conseguiram barrar uma tentativa de despejo pela Prefeitura. A remoção só não aconteceu porque a população se articulou com movimentos por moradia e com a Defensoria Pública.

Hoje, Mara se baseia nessa experiência para apoiar quem também vive essa ameaça, percorrendo ocupações, comunidades, audiências públicas e atos de rua. Com isso, conseguiram frear o avanço do Projeto de Intervenção Urbana (PIU) Arco Jurubatuba, que coloca em risco a permanência de 2,5 mil casas na região. A proposta volta a ser debatida em março deste ano. “A luta não acaba”, encerra.

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