Comédia Stand Up no Capão: Pode rir, ri, mas não desacredita, não

Comédia Stand Up no Capão: Pode rir, ri, mas não desacredita, não

Rafael Cristiano comenta o show do Capão Comedy, espaço que fomenta comediantes na periferia da zona Sul de São Paulo. Confira em mais uma edição do "De Lupa na Arte"

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“Aqui é Capão Redondo, tru

Não é pokemón

Zona sul é o invés, é stress concentrado

Um coração ferido por metro quadrado”

O riso segue como um antídoto importante contra os stresses concentrados, e o stand up é um gênero que ao longo do tempo veio se consolidando como uma ferramenta acessível para isso. Afinal, quem nunca recebeu um vídeo no instagram de cortes de shows de stand up de algum comediante que está em alta?

Nós temos inclusive nossos preferidos, aquele que fala do cotidiano da vida na quebrada, aquela que fala sobre maconha, aquele que fala de macumba, aquela que fala de maternidade… A lista é longa.

Mas onde são feitos esses vídeos que acessamos? Qual foi a última vez que você colou em um show de stand up? E se colou, onde você precisou ir para ver? Era perto da sua casa? Antes do riso, teve o quê? Trem? Busão? Metrô?

Acho que a primeira qualidade do Capão Comedy que digo aqui é a própria ideia. No meio do Capão Redondo, a Fábrica de Criatividade recebe muitas das pessoas que chegam até quem mora na quebrada pelas redes sociais. Porém, o que direi aqui é da pretensão mais daora da ideia: a de colocar no mesmo palco comediantes dos arredores do bairro, comediantes iniciando ou seguindo suas carreiras perto de onde se mora.

Esses shows chamados de “Apenas um show” acontecem geralmente aos domingos e têm entrada gratuita, com venda de bebidas no local, e recebem “comediantes da casa”, pessoas que de alguma forma contribuem com a continuidade do evento, além do próprio idealizador.

O show é composto por micro apresentações individuais e sequenciadas, uma estrutura comum em casas de shows de stand up. Isso permite com que em uma mesma noite a gente acesse diversas formas de pensar, escrever e contar piadas e histórias engraçadas, que por vezes são bem diferentes umas das outras.

Algo que talvez a gente não tenha tanto acesso é justamente o processo artístico de um comediante de stand up. Um deles diz uma hora no show algo como: “Isso é tudo real, gente. Aconteceu. A gente diz rindo aqui pra vocês e depois chora escondido.” Ele indica que parte da criação de um comediante é a sua própria trajetória. Estamos acessando então, de alguma forma, uma tentativa de contornar com humor um acontecimento em nossas vidas, alguns um tanto trágicos, outros bem corriqueiros do cotidiano.

Isso se traduz no palco. No dia em que fui, havia no elenco 4 homens todos negros e 1 mulher. Em vários lugares, as histórias se coincidiam, e em vários outros não.

Os homens negros compartilham muitas experiências com a estrutura social e racial, de acordo com a diversidade de gradação da cor da pele. Falam também sobre seus cotidianos vivendo onde vivem, suas relações familiares e conjugais, suas relações no trabalho. Um deles fazia com muita acidez muitas piadas sobre o racismo, piadas que por vezes ríamos com um “Nossa” na cabeça. A mina também faz algo muito parecido, mas acrescido de suas relações sendo uma mulher na sociedade.

Quero dizer, afinal, se o texto do stand up é inspirado na própria trajetória, os lugares sociais podem determinar os shows que veremos

Isso me leva a um pensamento que, pra mim, coloco como um aspecto importante na construção dessa apreciação que tive do evento: nossos lugares sociais com toda sua amplitude e suas limitações nos levam a representações comuns, sobretudo de relações de gênero e orientação afetivo-sexual. No dia que fui, essas duas questões foram plataformas de muitas piadas, que para mim não revelavam sobre o objeto da piada, mas muito mais de quem a enuncia.

Pensei que talvez o stand up seja uma boa amostra de como homens cis-héteros se relacionam e pensam a partir de gênero e orientação afetivo-sexual, e faço isso como reconhecimento deste gênero como parte da cultura, parte importante do consumo de cultura nas periferias, e novamente valorizando a ideia do Capão Comedy.

O elenco é rotativo. Fiquei curioso para ver um dia em que haja mais mulheres e pessoas com diversas orientações afetivo-sexuais. Como suas trajetórias narradas com humor podem pluralizar ainda mais a experiência?

Afinal queremos que todes cheguem ao humor, ao riso… Mas antes do riso, tem o que além dos trens? Busões? Metrôs?

“Pode rir, ri, mas não desacredita, não”.

As apresentações do Capão Comedy acontecem na Fábrica de Criatividade, que fica na rua Luiz da Fonseca Galvão, 248. O evento gratuito “Apenas um Show” rola aos domingos, 19h. Confira aqui a programação completa.

*O autor Rafael Cristiano é designer da Periferia em Movimento, ator e dramaturgo. Formado em design gráfico pela FMU em 2012. É Ọmọ Òrìṣà de Ossanyn. Tem interesse em arte e em morrer velhinho

Fotos: Divulgação/Capão Comedy

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