Nos anos de 2023 e 2024, os dados oficiais apontam a ocorrência de 41.203 crimes ambientais registrados pelas Secretarias de Segurança de nove estados brasileiros: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e São Paulo.
As infrações contra fauna e flora representaram 69% do total – ou mais de 28 mil crimes tipificados na Lei dos Crimes Ambientais, como maus-tratos a animais, desmatamento irregular, poluição de nascentes, entre outros.
É o que revela o boletim Além da Floresta: conflitos socioambientais e deserto de informações, publicado nessa terça-feira (17/6) pela Rede de Observatórios da Segurança. O mês de junho é marcado pelas ações pela preservação do meio ambiente e, neste ano de 2025, tem um apelo especial devido à realização da COP 30 (Conferência global do Clima) em Belém do Pará.
O estado de São Paulo concentra 42% de todos os crimes ambientais tipificados e registrados no período. Dos 17.501 casos, mais de 8 mil foram contra a flora e mais de 5 mil contra a fauna. A poluição (mais de 3,5 mil), a exploração mineral (370) e outros (6,8 mil) completam a lista.
Nesse período, São Paulo teve 246% a mais em registros de crimes de incêndio em mata ou floresta. Acesse o estudo completo aqui e confira a tabela resumida abaixo:
Informações que ainda faltam
O relatório analisou os dados obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto às Secretarias de Segurança Pública e órgãos correlatos. E o documento também reúne casos identificados por meio de pesquisa diária de diversas fontes de informação, como veículos de imprensa tradicionais e independentes, redes sociais e grupos da sociedade civil.
Segundo a Rede, apesar do número elevado, os dados ainda são insuficientes para se ter garantia do diagnóstico sobre a realidade socioambiental. Isso se deve ao fato, identificado pelo estudo, de que cada unidade federativa tem formas específicas de reunir informações.
E há, também, as limitações da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que não compreende conflitos agrários e violações sofridas por comunidades tradicionais, por exemplo. Com isso, há baixas notificações e falta padronização de dados entre as secretarias.
O racismo ambiental pode ser lido nas entrelinhas: comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas e outras populações tradicionais, além de periferias urbanas, estão sofrendo com os impactos gerados pelos conflitos diariamente.
Mas essa dinâmica não está retratada nos dados analisados, visto que as secretarias de segurança pública não incluem a violência sofrida por essa população na classificação de crimes ambientais – o estado de São Paulo, por exemplo, não enviou nenhuma informação sobre isso.
Os números também não refletem o impacto das ações legais e oficiais, como abertura de estradas, construção de hidrelétricas, desmatamento para pecuária e agronegócios, além da mineração legalizada.
Como resultado, segundo a Rede isso leva também a um escasso acompanhamento pela mídia. Em busca de relatos de conflitos socioambientais na mídia, foram identificados 495 casos – pouco mais de 1% dos crimes reportados pelas secretarias. Além dos crime tipificados, esse levantamento específico incluiu ameaças a quilombolas, danos ao patrimônio de populações tradicionais e omissão por parte de agentes do Estado.
Para adiar o fim do mundo
Entre as recomendações, o boletim destaca a necessidade de padronização de dados, incluindo informações de vítimas que pertencem a povos ou comunidades tradicionais (PCT) ou mesmo se o delito foi de natureza ambiental. A riqueza de informações permitiria gerar indicadores comparáveis entre os estados e subsidiar políticas de proteção territorial.
A inclusão do tema nas redações de jornais é outra mudança fundamental sugerida pelo boletim, reforçando a presença de fontes comunitárias e das populações atingidas.
Por fim, o documento recomenda a criação de órgãos públicos para tratar exclusivamente dos delitos contra povos tradicionais, já que não se configuram como crimes ambientais comuns, mas têm especificidades que devem ser resguardadas pela autoridade policial.
A Rede de Observatórios é uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) dedicada a acompanhar políticas públicas de segurança, fenômenos de violência e criminalidade em nove estados. Compõem a articulação o grupo de pesquisa ILHARGAS, do Amazonas; a Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, da Bahia; o Laboratório de Estudos da Violência (LEV), do Ceará; a Rede de Estudos Periféricos (REP), do Maranhão; o Grupo de Pesquisa Mãe Crioula, do Pará; o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), de Pernambuco; o Núcleo de Pesquisas sobre Crianças, Adolescentes e Jovens (NUPEC), do Piauí; e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV/USP), de São Paulo.
Ilustração de capa: Wira Tini