Por Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano
Febre, tosse seca, dor na garganta… Se você não apresenta esses sintomas, provavelmente conhece alguém que está assim atualmente. Isso porque os casos de covid-19 voltaram a aumentar no País, infectando inclusive este jornalista recentemente. Apesar da aparente volta à “normalidade” vivenciada nos últimos meses, a pandemia não acabou. O que isso significa, exatamente?
“Esse burburinho só acontece porque o aumento é real e o inverno facilita os casos de síndrome respiratória”, explica Jorge Kayano, médico sanitarista e pesquisador do Instituto Pólis. Ele observa que os governos, desde o federal até os locais, relaxaram totalmente as medidas de prevenção e controle com a justificativa do avanço da vacinação. Por outro lado, há um cansaço global sobre o assunto, o que diminui o engajamento da população nos cuidados individuais, como aponta Kayano:
“As pessoas não querem mais ouvir falar da pandemia. Querem esquecer que morreu parente, amigo, e querem seguir a sua vida. Há um processo de esquecimento da pandemia. Você matou a pandemia na sua cabeça (…) É uma forma de diminuir o sofrimento”
O crescimento de casos é visível em São Paulo. Em janeiro, com a chegada da variante ômicron ao País, a cidade atingiu pico de toda a pandemia, com 233 mil novos casos. Depois de 3 meses de queda, em maio o número de infecções voltou a subir e, em junho, já tinha atingido 63.970 casos até o dia 23, segundo a Secretaria Municipal de Saúde..
Já o total de óbitos, que chegou a 1.840 no primeiro mês do ano, soma 60 mortes no mês atual. É um efeito da imunização no município, que hoje tem 79% da população maior de 18 anos vacinada com a dose de reforço. E apesar de mais transmissível, a variante em circulação também é menos letal (característica da evolução do próprio vírus, que passa por mutações para sobreviver).
Para Kayano, ainda que o total de óbitos seja considerado baixo, há outros riscos em deixar o vírus circular livremente:
“Numa condição como a atual, tanto no Brasil como no mundo todo, você pode ter o tempo todo o aparecimento de novas variantes que podem apresentar de repente uma gravidade maior”
Além disso, cada vez mais pessoas têm se queixado das sequelas da covid-19, inclusive entre quem desenvolve quadros leves da doença. Em maio, a Fiocruz Minas divulgou uma pesquisa que aponta que metade das pessoas diagnosticadas com a doença desenvolvem problemas que podem perdurar por mais de um ano. Entre as sequelas, estão fadiga, tosse persistente, dificuldade para respirar, insônia, ansiedade e até trombose.
“Isso vai pressionar o sistema de saúde, que por conta da própria pandemia deixa pra lidar com isso mais para frente”, conta Kayano, para quem a bomba está armada para estourar após as eleições de outubro, no colo dos próximos governos.
Operação “cancelamento”
No dia 17 de março deste ano, o então governador paulista, João Doria (PSDB), liberou a circulação sem máscaras no Estado de São Paulo. O acessório continua obrigatório apenas em equipamentos de saúde e no transporte coletivo e recentemente voltou a ter o uso recomendado em locais fechados com a nova onda de casos.
E no dia 23 de maio, o governo de Jair Bolsonaro revogou o decreto de emergência em saúde que estabelecia medidas de enfrentamento à pandemia, em vigor desde 2020. Como medida prática, isso suspendeu mais de 2 mil normas sobre a gestão da crise sanitária, enxugou recursos públicos e provocou um efeito cascata nas esferas de governo.
Para Kayano, tudo contribui para uma sensação de “fim da pandemia”, muito propícia para um ano eleitoral em que autoridades querem evitar cobranças sobre a atuação diante da crise. O pesquisador critica ainda práticas como a do governo paulista, que adota como principal parâmetro de controle da pandemia o índice de ocupação dos leitos hospitalares. “Isso demonstra que [o governo] trabalha na segunda escala, que é deixar correr a pandemia e ficar torcendo pra não haver tanta internação. E quando aumenta a internação, eles aumentam número de leitos, e aí fica tudo normal”, explica o sanitarista.
E com a desinformação sobre as vacinas, ainda há a resistência de muitas famílias em imunizar suas crianças – na cidade de São Paulo, o índice de quem tem entre 5 e 11 anos e recebeu as 2 doses está em 68%. “Quanto menor a cobertura vacinal, menor é o controle da pandemia na população em geral porque elas estão indo para as escolas e muitas não vacinadas podem ser infectadas e passar para as famílias”, continua Kayano.
Não por acaso, entre 23 de maio e 15 de junho ao menos 275 escolas municipais paulistanas suspenderam aulas por surtos de covid-19, segundo levantamento do Crece (Conselho de Representantes dos Conselhos de Escola). O órgão colegiado enviou questionários para 1.510 unidades escolares, recebeu retorno de 522 delas e registrou novos casos da doença em 480 escolas.
No dia 21 de junho, a Prefeitura comandada por Ricardo Nunes (MDB) publicou uma nova portaria em que determina que as aulas não sejam mais suspensas e que estudantes e docentes sem sintomas não recebam afastamento, mesmo que tenham contactado alguma pessoa infectada. Em caso de confirmação, a pessoa é afastada por 7 dias. A partir de 2 casos de covid-19 confirmados em unidades escolares, o uso de máscara se torna obrigatório a profissionais e estudantes por 14 dias (em pré-escolas e creches, apenas pessoas adultas são obrigadas a usar o acessório).
O que dá pra fazer?
No atual momento da pandemia, segundo Kayano, há medidas individuais que podem ser retomadas, como o uso de máscaras de boa proteção (do tipo PFF2 ou N95) em locais fechados, evitar aglomerações e privilegiar espaços bem ventilados. Porém, as principais ações devem partir do poder público, como a realização de testagem em massa, o rastreio de contactantes e o isolamento de pessoas infectadas.
“Isso é algo que deveria ter sido feito desde o início da pandemia e, em São Paulo, nunca será feito porque toda a atenção básica está nas mãos da organizações sociais, que é a privatização da saúde”, nota Kayano.
Segundo o sanitarista, disponibilizar a testagem em escolas seria um avanço, assim como liberar a vacina para quem tem menos de 6 anos de idade. “A China já faz vacinação com a própria coronavac em crianças acima de 1 ano”, reforça. Procurado pela reportagem, o Instituto Butantan informou que aguarda a liberação da Anvisa para aplicação da coronavac em crianças a partir dos 3 anos de idade.
Já a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de São Paulo informou por meio de nota que os testes RT-PCR e de antígeno estão disponíveis em equipamentos municipais, como postos de saúde, AMAs, UPAS e prontos socorros. A pasta também passou a testar pessoas assintomáticas que tiveram contato com quem está doente. Segundo a secretaria, em 2022 já foram realizados mais de 461 mil testes rápidos, sendo 265 mil durante o pico em janeiro e 74 mil em junho.
Thiago Borges, Rafael Cristiano